1 de abril de 2015

Demóstenes e Dirceu

Marília de Dirceu é o grande poema de Tomaz Antônio Gonzaga, um dos Inconfidentes Mineiros que, sob o nome de Dirceu, descreveu em lirismo arcádico seu amor pela paixão de toda a vida, a mineira Maria Dorotéa Joaquina de Seixas, de quem fora noivo, a doce Marília de seus cânticos.
Nada a ver com as sórdidas estórias de dois políticos corruptos e da atitude de seus partidos diante de incontestes fatos de perversão ética: Demóstenes e o DEM; Dirceu e o PT.
Não posso dizer que admire ou goste do Partido dos Trabalhadores. Gosto menos ainda dos Democratas. Ambos, quando se vêm diante de atos de corrupção cometidos por algum de seu filiados, tomam atitudes simbólicas do aparente comprometimento com a verdade e com a ética de cada agremiação.
Quando Demóstenes Torres, senador da República, foi desmascarado na CPI do Cachoeira, seu partido, o DEM, não tergiversou, o expulsou imediatamente de seus quadros e o abandonou à própria sorte. Significa isto que demais membros do partido abominem a corrupção? Pode ser, mas acho difícil de acreditar. Para mim poderia ser demonstração de sentimento que, provavelmente, não existiria. Mas, pelo menos, foi um gesto de satisfação a seus eleitores. E, nisto, acertaram.
Assim como o DEM, há outros aglomerados de interesses individuais. Neles, cada um utiliza o partido para seus próprios fins, as alianças se fazem para benefício mútuo entre as partes, não há outros compromissos senão com os próprios negócios, muitos destes claramente escusos. Partidos cujos programas são peças de ficção irrealizáveis e completamente divorciadas das respectivas práticas políticas. É o patrimonialismo de nossos políticos desde os tempos de Garcia d’Ávila.
Partidos ideológicos são geralmente muito pequenos e vociferantes, mas faltos de real força política, portanto, sem poder. A exceção é o PT onde abundam ideologias de todas as gamas de esquerda, antagônicas entre si, cuja única força de coesão é a liderança carismática e hábil de Luiz Inácio Lula da Silva e seus métodos de custear a conquista do poder.
O Partido dos Trabalhadores possui um programa socializante e estatizante. Mas este é, também, dissociado de sua prática de governo. Por exemplo, por mais que combatesse as privatizações, em doze anos de poder não estatizou de volta um item sequer de tudo o que fora privatizado por FHC. Pelo contrário, continua transferindo à iniciativa privada tudo o que o governo não tem capacidade de realizar.
Apesar disto os membros desse partido não apenas creem nos ideais partidários, acreditam também na pureza de vestal de seus líderes e na total sordidez de seus adversários, principalmente os do PSDB.
Quando a evidência da perversão de algum de seus correligionários se apresenta, petistas ficam atônitos, mais ainda quando se revela que a podridão se alastra por diversas instâncias de governo dominadas pelo PT. Foi o que aconteceu no episódio do mensalão e outros antes deste.
O mensalão ofereceu oportunidade única ao Partido dos Trabalhadores de purgar suas delinquências, realizar catarse purificadora, alijar seus quadros os delituosos, anatemizar seus criminosos.
Bastava que a fala de Lula sobre as culpas do partido fosse sincera, que repudiasse o caixa dois que praticara, saneasse as delinquências e expelisse os delinquentes. O PT, embora menor, poderia ter saído do episódio renovado, mas com autoridade moral e dignidade preservada diante da nação brasileira. Seria um partido do qual, mesmo não concordando ideologicamente, todos os brasileiros poderiam se orgulhar.
Mas o PT não podia fazer nada disso. O que destruiu totalmente a autoridade moral de Lula e de seu partido foi a confissão pública que fez em Paris da prática do caixa dois sob alegação de que seria prática usual de todos os partidos. Poderia ter sido de todos, mas nunca do PT, ou este se igualaria aos demais na prática delituosa. Foi o que aconteceu, e o que Lula admitiu ao confessar.
A partir daí, Lula e o PT perderam a aura de pureza e dignidade que até então orgulhosamente ostentavam diante de adversários curtidos na pratica do gozo pessoal de bens públicos.
O mensalão revelou que, ao contrário dos políticos comuns, assaltantes do erário público em benefício pessoal, a cúpula do Partido dos Trabalhadores o fazia institucionalmente. Seus caciques, com toda confiança e cheios de moral, assaltavam os cofres públicos em benefício da instituição. Era a institucionalização do crime em nome do ideal.
Isto no princípio, porque, logo, quem roubava para o partido, passou a roubar para si mesmo, sem diferençar caixa do PT do próprio bolso. E isto vinha de longe. Pelo que se levantou em sindicâncias policiais e comissões parlamentares de inquérito - o caso Celso Daniel é apenas pequena amostra - a pratica se realizaria em praticamente todos os governos municipais e estaduais governados pelo PT.
O petista comum, sincero, idealista, admirador de Lula, incrédulo como quem não acredite que Louis Armstrong pisara na Lua, também não poderia crer que seu partido e seus líderes pudessem cometer os crimes que os colocaria na cadeia.
Por outro lado, cândidos petistas acreditam piamente que Lula e Dilma sejam absolutamente tolos e incompetentes ao ponto de nada saberem, nem do mensalão, nem do petrolão. Acreditam que seja possível a presidentes da república, inteligentes e hábeis ao ponto de chegarem a tão alto cargo, dispondo de complexos e bem aparelhados serviços de informação e corregedoria, deixar de ser informados de tudo o que todos os demais políticos sabiam, pois muitos deles eram os beneficiários, inclusive os que os rodeavam mais intimamente.
Quando a ficha caiu, perceberam que seus líderes e seu partido estariam tão pervertidos como os demais. Não haveria diferença. Sim, não haveria diferença entre PT e PSDB, como não haveria diferença entre Lula e FHC. Seria tudo igual.
Mas há uma diferença fundamental. Assim como a mãe reconhece o crime do filho, mas não deixa de o amar, visita-o na cadeia e o afaga carinhosamente, o petista de coração não deixa de amar e admirar a quem, por falso ideal, se sacrificou pelo partido ao cometer crimes e pagar por eles.
Então, não consegue reconhecer a culpa evidente, encontra mil desculpas, acusa tantos outros e, desveladamente, busca justificar o indesculpável. Só Freud explica.
É por isso que José Dirceu é tão acarinhado, afagado, admirado e, apesar de ter faturado dezenas de milhões de reais em consultorias ao cartel do petrolão, ainda encontra quem, fiel e tolamente, contribua em vaquinha de novecentos mil contos para pagar a multa que a Justiça lhe impôs. Pobrezinho.
Demóstenes curte o ostracismo. Os democratas, por convicção moral ou desfaçatez cínica, sabe-se lá qual, o abandonaram.

Dirceu purga pena criminal em presídio da Capital. Mas goza de todo prestígio, aplauso e consideração de petistas inveterados e renitentes.

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