23 de agosto de 2010

Ministério Público contra a Liberdade


      Primeiro, vi a notícia na TV: Jornais venezuelanos proibidos de publicar fotografias classificadas como ofensivas a crianças e adolescentes. Então, li a notícia em, O Estado do Tapajós, de que promotores estaduais em Santarém notificaram a imprensa local proibindo a publicação de fotos de mesma classe, sob a mesma alegação. Depois, de novo na TV, humoristas cariocas protestam contra decreto que lhes impede a livre manifestação em charges políticas.
      É certo que há exageros e até abusos praticados por setores da mídia que visam captar e agradar parte do público à custa de desrespeito ao resto da sociedade. Quando isto ocorre é profundamente lamentável. A chave da questão é o critério editorial. Este, no entanto, pertence exclusivamente ao foro íntimo do responsável pelo veículo. Por mais que uma notícia ou imagem afronte a sensibilidade de qualquer parcela da sociedade, estará esta sempre subordinada ao valor maior constituído pela liberdade de expressão de pensamento, do compromisso de informar e o direito da sociedade, como todo, de ser plenamente informada.
      Os responsáveis pelos veículos não podem abdicar de direito fundamental, nem se submeter à chantagem para evitar aborrecimento processual; pelo contrário, devem reagir energicamente a esta tentativa de abuso de autoridade por promotores extraviados. Preventivamente, devem movimentar seus sindicatos e associações para protestar e adotar medidas judiciais cautelares.
      É impossível estabelecer limite exato entre o que seja ou não publicável. Aqui os critérios são totalmente subjetivos. Quando começa o processo de repressão da liberdade, o limite para supressão dos direitos fundamentais pertence totalmente ao arbítrio do censor. O arbítrio pode chegar ao extremo de obrigar mulheres a usar burca. É por isto que qualquer cerceamento deve ser combatido por todos.
      Os promotores de Santarém, agora arvorados censores autonomeados, podem até estar bem intencionados, mas exorbitam de suas competências. Nada existe na Constituição e nas Leis que ordene ou permita ao Ministério Público censurar a imprensa. Ao contrário, o que encontramos na estrutura legal do país, com muito maior vigor na Constituição vigente, é o dever do MP de impor a obediência à Lei. É aqui que os promotores demonstram incompetência e fracassam. Em lugar de fazer valer a Lei e impedir o crime, evitando que cadáveres de vítimas, estendidos nas ruas, choquem a sensibilidade de adultos e crianças que os cercam, tentam apagar o sol com peneira proibindo a notícia do fato. E atentam contra a Democracia, contra a Liberdade.

9 de agosto de 2010

Gazeta na Praça do Centenário

Sebastião Imbiriba*
      Depois do grande conflito mundial, quando o movimento da Guerra da Borracha já havia cessado e as plantações de juta começavam a ganhar impulso, era muito calma a vida em Santarém. A serenidade se interrompia esporadicamente pela chegada do navio do Lloyd Brasileiro, do Catalina da Panair ou do senador Magalhães Barata desembarcando do Aquidabã para enquadrar severamente seus correligionários mocorongos. No ano do primeiro centenário da elevação de Santarém à categoria de cidade, a comoção maior aconteceu e em algumas inaugurações importantes: Escola Técnica de Comércio do Baixo Amazonas Rodrigues dos Santos, dirigida pela Professora Sophia, a 16 de março; do Instituto Batista de Santarém, obra do Pastor Sóstenes, em 15 de outubro e, no mesmo dia, 24 de outubro de 1948, da Rádio Clube de Santarém e da Praça do Centenário.
      Esta praça foi construída entre as avenidas 24 de Outubro e Silvério Sirotheau Corrêa, no bairro da Aldeia. Seu projeto construtivo foi concebido pelo artista santareno Manoel Maria de Macedo Gentil, o Xixito, que depois viria a ser vereador e, por fim, assassinado pelo irmão do prefeito, por desentendimento com a irmã deste, devido à alegada recusa da regularização de concessão de terreno municipal que ele defendia em favor de correligionário.
      O Largo do São Raimundo, como era chamado, foi ornamentado, em seu centro, por um índio, obra de João Fona. Ao lado da estátua, uma estrofe de poema de Castro Alves. Estes ornamentos, juntamente com dois canhões, além de canteiros, alamedas e bancos, faziam a decoração da praça. Os canhões pertenceriam à Fortaleza do Tapajós, onde nunca estiveram por terem sido relegados e esquecidos por cerca de um século no leito da Rua Galdino Veloso.
      A foto ao lado mostra, sentadas, Nancy Ayres, Selma Cardoso e Letícia Colares; em pé, Yolanda Ayres Gentil e Leila Figueira. Eram amigas inseparáveis e alunas bem comportadas do Colégio Santa Clara. Umas cursavam o segundo ano do ginásio, outras, já o terceiro. A atitude de bom comportamento delas era elogiado pela mestra de disciplina, a severa irmã Balbina, que as considerava e apresentava como exemplo a ser seguido pelas demais alunas.
      A inauguração do Largo de São Raimundo era motivo de comentários em todos os círculos da cidade e não podia deixar de ser entre as alunas do Santa Clara. Um professor havia faltado naquela manhã e as meninas estavam ansiosas por conhecer a Praça do Centenário. Ainda mais, porque Yolanda, cujo genitor projetara a praça mas não a levara à inauguração, desejava intensamente conhecer a obra do pai. Em lugar de nada fazerem, sem aula, resolveram sair do colégio para matar a curiosidade e retornar em tempo para a próxima aula. Gorjeando como passarinhos, as cinco rumaram para a nova praça.
      Estavam as meninas conversando animadamente, sentadas nos bancos da praça, quando uma delas avistou a batina franciscana saindo da igreja de São Raimundo. “Ai! Meu Deus, frei Isidoro nos viu”, disse uma delas. Num relance, todas se voltaram para a igreja. Parado no átrio, em silêncio e com ar carrancudo, o frade mostrou a palma da mão e a balançou pra frente e pra trás na direção das alunas do conceituado colégio feminino que ele julgara estar gazeteando. Em seguida, sem dizer palavra, saiu caminhando rapidamente.
      As meninas permaneceram por instantes discutindo o que fazer para evitar o severo castigo que certamente viria. Resolveram voltar às pressas ao colégio. Chegaram esbaforidas, apenas para encontrar irmã Balbina, de braços cruzados, na entrada, à espera delas. “Sim senhoritas”, começou a freira, passando um sabão completo nas fujonas antes que estas pudessem, ao menos, começar a se explicarem. Mas o castigo ficou apenas na advertência e as amigas seguiram, desconfiadas e silenciosas, a caminho da próxima aula.
      Prova irrefutável da gazeta flagrada por frei Isidoro, a foto foi tirada por um lambe-lambe que aproveitava o atrativo da praça para levantar uns trocados.
*Cidadão amazônico