17 de novembro de 2011

Por la izquierda

      O número 62, de novembro de 2011, da revista Piauí, publicação mensal que circula em alguns meios intelectuais, alguns deles desse anacronismo que se intitula esquerda, nos traz crônica de Plínio Fraga intitulada “La vida por la izquierda”, na qual descreve os meandros da economia subterrânea de Cuba, mais ou menos o que para nós seria o mercado negro, algo que vai desde bebidas e prostituição até internação no símbolo do sistema de saúde cubano, o Hospital Hermanos Ameijeiras, centro de referência castrista no tratamento de câncer, transplantes e cirurgia de coluna, cujos leitos são reservados apenas aos chefões do governo e aqueles que têm meios e conexões que lhes abram as portas certas, sem ter que passar pela intransponível burocracia à qual se sujeita o povo.
      Corrupção, lá como aqui, sempre existe, o que não me espanta uma vez que, quando se criam dificuldades, o resultado é sempre o surgimento de mercado subterrâneo onde se compram e vendem facilidades. E ai está a origem da sonegação fiscal, do contrabando e do tráfico de cigarros, bebidas, drogas, favores e influências. A diferença entre la izquierda do reino de Raul Castro, a máfia de Al Capone e o Ministério Dilma, herança maldita de Lula, é mera questão de arte e estilo.
      Mas não é isto que move meu pensamento. O assunto apenas me faz refletir, a modo de Maquiavel, sobre os tipos de gentes que há. E é analisando o comportamento das pessoas que verifico existirem sete tipos de gente: conformistas, pensadores, cientistas, inconformados, artistas, empreendedores e líderes. E, claro, suas misturas e gradações.
      Conformista é a grande maioria da Humanidade, sua quase totalidade, algo perto de 95 por cento, ou mais, são pessoas que preferem a obediência e a rotina. Uma vez que determinadas condições mínimas de satisfação ou conforto sejam atingidas elas passarão a vida toda conformadas com o status quo, admirando e aplaudindo os líderes que lhes proporcionem tais condições. São assim alemães e italianos de Hitler e Mussolini, cubanos e venezuelanos de Fidel e Chávez, brasileiros de Getúlio e Lula.
      Pensadores são aqueles que pouco agem e muito pensam, são os filósofos, religiosos, ideólogos, sociólogos, juristas, gente como Aristóteles e Platão, Buda e Jesus Cristo, Adam Smith, Karl Max e Max Weber, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, Ulpiano e Clovis Bevilaqua.
      Cientistas e inventores são os que nos abrem as portas do conhecimento, os descortinadores de novos horizontes para a Humanidade, os solucionadores de problemas, os facilitadores, gente como Arquimedes e Euclides, Mendel e Darwin, Newton e Einstein, Thomas Edson e Santos Dumont.
      Inconformados são os rebeldes que nunca se conformam com nada, estão sempre contestando tudo e quando atingem um objetivo, se é que o fazem, saem em busca de novos moinhos de vento à moda de Dom Quixote. Coloco nesse nicho Che Guevara e Bin Laden.
      Artistas, músicos e poetas, historiadores e romancistas, pintores, escultores e arquitetos, gente que interpreta a alma das pessoas e as faz rir e chorar, cantar e dançar, cujos nomes são tantos e tão expressivos que me escuso de exemplificar, mas que qualquer um pode fazer sua própria lista como desejar.
      Empreendedores são os artífices da economia, inovadores dos negócios, construtores do progresso como Rockfeller e Lesseps, Henry Ford e Steve Jobs, Mauá e Matarazzo.
Temos, finalmente, os líderes, os que prendem nossos corações e mentes com suas palavras, ideias e exemplos e nos conduzem por seus caminhos, são pessoas como Gandhi e Martin Luther King. Deixem-me ficar só com estes para não estragar o rol.
      É exatamente quando as dificuldades são impostas por regimes autoritários, arrogantes e inconsequentes que a mistura de inconformismo, arte e empreendedorismo se junta para criar o tipo justo capaz de superar e contornar os empecilhos por atraentes e perigosos descaminhos, los caminos por la izquierda.

Subserviência e procrastinação

      A República Brasileira foi açoitada por dois rudes golpes nesta semana. O primeiro, desferido pela Câmara Federal, o segundo, pelo Supremo Tribunal.
      A origem dos parlamentos, sua raiz, sua essência está na inconformidade de barões ingleses da idade média com tributos impostos pelo rei sem devida consulta prévia aos contribuintes. A partir de então, assembleias anuais de pagadores de impostos, ou seus representantes, no mundo todo, se reúnem para discutir, e eventualmente aprovar, mensagens dos poderes executivos (reis, primeiros-ministros, presidentes, governadores, prefeitos) discriminando despesas e fontes de receitas previstas para o ano seguinte. A tradição mantém a anualidade imposta pelo ciclo climático das regiões temperadas, mas esse regime está sendo alterado pelas atuais facilidades de comunicação e processamento de dados, fazendo com que tributos, que antes, legalmente, somente poderiam ser cobrados no ano seguinte ao da lei que os instituía, entrem em vigor em prazos de 90 dias ou coisa semelhante.
      Temos aqui dois conceitos interligados de extrema importância para o regime democrático republicano moderno: controle em tempo oportuno, prazo menor do que um ano, das atividades fiscais do executivo pelos representantes do povo. Esta é a razão de ser das câmaras de deputados. Pois foi exatamente esta atribuição precípua que os deputados federais, em abjeta subserviência, colocaram aos pés da soberana Dilma ao prorrogarem até 2015 a famigerada DRU – desvinculação dos recursos da União, pela qual, receitas não constitucionalmente discriminadas são aplicadas discricionariamente pelo executivo, tornando letra morta o orçamento anual previamente votado pelo Congresso. O Congresso Nacional já havia abdicado, em decisão recente, de sua prerrogativa de legislar sobre Salário Mínimo, o que torna ainda mais grave a submissão do Legislativo ao Executivo. O Congresso demonstra sua própria inutilidade. O Congresso pede pra ser fechado. A República está derrotada.
      O segundo golpe provêm do Supremo Tribunal Federal ao protelar o julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e sua aplicabilidade ao pleito de 2012. O tema está sobejamente debatido pela sociedade que a originou. O tema está esmiuçado pelos constitucionalistas. O tema foi apresentado por três advogados altamente conceituados, pelo Procurador Geral da República e exaustivamente analisado pelo Ministro Relator em longuíssima exposição. Não havia porque procrastinar. Mas o Ministro Joaquim Barbosa que, em sessão anterior, mostrara insuficiência técnica e demonstrara antagonismo pessoal ao relatar o processo movido por Jader Barbalho contra o Ministério Público Eleitoral que o impede de assumir cadeira senatorial para a qual foi votado, insensível ao clamor do povo pela pronta decisão da Ficha Limpa, inexplicavelmente, talvez revelando despreparo ou desinteresse, requer vistas ao processo, adiando decisão ansiosamente esperada. Decepção, desolação, frustração.
      Se tivéssemos em vigor a Lei da Ficha Limpa, talvez não fossemos obrigados a assistir lastimável abdicação de seus sagrados deveres por nossos congressistas, nem, quem sabe, que ver o Supremo se debater nas firulas legais de pleitos como o de Jader.
O povo brasileiro merece mais, muito mais, de seus legisladores e juízes.

Saúde, Lula

      Intensa escaramuça na mídia impressa se espalha como rastilho de pólvora pelos sites sociais e pelos blogs com artigos e comentários em tons que vão dos mais suaves acordes aos mais exacerbados ribombar de trovões wagnerianos, numa disputa por saber se é ético recomendar que Lula vá tratar de seu câncer de laringe no SUS, que ele mesmo teria declarado perfeito, se é perfeitamente natural que ele recorra a um hospital particular de primeira linha e, portanto, caríssimo, como é o caso do Sírio Libanês, ou se o correto é todos, contritamente, nos postarmos a orar pelo pronto restabelecimento do bom camarada que é nosso grande ex-presidente.
      Não entrarei nessa infeliz disputa. O drama da ameaça de um câncer é grande demais para permitir galhofas, brincadeiras, ironias e mal encoberto despeito de adversários ou mesmo apaixonada idolatria de admiradores incondicionais. O que cabe é apenas respeito pela aflição do paciente e seus familiares, e porque não, de milhões de brasileiros que aprenderam a amar esse político simpático e bonachão. E é por esse respeito que desejo a Lula uma cura rápida e segura.
      Escrevo isto ao chegar de um posto do SUS onde fora na vã tentativa de fazer umas radiografias, mandado de outro posto do SUS cujo aparelho de Raios-X estava quebrado, apenas para ser informado de que o técnico faltara ao serviço. Isto sem contar que o encaminhamento para radiografia fora emitido na segunda consulta médica, uma vez que na primeira o médico também faltara. Assim é o SUS do Rio de Janeiro, onde estou, e não é diferente de Santarém.
      Uso preferencialmente o SUS porque vejo que parentes meus, que possuem planos privados de saúde, demoram mais para terem suas consultas e até operações marcadas do que se fossem ao SUS. Nos últimos dez anos, me submeti a três intervenções cirúrgicas de grande complexidade, uma em clínica particular e duas pelo SUS e correu tudo a contento.
      É claro, que em emergências tenho que recorrer a hospitais particulares, pagando rios de dinheiro, para não ter que ficar jogado em macas nos corredores dos prontos socorros do SUS. Mas é exceção e, felizmente, até agora as emergências foram por causas menos importantes e sem consequências.
Por outro lado, vejo que quanto mais complexo seja o tratamento, mais competentes se mostram as equipes do SUS. Às vezes com algumas dificuldades burocráticas, é certo, mas onde, neste país, não há dificuldades burocráticas a serem vencidas? Onde, de fato, o SUS é incompetente é na emergência, quando há necessidade de pronto atendimento. Aí o SUS falha fragorosamente. È desumanidade mesclada com descaso e incompetência, verdadeira vergonha que se espalha por todo o país, seja em Santarém, seja no Rio, São Paulo, em qualquer parte. Vergonha nacional.
      Sei que Lula seria bem tratado no SUS. Mas seu vice e amigo, José de Alencar, homem rico, recorria ao Sírio Libanês, aonde veio a falecer, e onde foi frequentemente visitado pelo então presidente. Nada de admirar, portanto, que Lula queira usar o mesmo hospital. Coisa natural, não havia nem o que pensar, apenas seguir o que o amigo fazia. E ali Lula está em boas mãos. Será bem cuidado e, logo, para felicidade geral da nação, estará plenamente recuperado.