29 de setembro de 2008

O Líder idealizado

Em A Montanha da Sabedoria, a personagem central discorre sobre as virtudes fundamentais do ser humano, sendo, a última delas, "Liderança, a capacidade de inspirar, motivar, planejar e coordenar o trabalho de várias pessoas em conjunto". Embora haja muitas técnicas efetivas de desenvolvimento de vários aspectos da liderança, que se podem e devem aprender em livros, cursos e seminários, costumamos pensar que o verdadeiro é sempre um líder nato. A História ai está para comprovar esta crença.

De qualquer forma, principalmente em épocas de disputas políticas, cabe refletir sobre o que seja a liderança e qual seria o perfil hipotético, mas desejável, do líder ideal. Aqui está, resumido para caber neste espaço, o resultado desta reflexão.

É evidente que o líder ideal deva incorporar o conjunto das cinco virtudes e, portanto, 1 - ter caráter, isto é, ser íntegro, estóico e corajoso; 2 - possuir sabedoria, obtida pelo estudo e pela reflexão com objetivo de estabelecer sua capacidade de discernir e julgar; 3 - ser saudável, pelos cuidados com a saúde e forma física; 4- ter serenidade, manter o equilíbrio, a boa vontade e o espírito cooperativo na busca de soluções, qualquer que seja a circunstância e por mais exaltados que estejam os circunstantes; 5 - englobar tudo isto na liderança, através da ambição de contribuir para o desenvolvimento próprio e da Humanidade, estabelecendo objetivos elevados e exercitando capacidade empreendedora.

A maioria das pessoas se contenta em esperar por ordens para fazer as coisas. Elas as fazem a contento, é verdade, mas não possuem a iniciativa de agir por conta própria; ao contrário, preferem seguir alguma liderança. Há, porém, aqueles que sentem o impulso interno de fazer acontecer, querem ser cabeça, não a cauda.

Talvez seja verdade que algumas pessoas nasçam com talento natural para a liderança. Porem, mais verdadeiro ainda é o fato de que sem prática, sem impulso interior, sem entusiasmo e sem experiência não pode haver real desenvolvimento no exercício da liderança. Bons líderes trabalham e estudam continuamente para aperfeiçoar suas habilidades naturais.

O líder deve ter a capacidade de promover a melhoria da organização e coesão de seu grupo e possuir a habilidade de influenciar os parceiros a trabalhar em conjunto para atingir seus objetivos. Liderança e poder são coisas distintas. O líder não perturba, não ameaça nem amedronta. Pelo contrário, o líder incentiva, encoraja e motiva as pessoas em busca de um ideal. Mas, para que o líder seja seguido por seus parceiros, é necessário ter um propósito, saber aonde ir e onde se situa na organização, conhecer a hierarquia e as pessoas, os objetivos e metas, meios e métodos da organização.

Ser líder não é o que se faz os outros fazerem, mas o que se é e o que se faz. As bases da liderança são o crédito e a confiança que os parceiros depositam no líder. Por sua vez, as bases do crédito e da confiança são ética elevada, e bom relacionamento. A liderança exige dois protagonistas: o líder e as pessoas em torno dele e o modo como o líder trata seus parceiros e o tipo de relacionamento que constroem juntos forjam a consistência do grupo.

Obtidos o crédito e a confiança, criam-se as condições para informar aos parceiros as metas e objetivos a serem atingidos de forma concisa e clara, o que exige algo de extrema importância, a boa comunicação, sem a qual não pode haver boa liderança.

Cultura e conhecimento técnico associados à capacidade de avaliar e julgar corretamente para tomar decisões acertadas e rápidas são requisitos importantes da liderança, porém, mais importante do que as próprias habilidades do líder, é a capacidade deste de reconhecer e aproveitar as capacidades dos parceiros.

Lao Tsu, filósofo chinês, escreveu há dois mil e quinhentos anos a seguinte definição de um líder ideal: O melhor de todos os líderes é o que ajuda as pessoas tão eventualmente que elas não necessitam dele. Depois vem aquele que o povo ama e admira. Depois, aquele que é temido. Por fim, aquele que permite ser abusado pelas pessoas. O melhor líder fala pouco, mas quando o faz as pessoas escutam e, quando ele termina seu trabalho, as pessoas dizem que foram elas próprias que o fizeram.

28 de setembro de 2008

Energia, Alimentos e Sustentabilidade.

 Durante a era Reagan os Estados Unidos armaram a arapuca da "Guerra nas Estrelas" que induziu militaristas russos a forçar maciços desvios de investimentos dos setores produtivos para os aplicar na indústria bélica, do que resultou colapso da economia e, como conseqüência, dissolução da União Soviética. Após o governo Reagan constatou-se que tudo não passara de tremendo blefe. É claro que outros fatores contribuíram para o fim da URSS, inclusive a corrupção interna do Partido Comunista, podridão que se revelou de forma explosiva na transição para a economia de mercado, mas o efeito da cartada de Reagan foi decisivo na desorganização e ineficiência econômica e na insustentabilidade política.

A China e os Estados Unidos provavelmente não chegarão a colapso político semelhante, mas encontram-se à beira de seriíssima convulsão econômica decorrente da ineficiência na geração e uso de energia. A atual dificuldade no setor imobiliário estadunidense é uma das múltiplas manifestações dessa ineficiência. Por algumas estimativas, a China, além de já haver atingido o posto de maior poluidor do planeta, é também um dos mais ineficientes produtores e utilizadores de energia e, embora tenha oficialmente lançado ambicioso plano de redução na intensidade de uso de energia, os resultados práticos até agora são irrelevantes. Este país se arrasta atrás dos paises mais industrializados no que diz respeito à eficiência. O setor industrial absorve mais de 70% da grade energética e a economia chinesa cresce em taxas tão elevadas que as pequenas melhorias obtidas na eficiência ficam plenamente neutralizadas pelo crescimento do volume.

Uma comparação simplista do uso de energia nos mostra que, ao câmbio e preços de 2005, para cada cem dólares despendidos pela China com o uso de energia na formação do produto interno bruto (PIB), os Estados Unidos gastariam 25, o Reino Unido 17 e o Japão apenas 13. Isto significa que, para cada dólar de PIB gerado, a China consome 35.766 BTUs, os Estados Unidos 9.133, o Reino Unido 6145 e o Japão 4.519 (um BTU é a quantidade de energia necessária para elevar em um grau Fahrenheit uma libra de água). Incrivelmente, há países ainda mais ineficientes, como a Rússia e outros órfãos da União Soviética. A Ucrânia despende mais de 138 mil BTUs para gerar cada dólar de seu PIB.

O Brasil é o décimo maior consumidor mundial de energia, o terceiro maior no Hemisfério Ocidental, atrás dos Estados Unidos e Canadá. A grade brasileira de consumo energético é composta de 48% de petróleo e etanol, 35% de hidroeletricidade, 7% de gás natural, 5% de carvão mineral, 2% de biodiesel e outros renováveis, e 1% de energia nuclear.

O Japão junto com a Dinamarca são os países mais eficientes na utilização de energia. Com os altos custos da energia e com tamanha ineficiência, não há economia que resista e não é por outro motivo que a China se lançou no projeto de construção da maior hidroelétrica do Planeta. Este é enorme, embora um dos poucos, investimento estatal no setor. Os investimentos privados chineses são limitados pela falta de um mercado financeiro mais sofisticado. Embora a China possua reservas crescentes que se aproximam dos dois trilhões de dólares o mercado financeiro é tão incipiente que não é capaz de suprir as necessidades do setor energético privado do país.

Os Estados Unidos despendem cerca de um décimo de seu produto interno bruto para abastecer de energia suas casas, automóveis e caminhões, fábricas, edifícios de escritórios, centros comerciais, aparelhos sem conta e tudo o mais que ajuda a constituir e manter sua civilização com eficiência medíocre. Um trilhão por ano – o custo estimado de toda a guerra no Iraque até agora - é muito dinheiro, mesmo com dólar desvalorizado. Um pouco de eficiência reduziria esse gasto pela metade.

A sociedade estadunidense tem sido perdulária em muitos sentidos, edificações amplas, consumidoras de materiais de construção e com grande dispêndio de eletricidade para iluminar, aquecer no inverno e esfriar no verão, carros grandes e pesados, consumidores de aço, tinta, borracha e com grande dispêndio de combustível para se moverem, muita roupa, muita comida e enormes quantidades de lixo. Os Estados Unidos importam mais de sessenta por cento de suas necessidades de energia e empurram os preços do petróleo para a estratosfera, encarecendo não apenas a sua, mas a economia global, afetando a todos os países com enorme prejuízo para as nações pobres.

Esta sociedade perdulária, como não poderia ser diferente, gera uma classe política que reflete essa cultura do desperdício e age irresponsavelmente como se tudo estivesse às mil maravilhas. É possível que muitos políticos influenciados pela industria petrolífera, em proveito desta, propositalmente adotem posturas legislativas contrárias a praticamente tudo que possa fazer essa sociedade se tornar mais eficiente no uso da energia de que dispõem e na busca de fontes alternativas.

Nas últimas décadas o Congresso dos Estados Unidos barraram a construção de usinas nucleares, de novas e mais eficientes refinarias de petróleo, de portos de gás natural, de campos de geradores eólicos de eletricidade, exploração de petróleo em águas marinhas no Alasca, na Califórnia e na Flórida, o financiamento de pesquisa energética, retardando o estabelecimento de padrões de eficiência mais rígidos no uso de combustíveis automotivos e, ainda por cima, impuseram taxa de importação sobre o barato e limpo etanol de cana de açúcar brasileiro e incentivaram a produção de etanol de milho que provocou carestia nos alimentos que dependem dessa matéria prima.

Os processos comerciais atuais de produção de energia de biomassa nos Estados Unidos, que se concentram no Cinturão do Milho, no Meio Oeste, sofrem fundadas críticas pelo brutal encarecimento dos alimentos que provocam. Com investimentos relativamente pequenos o milho poderia ser substituído pelas novas perspectivas que se abrem para fontes de matéria prima não alimentícias tais como capim nativo, cavacos e briquetes de madeira e resíduos florestais.

Se o maior consumidor de energia do mundo continua com o desperdício e seu ambicioso seguidor, a China, vai no mesmo caminho, com ineficiências ainda maiores, e outras nações atingem o limiar das sociedades de consumo, como a índia, não há como evitar a escalada dos preços do petróleo. Os custos de produção são cada vez maiores por exigirem tecnologias cada vez mais avançadas e mais caras: exploração em águas profundas, perfurações horizontais e direcionais e outros. Mas o pior de tudo é o estado de guerra permanente do Oriente médio onde se concentram as maiores reservas globais de petróleo. O Iraque ainda está longe de retornar ao auge da produção dos tempos de Hussein, o Iran vive em estado permanente de beligerância, Israel, Líbano e Palestina são uma mistura explosiva e tudo isto representa ameaça, não apenas á continuidade da produção, forçada ou voluntária, também a do transporte do precioso líquido.

Uma usina termoelétrica comum, alimentada por carvão, gás ou petróleo é ineficiente por natureza, transformando em eletricidade apenas trinta por cento da energia contida no combustível e jogando na atmosfera o restante sob a forma de calor e toneladas de CO2. Se a energia térmica fosse utilizada, quer para o pré-aquecimento da água que alimenta as turbinas, quer para outras formas de aproveitamento, a eficiência poderia atingir oitenta por cento.

Os esforços atuais em busca de fontes alternativas se mostram insuficientes, embora haja casos exemplares e elogiáveis. Por exemplo, grades energéticas já são atendidas por fontes alternativas em 40% na Dinamarca e 14% na Alemanha. Porém, a maior parte de tudo o que se produz de energia renovável, ou se pretende produzir em futuro próximo, está muito longe de exercer efeitos perceptíveis no deslocamento de combustíveis fósseis emissores de carbono. A menos que ocorra alguma importante quebra de barreira tecnológica, todas as fontes de energia renovável necessitam crescer de modo extremamente rápido para qualquer efeito notável nas questões de energia limpa e mudança do clima.

Além dos efeitos econômicos, a ineficiência no uso de energia exacerba os nocivos efeitos dos gases de efeito estufa, as alterações climáticas e a insuportável poluição que torna o ar irrespirável em Pequim, São Paulo e outras metrópoles. Mas o problema não fica circunscrito aos grandes consumidores e maiores poluidores, todos os paises são ineficientes e muitas das soluções provocam efeitos secundários danosos seja ao meio ambiente, seja no encarecimento dos alimentos. Estamos diante de grande encruzilhada entre o indispensável uso de energia, a imediata satisfação das necessidades alimentícias e a sustentabilidade do Planeta.

Petróleo mais caro não significa apenas gasolina mais cara, significa que todos os derivados que servem de insumos para uma pletora de indústrias ficarão mais caros, inclusive os insumos agrícolas, do que decorre alimento mais caro para a humanidade.

A solução para essa terrível ameaça que já se manifesta de modo tão agressivo poderia advir de duplo esforço, um no sentido de se obter melhores índices de eficiência na geração e no uso da energia, outro no de desenvolver fontes de energia renovável.

A luz solar que atinge a Terra em apenas uma hora contém suficiente energia para abastecer toda a população humana durante um ano. Isto é potência equivalente a dez mil milhas cúbicas de petróleo. "Milha cúbica de petróleo" é uma aproximação grosseira do consumo mundial anual do produto, algumas vezes utilizada para comparações com fontes alternativas de energia, tais como solar, eólica, geotérmica e de biomassa. Para suprir o equivalente a uma milha cúbica de petróleo seriam necessárias 4,2 bilhões de placas captadoras de energia solar de telhado ou três milhões de turbinas eólicas, ou 2.500 usinas termo-nucleares ou 300 hidroelétricas de Itaipu. Até a pouco não tínhamos tecnologia adequada para captar toda essa energia a custos economicamente viáveis. Os preços atuais do petróleo e os que se prevêem em futuro próximo tornam realizável essa perspectiva.

Embora o Brasil não seja tão bem aquinhoado em energia eólica, está entre os mais abençoados com abundante insolação, recursos hídricos, potencial hidroelétrico, solo fértil e florestas. Seria crime contra a humanidade não colocar esse potencial a serviço da reversão do efeito estufa e da estabilização do clima, mesmo ao custo de concessões razoáveis ao rigor na proteção ambiental. A menos que se trate de aberrações ecológicas, os ganhos ambientais seriam enormes. Eis algumas áreas onde se deveria atuar com vigor e decisão em termos de melhoria da eficiência na geração e uso e na produção de energia renovável, não apenas em nosso país, mas em todo o Planeta.

1 - Na melhoria da eficiência: O transporte público deveria oferecer vantagens econômicas e de comodidade sobre o uso de automóveis particulares. A energia térmica gerada por diversas fontes deveria ser aproveitada para aplicações diversas inclusive alimentando termoelétricas. A rede pública de distribuição elétrica deveria receber e compensar economicamente os excedentes da produção particular, inclusive a residencial, incentivando o uso de milhões de pequenos geradores solares, eólicos e hidroelétricos. Os equipamentos deveriam mostrar, de forma padronizada, o índice comparativo de eficiência energética em relação a padrões pré-estabelecidos.

2 - Na geração de energia: Com as raras exceções de viabilidades econômica ou ambiental, todo o potencial hidroelétrico deveria ser aproveitado. As regiões desérticas deveriam ser extensivamente aproveitadas como campos de captação de energia solar e as sombras dos equipamentos utilizadas na tentativa de desenvolver vegetação. Campos de moinhos de vento para geração eólica de eletricidade deveriam ser implantados onde houver condições adequadas. O metano, proveniente dos dejetos dos criatórios e dos aterros sanitários, deveria ser extensivamente aproveitado na geração de eletricidade. O mercado de carbono deveria ser simplificado e popularizado pela diminuição dos emperramentos burocráticos da ONU.

3 - Na geração de biomassa energética: Além da já bem estabelecida indústria de etanol proveniente da cana de açúcar, outras fontes deveriam ser pesquisadas. O desenvolvimento do biodiesel ainda é incipiente e irrelevante na substituição do diesel de petróleo e deveria receber investimentos adequados para pesquisa cientifica e tecnológica. Lenha, cavacos, briquetes, aglomerados de liteira (material orgânico no chão das matas) e muitas outras formas de aproveitamento da biomassa das florestas e da agricultura deveriam ser pesquisados e desenvolvidos comercialmente. Lenha e carvão têm sido coibidos para combater o desmatamento; no entanto são importantes fontes energéticas e deveriam ser melhor desenvolvidos tecnologicamente e incluídos nos planos de manejo florestal e nas grades energéticas dos paises onde haja viabilidade técnico-econômica.

Um ponto importante a ser considerado é como e onde desenvolver tais fontes em melhores condições. Óleo, gás e hidroeletricidade são produzidos apenas nos lugares de ocorrência, conseqüentemente, os possíveis. Disponibilidade e custos de captação são coisas totalmente regionais. No Texas, por exemplo, embora haja planos para implantação da maior fazenda de moinhos de vento do planeta, as mais poderosas fontes potenciais de energia eólica dos Estados Unidos, passos de montanha e topos de colinas desse estado, permanecem desaproveitadas. A maior parte dos territórios das Américas entre os Estados Unidos e o Brasil, dos países mediterrâneos, da África, Oriente Médio, Sul da Ásia e Austrália, é grandemente propícia ao aproveitamento da energia solar. Grande parte dos mesmos territórios é convidativa à produção de biomassa.

Todas estas formas de energia, que hoje são alternativas, mas em breve se tornarão importantes concorrentes da energia fóssil, exigem grandes investimentos, no entanto, pouco esforço estatal seria necessário uma vez que os altos preços do petróleo as tornam cada vez mais competitivas e suficientemente atrativas para a iniciativa privada, desde que a burocracia ambiental ortodoxa não emperre os projetos industriais.

Produção e uso de energia e de alimentos estão intimamente vinculados. Abundância de energia barata, resultante da melhoria da eficiência e do desenvolvimento de fontes alternativas, resultará em maiores quantidades de alimentos mais baratos e, consequentemente, em melhor bem estar para toda a Humanidade. E, é claro, na sustentabilidade do Planeta.

2 de setembro de 2008

A utilidade de um bebê

Carl Sagan, em Broca's Brain, Reflexions on the Romance of Science (Ballantine Books, 16th Edition, 1990, pg. 38), narra a visita da rainha Victoria, em meados do século XIX, ao laboratório de pesquisas físicas de Michael Faraday. Entre as múltiplas descobertas do celebrado físico, em grande parte um auto-realizado cientista, sua majestade encontrou alguns dispositivos de óbvia aplicação prática e outros de finalidade desconhecida, simples curiosidades de laboratório. A rainha perguntou que utilidades tinham tais pesquisas, ao que Faraday respondeu: "Senhora, qual a utilidade de um bebê?"

Quando uma descoberta surge, é como um bebê cujo futuro é completamente desconhecido. Ninguém sabe no que o novo pequeno ser pode se converter, num Capone ou num Einstein.

No mesmo capítulo, Sagan discorre sobre como James Clark Maxwell, elaborando sobre as pesquisas de Faraday, desenvolveu quatro equações matemáticas relacionando cargas e correntes elétricas com campos magnéticos e elétricos, com as quais ficou insatisfeito pela falta de simetria que as tornava deselegantes. Para compensar este efeito, de forma intuitiva e pouco científica, porque sem comprovação experimental, Maxwell propôs que uma das equações deveria ter um termo adicional que ele denominou de corrente de deslocamento, o qual implicava a existência de radiação eletromagnética, o que inclui raios-X e gama, irradiação de ondas de rádio, de luz ultravioleta, infravermelha e visível, que induziram Einstein ao estudo que conduziu à teoria da Relatividade Especial.

Seria impossível, na época de Faraday e Maxwell, prever ao que levariam, cem anos depois, aquelas pesquisas elementares em eletricidade e eletromagnetismo. O mundo de hoje, a vila global em que nos transformamos, se tornou possível pelos avanços tecnológicos nesses campos do conhecimento humano.

O valor econômico e social da modernidade tecnológica é incomensurável diante do dispêndio original na pesquisa científica básica, por maiores que parecessem ter sido na época. O retorno do investimento em pesquisa científica no início do século XX se apresentava de uma a três gerações posteriores. Hoje, com ajuda de hardware e software computacionais, esse retorno se faz de modo muito mais rápido. É certo, que nas ciências biológicas, nas médicas de modo especial, por obediência a regras de segurança, os resultados práticos se apresentam de forma um pouco mais lenta, mas a rapidez do retorno é cada vez mais acelerada.

Isto significa, como conseqüência política, que a prioridade do investimento nacional se deveria concentrar em duas frentes da maior importância: educação básica de excelente qualidade e pesquisa científica e tecnológica. A primeira formaria o manancial revelador de futuros cientistas; a segunda formaria o cabedal de conhecimentos propulsor do desenvolvimento autônomo de nossa sociedade, não isolada do resto do mundo, mas dele participando como contribuinte e parceiro efetivo.

Esta reflexão tem nexo com a mais que oportuna criação da Universidade Federal do Pará d'Oeste, que se apresenta como futuro centro de pesquisas científicas amazônicas. Pará d'Oeste, e Santarém, em particular, já constituíram o principal centro de pesquisas em nosso país. Este trabalho, desenvolvido pelo LBA, foi extremamente frustrante pelos fracos resultados científicos, em grande parte devido à falta de publicação dos trabalhos científicos, acredito que mais por malícia, mas também por se tratar de pesquisas descasadas com os interesses econômicos e sociais amazônicos. Essa lacuna promete ser preenchida pela nova universidade.

Alguns pensam, e eu concordo, que a pesquisa deva ter seu principal compromisso com o conhecimento e com a verdade científica e, apenas secundariamente, com interesses utilitários, de natureza econômica ou social. Mas eu também gostaria de pensar, a respeito de um centro de pesquisas amazônico, que um pouco de comprometimento com as necessidades mais fundamentas dos povos da Amazônia possam ter alguma prioridade como objeto de pesquisas.