27 de julho de 2013

Carta a uma neta - maio de 1998

Em maio de 1998, em carta a uma neta, fiz algumas reflexões tão atuais hoje quanto a quinze anos atrás.
Minha Querida Neta,
Sua carta é uma alegria. Alegria de ser lembrado. Alegria de relembrar. Alegria de reviver as lembranças, as imagens de tuas feições, os sons de tua voz, o tato de teu abraço. As lembranças de teus assuntos, de teus interesses, de teu trabalho, de teus estudos, de teus lazeres, de teus amores. Compartilhar teus projetos, tuas concepções filosóficas. E, que prazer imenso, combater tuas ideologias ...
Por falar em ideologia, estou convencido de que só servem para atrapalhar. O que vou afirmar é um resumo de meu pensamento:
1) temos que ser éticos em nossas ações e convicções;
2) temos que ser tolerantes com as convicções alheias;
3) o conjunto das prosperidades individuais torna toda a sociedade próspera e temos que buscar nosso bem individual para atingir o bem comum;
4) temos que ser flexíveis, práticos, pragmáticos para atingir esses objetivos.
A ética nos coloca nos limites de nosso direito e nos faz respeitar o direito alheio. A tolerância nos permite conviver e cooperar. A melhor forma de se atingir o maior (melhor) bem geral é cada indivíduo ter liberdade para resolver seus próprios assuntos, procurar seu próprio bem, buscar sua felicidade. O pragmatismo nos permite resolver os problemas, que sempre existem, da superposição de direitos.
A sociedade é totalmente permeada de direitos antagônicos e conflitantes. A civilização nos acostuma a dirimir ordeira e ordenadamente esses conflitos. Dentro desses parâmetros, o Estado é fundamental, mas sua ação deve ser extremamente limitada.
Durante toda a história, o Estado tem sido opressor e instrumento de dominadores e exploradores dos povos. É essa natureza de perversidade atávica que abomino. Detesto o Estado por esse caráter malígno. Certamente, há funções que só competem a um Estado democrático. No entanto, mesmo na Escandinávia, o Estado tem seu lado intrometido e opressor.
Assim, sou forçado a desejar um Estado pequeno, tão pequeno que não possa se esconder por trás de uma burocracia corporativista, monstruosa, impessoal, impenetrável, tão pequeno que possa ser democraticamente controlado. Do jeito como são as coisas, considero bem-vindo tudo o que diminua o tamanho, o poder do Estado, mesmo que às custas de hipotéticos ou reais prejuízos contábeis para o Erário Público. O lucro, para a nação e para o indivíduo, advindo da diminuição dos abusos dos marajás e mandarins, da diminuição da prepotência e da arrogância dos senhores do poder, compensam plenamente qualquer perda contábil de dinheiro, dinheiro que, de qualquer forma, jamais iria para o benefício do povo mas para lucro dos poderosos.
Desculpe a extensão do desabafo, mas você é uma jovem inteligente e me angustia a sensação de que você não tem tido oportunidades de olhar o mundo sob a ótica da liberdade, dos direito fundamentais e inalienáveis do ser humano. Me angustia a sensação de que você seja capas de aceitar como coisa natural e louvável a existência de governos totalitários e opressores, violadores dos direitos humanos, sob a indesculpável alegação, para  mim irracional, de que são comunistas ou socialistas, de que trazem algum benefício específico para o povo.
A maioria dos grandes tiranos também proporcionou benefícios específicos ao povo. Hitler foi louvado e amado por seu povo, assim como o foi Getúlio, assim como o é Fidel e outros ditadores. Boa parte da população do Chile aceita Pinochet como líder benévolo. Tentar justificar a agressão aos direitos humanos e ao cerceamento indevido da liberdade é um desrespeito a tantos heróis que, ao longo dos séculos, deram suas vidas pela liberdade.
Minha visão do Homem deste fim de século, depois de milênios de injustiças e massacres e genocídios, é a de que o indivíduo possui uma gradação no imediatismo de suas necessidades vitais. Se lhe falta ar ou água, alimento ou abrigo, afeto ou realização, dignidade ou liberdade, o ser humano estiola e morre, física ou moralmente. Repare que o ar é uma necessidade fisiológica básica, enquanto que a liberdade é uma necessidade da mais alta nobreza moral e intelectual.
O bruto não pode perceber o valor da liberdade. Para isso, é necessária uma visão culta e humanística do mundo. O Mundo de hoje está atingindo, principalmente na Europa e nas Américas, mas também em outras partes, essa percepção das necessidades mais nobres.
Eu vejo um Mundo que se aproxima nos próximos decênios, que eu não verei, mas você sim, como um complexo de interesses que se entrechocam e que se resolvem pacífica e ordeiramente sob a égide de leis universais que respeitem a essência mais nobre do ser humano que são a sua dignidade como pessoa e a sua liberdade.
Esta visão implica na existência de Estados democráticos, pluralistas e especializados, melhor dizendo, contidos na administração da justiça e na proteção dos direitos do indivíduo. É por isso que acredito no abrandamento progressivo e continuado dos regimes totalitários e ditatoriais que ainda perduram, mas que se transformarão em democracias no decorrer das próximas duas décadas.
Quando eu era criança, ouvia dizer que “o Mundo marcha para o comunismo”. Nunca acreditei nisto. Entre os doze e catorze anos eu lera a História Universal do Cesar Cantú, todos os 24 volumes da estante de meu pai. Mais tarde, freqüentava a Biblioteca Nacional para ler Toynbee. Esses e outros historiadores e biógrafos me mostraram um rumo de aperfeiçoamento moral e político da Humanidade. Aperfeiçoamento a passos de milênios, no começo, de séculos, mais recentemente e de décadas nos dias de hoje.
Creio na aplicação da Segunda Lei da Termodinâmica, a que rege a entropia, também aos fenômenos sociais. Portanto, é mera questão de tempo para que os conceitos de democracia, respeito aos direitos humanos e liberdade, finalmente, permeiem e se apliquem a todos os pontos deste nosso Mundo.
Como você pode ver, sinto muito a falta de pessoas inteligentes e cultas como você e sua Mãe para trocar experiências e idéias sobre temas, para nós, tão apaixonantes. Gostaria de tê-las por perto.
Recomendo que todas vocês juntem um bocado de dinheiro e de tempo disponível para vir passar uma boa temporada aqui com a gente.
Ao reler esse texto, ao relembrar tantos acontecimentos que derrubaram tantas ditaduras no Mundo todo, mais ainda, ao constatar a difusão, por toda parte, do conceito de cidadania, inclusive no Brasil, eu me animo em ter fé nas predições que eu mesmo fiz: A Humanidade marcha para a Democracia.
E esta previsão é tanto mais verdadeira quanto melhor a tecnologia abra caminhos para a transparência dos atos de governo, e para a coordenação espontânea dos cidadãos em defesa de seus direitos contra os abusos, a corrupção, a ineficiência, a displicência e a prepotência tão usuais, até agora, no comportamento dos agentes do Estado.

15 de julho de 2013

Os pelegos foram às ruas

Os sindicatos de trabalhadores sempre tiveram o vezo de utilizar ideário e linguagem antipatronal e anticapitalista, para atrair associados em numero suficiente a legitimar e dar prestígio a seus líderes. Mas estes logo se enriquecem entregando seus liderados à sanha dos patrões. São os pelegos, expressão gaúcha - derivada do pelo de carneiro que peões colocam sobre a sela para amaciar a andadura do cavalo – usada nos tempos de Getúlio Vargas para designar sindicalistas vendidos ao governo e ao patronato.
Os sindicatos de metalúrgicos do ABC Paulista, e seus líderes, entre os quais Lula, escreveram belas páginas de lutas em defesa dos interesses dos trabalhadores. Mas logo que se firmaram como porta-vozes da classe, os líderes abandonaram o foco sindicalista pelas conquistas políticas e a ambição de poder. Então, fundaram o PT e lançaram candidato a presidente: Lula.
 A três derrotas consecutivas de Lula serviram de escola para os caminhos tortuosos da política. Lula logo percebeu que sem dinheiro nunca se elegeria. Então, iniciou o processo sistemático de arrecadação sub-reptícia, o caixa dois, não declarado à Justiça Eleitoral, constituído de dinheiro obtido ilegalmente por prefeitos eleitos pelo PT, através de superfaturamento dos contratos com empresas de ônibus, de coleta de lixo e outras empreiteiras. Algumas dessas operações ilícitas vieram à tona, entre elas a do prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado por não concordar com que o dinheiro roubado do povo e destinado ao PT enchesse os bolsos de seus auxiliares mais diretos.
À medida que os quadros sindicalistas se transformavam em correligionários do PT, se elegiam vereadores, deputados, prefeitos e senadores, e preenchiam os cargos de confiança criados aos montes, não somente foram se enriquecendo, como foram se adaptando ao conforto e ao bem viver que o dinheiro proporciona.
Quando Lula, finalmente com as burras do caixa dois cheias de ouro, teve dinheiro suficiente para contratar marqueteiros de primeira linha, alimentar a enxurrada publicitária, e se eleger presidente, os esquemas municipais se transformaram no fenomenal esquema de corrupção e aparelhamento do Estado que, estarrecidos, estamos desvelando.
Mas então, aqueles quadros sindicalistas, cheios de idealismo, vontade e vigor para lutar pelas belas causas originais, estão agora amortecidos pelo ócio, pelo interesse monetário, pelo atrelamento político, verdadeiros gatos gordos acostumados ao calor e conforto do sofá, do qual não querem sair.
Pior do que isto, esses quadros estão desmoralizados pelos escândalos do dinheiro nas meias, malas e cuecas, não têm cara para enfrentar combates que exigem moral elevado. E ainda mais, perderam a legitimidade, não têm mais contato com a realidade das fábricas e lojas, não representam mais ninguém, e ninguém mais os aceita como representantes.
Esse processo aconteceu com todo o esquema petista, desde a CUT ao MST, e com seus associados, como a Força Sindical e outros, todos cooptados, todos comprados, todos amarrados. Está tudo dominado. Lula controla os pelegos pelo bridão.
Mas, se está tudo dominado, é pra ficar quieto, não protestar, não reclamar de nada, está tudo dominado, mas pra aplaudir, pra puxar o saco.
Como é que essa gente pensa que os outros são tão otários que ainda acredite neles? É que perderam a noção da realidade, vivem no mundo dos sonhos, na beleza da propaganda que criaram para enganar o povo e com a qual se enganam a si próprios.
Estão bem acostumados ao bem bom, às mordomias, ao champanhe e chocolate. Agora, para agitar bandeiras, pagam 50 pilas a cada jovem desempregado que queira agarrar o bico. Gente como Salvatti e Hoffman, ou a própria Dilma, que antes acordava de madrugada para fazer agitação e terrorismo, não pode mais se dignar a sair às ruas para protestar contra elas mesmas. Então, acostumados ao serviço burocrático, os pelegos organizam umas passeatazinhas bem arrumadinhas, bem burocráticas, começando às nove horas, é claro, com todo cuidado pra não desarrumar nada, não quebrar nada, não prejudicar ninguém, não ofender ninguém, afinal, pelego não pode atacar patrão.
Lula pensa que ainda está no aerolula e mandou as massas irem para as ruas. Que massas? As massas agora estão aburguesadas, acomodadas, aconchegadas nos ninhos do poder e das barganhas. Mas Lula teve o cuidado de não aparecer, de não dar as caras, nem ele, nem o PT. A CUT saiu meio escondida, vergonhada do vexame. Puseram o Paulinho da Força como boi de piranha, para ver que bicho ia dar. Fiasco completo.

Pois foi assim que os pelegos foram às ruas. Que papelão!