26 de abril de 2012

Cachorras e piriguetes

Assuntos de grande gravidade atraem nossa atenção, esta semana, e poderiam ser tema desta crônica, entre os quais, o Código Florestal, as cotas para negros e pardos nas universidades, a reunião entre Lula e Dilma, e a visita ao Brasil de Armatya Sen.

No primeiro se decide se as margens de cursos d’água serão reflorestadas ou não, em que extensão, e não apenas nas propriedades rurais, mas em locais que me parecem improváveis, como o Palácio Alvorada, a marginal do Tietê, as lagoas Pampulha e Rodrigo de Freitas.

O segundo determinará a continuidade das cotas raciais nas universidades, coisa que considero equivocada, não pela política afirmativa, com a qual concordo plenamente, mas porque esta deveria ser aplicada desde a pré-escola, a todas as crianças, sem distinção, para que não haja necessidade de introduzir o abominável critério de raças.

O terceiro é o sacrifício de Lula em sair de sua convalescença para instruir sua discípula como se comportar diante das tormentas em cascatas da CPI do Cachoeira, águas que podem levar de roldão próceres de todos os partidos, começando com o ex delegado, ex promotor e atual senador Demóstenes, ameaçando paralisar obras do PAC, da Copa e das Olimpíadas.

O quarto são as conferências e palestras que o ilustre economista indiano profere, esta semana, em importantes centro acadêmicos de nosso país. Armatya Sen é autor de um dos livros sobre economia mais difundidos das últimas décadas: Desenvolvimento como Liberdade, no qual disserta sobre a liberdade como importante fator de melhoria nas condições de vida, e vice-versa, e propõe que grau de liberdade seja excelente indicador de qualidade de vida.

São assuntos que merecem reflexão. No entanto, comentários sobre comportamentos sociais, proferidos por pessoas que considero e admiro, me fazem refletir e comentar a questão dos costumes e da variação destes conforme as épocas. Eis alguns comentários de J. Ninos sobre Valesca Popozuda: “É o fim do poço para a música brasileira... Pensei que ainda ia demorar mais um pouco a degradação final... Sodoma e Gomorra é aqui!!!” Antenor Giovannini repercutiu estes comentários em seu blog.

Em 1950, na praia de Boa Viagem, no Recife, vi pela primeira vez algumas moças vestindo biquínis. Gostei do que vi, mas foi verdadeiro escândalo comentado por moças em duas peças e senhoras em maiô completo. Hoje em dia estão todas de fio dental e ninguém diz nada, assim como o publico que passeava por uma praia artificial inaugurada na Dinamarca em 2005 nem olhava para os casais que entravam n’água completamente despidos. O tempo muda os costumes.

As práticas sexuais da Sodoma e Gomorra - que deram origem ao vocábulo sodomia, pecado abjeto para todos até algum tempo atrás, e para alguns ainda hoje - são livremente exercitadas por muitos e extensamente aceitas pelos demais, inclusive com matrimônios homossexuais sacralizados pela lei civil. O tempo muda a moral.

Até bem poucas décadas mulheres não votavam, eram relegadas ao exercício dos afazeres do lar, vestiam-se recatadamente e iam à igreja cobertas por véus, nunca diziam palavrões, não olhavam diretamente para homens e, se cometessem adultério, eram assassinadas em defesa da honra masculina. Mas a mulher mudou sua condição, se homens podem ascender à presidência, elas também, se eles dizem palavrões, elas os imitam, se homens buscam livremente parceiras sexuais eventuais, elas os igualam e fazem, sem restrições, tudo o que os homens praticam sem queixas ou recriminações desde o início das eras. O tempo muda a sociedade.

Piriguetes nada fazem diferente do que os rapazes sempre fizeram: buscam sexo como divertimento descompromissado. E se eles se referem a elas em termos depreciativos, bravateando feitos com palavras cruas, a recíproca agora é verdadeira. Em bailes funks, mulheres são chamadas cachorras e se aceitam como tal, multidões delas se agitam em coreografias sexuais, declarando em versos candentes que podem se divertir quando e com quem lhes convier e aceitar. O tempo muda os costumes, a moral e a sociedade.

O tempo muda tudo. A verdade imutável é: dentro da lei e da ordem, desde que não prejudique os demais, cada indivíduo tem o direito de se comportar como lhe convier em busca da felicidade. O resto é preconceito.

19 de abril de 2012

Erros de Karl Marx


Este título, para ser mais coerente, deveria ser “Limites da Perspectiva de Karl Marx”, porquanto não me atrevo a apontar erros nas teorias desse filósofo, assim como não o faria nas de Isaac Newton. Ambos se fundamentaram no conhecimento de suas épocas para desenvolver as próprias hipóteses, algumas das quais vigentes ainda hoje, outras apenas aplicáveis em casos especiais, mas não em outros e, finalmente, as que se tornaram obsoletas.

A formação cultural de Karl Marx - de seu nascimento em Tréveris (1818), até a obtenção do doutorado em Filosofia em Berlim (1841) - se processou no período de implantação das ideias do Congresso de Viena consolidadas no Tratado de Paris: reorganização geopolítica da Europa, colonização dos demais continentes, restauração das monarquias pré-napoleônicas e aliança da burguesia internacional. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial se espalhava pelo continente europeu e nos estados ianques da Nova Inglaterra. Os três estados - nobreza, clero e povo - desapareceram dando lugar a duas classes: burguesia e proletariado.

Foi esta a paisagem econômica e sociológica existente durante o desenvolvimento da visão de mundo de Karl Marx. E foi este o cenário que encontrou ao se refugiar em Paris (1843) e iniciar, de fato, sua extraordinária produção intelectual, panorama que perdurou por toda sua vida.

A perspectiva de Karl Marx lhe permitia enxergar a sociedade dividida em duas classes pela posse ou destituição de dois predicados: renda e meios de produção. Para ele são estes fatores, senão únicos, os predominantes no destino das pessoas e nações. Qualquer mudança nessa estrutura solidamente estratificada se torna impossível a menos que transtornada por revolução sangrenta. Além disto, Marx propõe que a mais valia seja expropriação do valor do trabalho e que religião seja alienante.

Para não estender demais o tema, convidemos outro pensador de igual estatura intelectual, Max Weber, e sua tese de que, em ambiente de liberdade, as classes se definem também por outros fatores, inclusive e algumas vezes predominantemente conforme as virtudes, talentos e habilidades individuais, com recompensas correspondentes em renda e status, formando tecido social mais variado, flexível e muito menos rígido.

Ao observarmos as sociedades do século XXI, reconhecemos panoramas muito mais parecidos com o descrito por Weber do que o proposto por Marx. Enquanto este acredita que o proletário é completamente cerceado pelas condições impostas pelo burguês, o outro reconhece a capacidade do indivíduo influir em seu destino pelo exercício de suas capacidades, talento e determinação, e propõe a existência de maior número de classes e a mobilidade interclasses em função de características individuais.

O moderno e democrático estado de direito permite o surgimento de múltiplas manifestações da sociedade civil organizada, do livre embate de interesses entre os diversos grupos sociais, e dispõe de meios para dirimir pacificamente os conflitos.

É certo que a religião católica atribui pecado à riqueza, mas a moral protestante, que atribui virtude ao trabalho e á prosperidade, explicitada por Weber como sendo indutora da diligência na busca da melhoria de condições de vida, renda e status, contradiz o mau conceito que Karl Marx atribui generalizadamente à religião.

Não há dúvida de que o capitalista retém parte do valor da mercadoria processada pelo conjunto constituído por meios de produção e trabalho assalariado. Karl Marx chama a isto de mais valia a trata como se fosse o maior dos males que afligem a Humanidade.

No entanto, podemos comparar lucro, ou mais valia, com o tributo arrecadado pelo Estado, parte do qual cobre o custeio da máquina governamental e parte se destina a investimento para satisfação de necessidades futuras da sociedade. O orçamento estatal cobre as mais diversas despesas, desde encargos educacionais até o custeio de obras suntuárias,  como palácios, carruagens e aviões reais, presidenciais e de seus “laterones” ou “nomenklatura”, sem contar o que se esvai por caminhos da burocracia, incompetência, desídia e corrupção.

O lucro, por sua vez, é remuneração do capital e investimento em aprimoramento e expansão dos empreendimentos, com importante função de fornecimento de mais, melhores e mais baratos produtos, além da fundamental geração de emprego e renda.

Ambos, Estado e empreendedor privado, são semelhantes e exercem importantes funções sociais benéficas a todas as classes.

Ao longo da História do Conhecimento, teses surgem, evoluem e fenecem. Uma ou outra se torna marco milenar enquanto as demais se esvaem como fumaça passageira. Certas proposições de Karl Marx continuam com maior ou menor validade, enquanto outras se diluem em suas próprias contradições e erros de perspectiva.

12 de abril de 2012

Em busca da felicidade


Os redatores da Declaração de Independência, na Revolução Americana, proclamada antes da Declaração dos Direitos do Homem, na Revolução Francesa, colocam entre as liberdades caras ao ser humano a do direito à busca da própria felicidade. Ali não se especifica o que seja felicidade, conceito particular a cada indivíduo, mas se reafirma sua importância e precedência sobre os demais direitos.

Sei da importância da felicidade, dou imenso valor a ela. Por isso mesmo, sempre, não somente busquei a felicidade, mas me preocupei em entender o que seja ela e onde se esconde.

Parece que felicidade é o estado psicológico de contentamento, sensação de plena satisfação das necessidades fundamentais em qualquer circunstância, mesmo quando estamos doentes, passamos fome ou estamos retidos em masmorras, mesmo quando sentimos pesar pela perda de um bem, de um amor ou pela morte de alguém que amamos, porque podemos derramar lágrimas, sofrer, mas não perder a alegria de viver, de nos sentirmos plenos.

Esta é a lição que aprendemos com pessoas que nunca tiveram ou que perderam alguma e mesmo várias faculdades, como a de ver, ouvir, caminhar, mas que apesar disto irradiam otimismo, coragem e alegria de viver.

Apesar de minhas intensas e vastas buscas, não encontrei a felicidade em lugar algum, em pessoa nenhuma, senão por fugazes momentos. Mas tanto busquei que aprendi: não podemos achar nada nem ninguém que nos proporcione felicidade, se não a encontramos, em primeiro lugar, dentro de nós mesmos.

Assim, aprendi a ser feliz comigo mesmo, com o que sou como cidadão, como camarada de brinquedos e de trabalhos, como irmão, companheiro, marido, amante, mas muito primordialmente, como ser humano que se basta a si próprio para ser feliz, independentemente de qualquer outra pessoa, de qualquer outro fator, seja saúde ou riqueza.

No momento em que adquiri a capacidade de ser feliz comigo mesmo, passei a almejar a ser feliz em qualquer circunstância e com qualquer pessoa e, mais ainda, a capacidade de ser feliz junto com outras pessoas, numa parceria de felicidade infinita.

Vejo muitas pessoas sofrendo porque outras pessoas não lhe dão felicidade, como se isto fosse possível, como se felicidade pudesse ser doada ou talvez vendida. Não dá certo. Em primeiro lugar, temos que ser emocionalmente independentes, não que sejamos imunes ao sofrimento, nada disto, sofrimento faz parte da vida, como perder uma pessoa amada para a coisa mais inexorável que existe, a morte. Por incrível que possa parecer, a menos que alguém se queira entregar, o sofrimento não pode impedir ninguém de ser feliz.

Temos incrível exemplo disto em pessoa de minhas relações, a quem chamo ternamente de irmã e acaba de completar cem anos de vida, lúcida, experta, jocosa e irônica. Sofrimentos têm se abatido sucessivamente sobre ela. Apesar de tudo, não se abate, não se entrega ao sofrimento, à amargura, ao desespero, simplesmente porque é feliz consigo mesma, sempre a irradiar felicidade, alegria, bom humor, simpatia e mansidão.

Devemos aprender a ser felizes com nós mesmos, simplesmente pelo fato de existirmos. Parafraseando René Descartes, “existo, logo sou feliz”. Não vale dizer: “sou feliz, logo existo”, o que nos tiraria deste mundo, já que, não sendo felizes, não existiríamos.

Quando somos felizes deixamos de recriminar, acusar, ranzinzar, irritar a nos mesmos e aos outros, o que alivia, suaviza, aplaina a convivência com pessoas e animais, nos permite circular em todos os ambientes com tranquilidade, naturalidade, jovialidade. As pessoas se sentem felizes com quem é feliz, se aproximam, procuram, amam e são amadas.

Este é o mundo ideal, o mundo em que todos são felizes por existirem, se amam e assim podem amar e ser amados, proporcionar e receber maior felicidade. 

4 de abril de 2012

Apenas caixa dois...


Este não é o primeiro e não será o último dos escândalos envolvendo políticos renomados pela bravura com que se batem pela ética e contra a corrupção. O Senador Demóstenes é apenas mais um de enorme lista. E olhe que suas malfeitorias nem são tão graves assim, como as de outros melhor aquinoados. Convenhamos, desde quando parece estranho ver um delegado, ou ex, envolvido com contraventores do jogo do bicho e da jogatina em geral no mundo todo? Faz parte da crônica policial e é relatada em todos os jornais, todos os dias, em toda parte. E coisas normais são desculpáveis, plenamente aceitáveis. Afinal, ninguém pode consertar o mundo. Nada de mais. Como disse Lula, é apenas caixa dois.

É apenas caixa dois... Triste caixa dois, infame caixa dois, desgraçado caixa dois que arruína o cerne da política e destrói os últimos resquícios de moral no caráter dos políticos.

Todo político, todos eles, precisam de dinheiro para financiar eleições e, mesmo quando o têm em abundância, como alguns milionários, sempre recorrem aos amigos, quaisquer que sejam, buscando contribuições. Alguns políticos, dos que hoje estão nos píncaros do poder nacional, inclusive na própria presidência, acham, ou assim lhes parecia, plenamente justificável assaltar bancos e sequestrar ricaços para financiar ativismo político, propaganda e terrorismo. Tudo, é claro, em favor da democracia, do povo sofrido, da soberania nacional e contra a burguesia retrógrada e o imperialismo esmagador.

Então, quando a necessidade aparece, não custa nada receber ajuda de quem está sempre pronto a contribuir em troca de algum favor ou proteção. É normal. Como disse o Lula, é apenas caixa dois. Nada de mais.

O que fez o Demóstenes? Andou por algumas repartições verificando onde poderia ajudar ou proteger um querido amigo que lhe fizera inesquecível presente de casamento, um querido amigo que não é nem criminoso, senão apenas um simples contraventor, desses que simpaticamente financiam nossa alegria no carnaval, no país todo. Enquanto não trabalhava por Cachoeira, seu querido amigo, Demóstenes verberava contundentemente contra ministros nomeados por Lula para o governo Dilma, ministros dominós que caem um após o outro numa sequência vergonhosa de tiro ao alvo disparado por essa mídia lesa majestade que é contra tudo e contra todos e não poupa nem os coitadinhos dos ministros malfeitores.

Até parece que Demóstenes era o mais virtuosos dos santos, o menos pecador dos mortais, exemplo de varão bíblico, homem reto, corajoso e digno. Era tanta, tanta dignidade que transbordava pelo senado e se espraiava pelo cenário nacional a receber admiração e aplauso. Até que terríveis revelações, obtidas não se sabe como, nem por quais artifícios, de sindicâncias policiais que de repente se tornam públicas, entornam baldes de água fria sobre a resplandecente imagem do ilustre senador, o virtuoso. A luz se apaga, fenece, extingue.

Agora temos novo escândalo para curtir, esquecer das grandes roubalheiras que continuam, ininterruptamente, a retirar verbas da educação, da saúde, da segurança, da infraestrutura, da ciência e da cultura. Não nos lembramos mais do mensalão, nem de seus autores, que ainda não foram julgados e correm o risco de não o serem por decurso de prazo.

A vida continua. Escândalos vão e vêm. Novos alvoroços aparecerão e logo nos esqueceremos deste. Talvez Demóstenes perca o mandato e fique inelegível por muito tempo. Coitadinho, não fez nada de mais, foi apenas amigo do amigo, e amigos são para sempre, como o Zé Dirceu que continua aos beijos e braços com os companheiros, provando a todos nós que certas coisinhas que se praticam na política são normais, desculpáveis, plenamente aceitáveis. Afinal, como disse Lula, é apenas caixa dois.