29 de julho de 2008

Raymond Aron sobre Maquiavel e Marx


"O caminho que leva a Maquiavel passa pela literatura sobre Maquiavel..." "De modo análogo, não se pode remontar a Marx sem passar pelos marxistas, e que cansaço sentimos ao traçar os limites  entre marxianos e marxistas, marxólogos e marxistas. Certamente, os marxólogos não são todos marxistas e, inversamente, muitos marxistas ignoram quase totalmente Marx". Quantos abominam Maquiavel enquanto cidadãos comuns e praticam seus piores exemplos quando se apoderam do governo? "Ninguém acusará Böhm-Bawerk de não ser sincero ao refutar O Capital, ao revelar a contradição entre o primeiro e o terceiro livro de O Capital, entre a teoria do valor e a do lucro".

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Aron constata que Maquiavel, fingindo dar lições aos reis, deu grandes lições aos povos e, reproduz Spinoza: "[Maquiavel] talvez tenha querido mostrar o quanto um povo livre deve evitar confiar completamente sua segurança às mãos de um só, o qual, se não é tolo e pensa, então, que também pode não obter a simpatia de todos, deve cotidianamente temer insídias, a ponto de ter que cuidar de sua própria segurança, mas também insinuar insídias ao povo em lugar de tratá-lo"... "Eu sou ainda mais levado a esta convicção em relação a este prudentíssimo homem pelo fato de que ele foi evidentemente um partidário da liberdade e também deu conselhos muito salutares para defende-la".


O sociólogo, filósofo e jornalista francês, Raymond Aron, um dos mais brilhantes intelectuais do século XX, ao contrário da maioria dos intelectuais do pós-guerra, cujo partidarismo radical se posicionava de modo intransigente ao lado de regimes totalitários, foi analista acurado e isento dos sistemas políticos. Em sua obra maior, Introduction à la philosophie de l'histoire, publicada em 1938, às vésperas da Segunda Grande Guerra e, posteriormente, 1955, em L'Opium des intellectuels, um de seus livros mais comentados, Aron questiona marxistas da estirpe de Jean-Paul Sartre pelo incondicional apoio destes à União Soviética diante da agressão às liberdades e opressão de povos da Europa Oriental.
Pois bem, possuo uma versão de O Príncipe, em excelente tradução por Maria Júlia Goldwasser, publicado pela Livraria Martins Fontes Editora, 1999, que tenho lido e relido sempre passando por cima do Prefácio e desprezando o Apêndice, sem a eles dar a mínima atenção. Desta vez, ao consultar as notas ao fim do livro, abri por acaso uma página do Apêndice cujo texto me prendeu até o fim onde encontrei a assinatura do autor, Raymond Aron. Reli o Apêndice e em seguida busquei o Prefácio. Este é um texto importante, consistente e pleno de conhecimento sobre Maquiavel e sua obra. Mas o Apêndice é obra prima de lucidez, precisão analítica, consistência lógica e estilo impecável, na comparação entre o pensamento de Nicolau Maquiavel e o de Karl Max.
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O espaço aqui é insuficiente. Apenas comento pontos que me parecem mais relevantes. O primeiro dos quais é o impossível consenso sobre os propósitos e a ética de Maquiavel, tornando quem dele se aproxime um "maquiaveliano, maquivélico ou leitor de Maquiavel", todos incapazes de decifrar a esfinge. Segundo Aron, apenas são dignos de apreciação os que "lêem em O Príncipe ou nos Discursos o que não está escrito, põem em discussão o que é evidente e procuram a máscara atrás do rosto, já que não conseguem vê-la na frente". É com estes que Aron busca conhecer melhor o florentino. Para melhor compreende-lo estabelece paralelo com homens ilustres. "Com quem estabelecer paralelo a não ser com Marx?"
"Tese: Maquiavel e Marx, comparáveis pela descendência inumerável e dividida, por uma problemática não idêntica, mas próxima; uma vez colocada a necessidade prioritária do estudo da realidade tal como é, como rejeitar as lições que esta realidade nos dá, qual seja, a freqüente imoralidade dos meios eficazes?"
"Antítese: Maquiavel e Marx representam dois modos de pensar, duas visões do mundo, duas figuras, dois mestres, exemplares e contraditórios".
"Eis, portanto, a primeira síntese: o marxista, estrategista da luta de classes, da revolução, da organização da guerrilha, da acumulação primitiva, age como maquiavélico, com a força e a astúcia, com a persuasão e a coação. Uma vez chefe de Estado não governa com métodos substancialmente diferentes daqueles das elites do passado nos principados que Maquiavel teria chamado de novos".
Ontem como hoje, muitos dos que falsamente proclamam amor à liberdade de que gozam são de fato amigos da opressão pela qual lutam com armas maquiavélicas. O marxismo se esfumaça no passado. Em nossa memória queda da Bastilha e do Muro de Berlim são contemporâneos longínquos. Infelizmente, a "política real", a dos "meios eficazes", não é privilégio de revolucionários marxistas. Outros há que também conduzem à tirania, à depravação, à corrupção, á falta completa de ética, à pactuação com o crime e com o terrorismo. Todos adotam o que há de pior em Maquiavel.
Felizmente, o próprio Maquiavel os desmascara completamente, os desnuda por inteiro, nos aponta o perigo e indica o caminho da segurança e da liberdade. Compete a nós a atitude prudente

25 de julho de 2008

Cotas da irresponsabilidade

Qualquer pessoa, sociedade ou nação que deseje superar suas limitações atuais e se lançar em busca de um lugar na civilização, em qualquer dos campos de atividade humana, nos círculos das competições desportivas, principalmente as olímpicas, nos meios científicos e acadêmicos, no mundo das artes e, principalmente dos negócios, tem, em primeiro lugar que comprometer-se com férrea disciplina e integral dedicação na busca de excelência. Em tais meios não se admitem condescendências com a insuficiência. Os exemplos são abundantes: a Alemanha e o Japão a partir do término da Segunda Guerra Mundial; a Finlândia quando seu Parlamento anunciou a meta de se transformar o país, no prazo de uma geração, em uma sociedade do conhecimento; Taiwan, a Coréia e outros. Os paises desenvolvidos prezam a excelência em todos os níveis e em todas as atividades. O Prêmio Nobel só é concedido aos expoentes da Ciência, da Literatura e da Paz.

É entristecedor constatar que o Brasil, em lugar de buscar a excelência na educação, se lança de corpo e alma na mediocridade, no rebaixamento dos padrões, no nivelamento por baixo, condescendendo com a insuficiência através da demagogia das políticas de cotas, como se a concessão de uma cota pudesse dar a qualquer pessoa, qualquer que seja seu extrato social ou origem étnica, a capacidade de calcular a quem não saiba tabuada.

As denominadas "ações positivas" por intermédios de cotas raciais, cotas de currículo em escola pública, ou qualquer outra, são apenas deslavada demagogia associada a profunda distorção ideológica, que a título de compensar os desvalidos de uma sociedade injusta, introduz ou agrava o racismo e as injustiça, desconsiderando completamente o fato de que tais políticas em nada contribuem, muito pelo contrário, para transformar nosso país em uma nação moderna, equânime e justa.

O uso de cotas é não passa de abuso em um sistema de ensino que já funciona pessimamente. Em lugar de melhorar, avacalha. As universidades particulares, com honrosas exceções, são meras arapucas de distribuir diplomas. As universidades públicas brasileiras nem sempre cultuam o mérito, mostrando-se displicentes no rigor científico da feitura dos trabalhos acadêmicos, sejam de conclusão, de mestrado ou doutorado e poucas são as que realmente produzem pesquisa científica da qual nosso país tanto necessita – das tecnológicas mais ainda. Pior do que isto, interesses particulares usam os centros de pesquisa em proveito próprio escamoteando a documentação dos trabalhos realizados, a maioria deles financiados com dinheiro público nacional. Um vergonhoso exemplo desse descalabro é a falta de documentação da maioria das pesquisas do LBA, tema que merece aprofundamento.

Imaginemos um sistema de cotas para pobres e ricos, homens, mulheres e intermediários, jovens, adultos e senis, negros, brancos, indígenas e asiáticos todos obesos e sedentários, que se sentissem excluídos e injustiçados, e desejassem fazer parte da equipe olímpica brasileira. Seria uma equipe fenomenal, com certeza, mas que faria tremendo fiasco numa competição em que os melhores buscam o mais alto e o mais distante, com mais força e mais rapidamente.

A política a ser adotada para acesso à universidade é muito semelhante à forma como o Comitê Olímpico Brasileiro procede na preparação dos atletas e em nada difere da escolha dos jogadores nem da disciplina com que Bernardinho convoca e treina a equipe brasileira de vôlei. Tem que começar do pré-escolar disciplina e conteúdo e prosseguir com aferições contínuas e rigorosas dos valores individuais até os centros universitários de pesquisa. Não há outro modo de transformar o Brasil em uma potencia econômica, cientifica e cultural, na qual todos tenham iguais possibilidades de buscar a própria felicidade.

É certo que existem muitos que não tiveram oportunidade de se prepararem adequadamente para introdução nas universidades federais. O que se deve fazer não é abrir as portas à insuficiência, através da lei do menor esforço de um demagógico sistema de cotas, mas sim recuperar o insuficiente por meio de cursos especiais, intensivos e remunerados, nos quais testes freqüentes apontem o mérito a ser impulsionado para estágio superior.

Cota é racismo. Cota é injustiça com o merecedor preterido. Cota é humilhação a quem a aceita. Cota é desmoralização do sistema de mérito. Cota é demagogia. Cota é degradação dos valores acadêmicos. Cota é imoral. Cota é regressão e impedimento ao progresso rumo à sociedade do conhecimento.

Gil Serique - Referências

Estou com uma fila de livros aguardando a vez de serem lidos e apreciados. O primeiro é "East to the Amazon" (A Leste da Amazônia), de John Blashford-Snell e Richard Snailham. O Segundo, "Drowning World – a novel of the commonwealth" (Mundo Alagado – uma novela do bem-estar-comum), do autor de bestsellers Alan Dean Forster. O ultimo, "The Thief at the End of the World – Rubber, Power and the Seeds of Empire" (O ladrão no Fim do Mundo – Borracha, Poder e as Sementes do Império), de Joe Jakson, autor do incrível trabalho de pesquisa de "World in Fire" (Mundo em Fogo) que li e comentei recentemente.

O que estas três obras têm em comum? Todas fazem referencias ao nome de conterrâneo muito especial, Gil Serique.

"East to the Amazon", para meu gosto literário e preferências por informações científicas, dentre as três obras a menos interessante, relata como, em maio de 2001, John Blashford-Snell e sua equipe partiram através da densa floresta tropical da Bolívia em busca do Grande Paititi, a mística terra que os conquistadores espanhóis denominaram El Dorado, e dos segredos de suas rotas de comércio para o Velo Mundo. Os aventureiros percorreram rios perigosos em jornadas incríveis em pleno coração da Amazônia, onde encontraram e obtiveram ajuda de Flávio e Gil Serique.

"Drowning World" é uma obra de ficção científica - sobre Fluva, imaginário planeta onde chove o ano todo, exceto um mês - dedicada por Alan Dean Forster a Gil Serique por causa de... "Mamirauá, a floresta inundada, onde vimos a preguiça de três dedos, o boto rosa e o elusivo macaco uacari branco. A força do Iguaçu. A cerimônia do candomblé nas favelas de Salvador. Os grandes jacintos azuis do Piauí. Os pássaros de Itatiaia. A observação de capivaras e jacarés. A estupenda festa gastronômica no pequeno restaurante de Tefé. O licor caseiro de maracujá no Dia das Mães na Bahia. O mercado de Manaus e os sorvetes que tomamos lá e em Barreiras. E, o mais memorável, nadar com lontras gigantes no Pantanal".

De todos, "The Thief at the End of the World" me parece a obra mais importante, quer pelo primoroso trabalho de pesquisa – para a qual contribuíram, entre outros, meus amigos Cristovam Sena e Elcio Amaral - quanto por se tratar de assunto pertinente a Santarém. Joe Jackson narra a estória de Henry Wickham, que se aventurou pelas escuras florestas da Venezuela e do Brasil, das quais emergiu com setenta mil sementes de seringueira, obtidas ilegalmente, o primeiro caso de bio-pirataria em massa da era moderna. O autor enviou a Gil Serique um exemplar com a seguinte dedicatória: "Gil, I couldn't have writted this without you, pal. It's as much your book as it is mine. Best, your friend, Joe Jackson (Gil, eu não poderia ter escrito isto sem ti, meu chapa. Este livro é tão teu quanto meu. Tudo de bom, teu amigo, Joe Jackson".

Além de haver contribuído para a produção literária de outros, Gil possui seus próprios méritos como autor de "Birds – Your personal guide to Amazon wildlife (for the inquisitive initiate)" (Pássaros – Seu guia pessoal para a vida selvagem da Amazônia [para o iniciado inquiridor[). Eis o que Alan Dean Foster, autor de Star Trek, Star Wars e Alien, escreveu sobre "Birds": "Mestre guia e naturalista, Gil Serique não apenas vive na Amazônia... Ele vive a Amazônia cada dia de sua vida. Desde suas populosas e vibrantes cidades às pequeninas vilas que abraçam igarapés margeados de árvores, das filas de formigas hiper-ativas, em busca de alimento, à onça que, silenciosamente, percorre sombras beijadas pela Lua, enquanto ruidosos macacos fazem coro nas copas, ninguém conhece os segredos do grande rio, e do território que o envolve, melhor do que Serique".

 

A Política segundo Shakespeare e Maquiavel

A política se manifesta através de pessoas e de instituições. Quanto mais estruturado seja o estado, maior importância adquirem as instituições, mais ainda quanto mais perfeito seja o estado de direito.

Instituições são criadas para proteger e servir a um indivíduo ou uma classe, geralmente um senhor ou senhores, donos de bens de produção, barões, reis, ditadores com poderes discricionários. Podem, ainda, as instituições serem criadas para proteger e servir a sociedade toda, à totalidade dos indivíduos da coletividade, em sistema igualitário no sentido de que as pessoas tenham oportunidade e direito de passar de uma classe para outra conforme os respectivos talentos e boa sorte. No primeiro caso temos as instituições ditatoriais, no segundo, as democráticas.

As instituições são regidas por leis e regras, assumindo papel assemelhado ao de pessoas reais, ficção denominada "pessoa jurídica", agindo perante a sociedade com obrigações e direitos como se pessoas fossem de verdade. No entanto, pessoas jurídicas, instituições, não podem atuar sem agentes humanos verdadeiros, necessitam de indivíduos, pessoas para se tornarem funcionais. Estes funcionários devem operacionalizar os objetivos da instituição: sendo ela ditatorial, no interesse do ditador, se democrática, no interesse do povo. Quando a sociedade em que se insere a instituição possuir forte cultura ética, há grande probabilidade de que os funcionários sejam éticos, na maioria, e obedeçam ao espírito das leis. Se os costumes forem pouco éticos, a maioria dos funcionários agirá em benefício próprio, satisfazendo seus próprios desejos em lugar dos interesses do instituidor, seja o ditador, seja o povo.

Por sua própria natureza não ética e pela falta de transparência, pelo sigilo necessário à sua existência e manutenção, a ditadura corrói o espírito ético da sociedade, permite que atos contrários ao interesse das instituições sejam cometidos e acobertados em beneficio dos infratores e daqueles que, pares, subordinados e chefes, tomem conhecimento e exijam compartilhar do botim. As instituições se corrompem, já não mais atendem às suas finalidades, mas às dos corruptos.

Alguns autores analisaram os atos dos governantes, sistemas de governo e suas instituições. Dois dos mais incisivos, mais profundos e mais reveladores são Shakespeare e Maquiavel. Ambos trataram extensivamente de assuntos políticos.

Exceto pela comédia "A mandrágora", cheia de erotismo e sarcasmo, a principal peça do gênero na literatura italiana, a obra do diplomata florentino foi integralmente dedicada à política. Além de sua obra mestra, "O príncipe", o autor produziu "A arte da guerra", "Comentários sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio" e "Histórias de Florença". No primeiro, Maquiavel lança os fundamentos da Ciência Política, na segunda, propõe a criação de milícias populares como forma de garantir a segurança do estado contra ameaças de golpe pelas tropas regulares e seus comandantes, nos "Comentários" estuda a história de Roma e no último, a de Florença.

Das vinte e sete peças do taumaturgo inglês nada menos do que vinte e duas, incluindo as mais interpretadas, "Hamlet" e "Julio César", tiveram a política quer como tema central ou como pano de fundo.

Shakespeare e Maquiavel puderam desvendar a natureza e a operacionalidade das instituições e do pensamento político. O primeiro, exatamente por se afastar o quanto possível dos aspectos institucionais e ressaltar os mais íntimos e secretos aspectos subjetivos da alma humana, o segundo por dar maior ênfase ao funcionamento das estruturas de poder institucionalizado. Os dois se combinam, se completam e enriquecem o conhecimento da alma humana e de suas instituições.

Suas lições principais são as virtudes da legitimidade, da transparência e da publicidade para a prevalência da ética no trato da coisa pública. Instituições legítimas, nas quais não existam segredos e cujos atos sejam sempre públicos ou publicados, permitem que os cidadãos coíbam o exercício ilegítimo da função pública, extingam as benesses indevidas a funcionários corruptos e exijam a extensão das vantagens a todo o corpo social.

Tal ambiente só pode existir no estado de direito republicano e democrático, no qual prevaleçam leis gerais aplicáveis a todos os cidadãos, em que a coisa pública seja gerida em benefícios de todos e a decisões da maioria respeitem os direitos das minorias.

Shakespeare e Maquiavel nos tornam mais céticos, talvez mais amargos, algumas vezes desiludidos, porém mais realistas e mais aptos para discernir o jogo dos políticos, mais capazes de julgar quais possam produzir melhor o bem comum e quais estejam apenas fabricando ilusões para enganar o povo, o pobre povo, aqueles que, como nos relata o Evangelho, olham e não enxergam, ouvem e não entendem.

 

Energia, Alimentos e Sustentabilidade

 

Durante a era Reagan os Estados Unidos armaram a arapuca da "Guerra nas Estrelas" que induziu militaristas russos a forçar maciços desvios de investimentos dos setores produtivos para os aplicar na indústria bélica, do que resultou colapso da economia e, como conseqüência, dissolução da União Soviética. Após o governo Reagan constatou-se que tudo não passara de tremendo blefe. É claro que outros fatores contribuíram para o fim da URSS, inclusive a corrupção interna do Partido Comunista, podridão que se revelou de forma explosiva na transição para a economia de mercado, mas o efeito da cartada de Reagan foi decisivo na desorganização e ineficiência econômica e na insustentabilidade política.

A China e os Estados Unidos provavelmente não chegarão ao colapso político mas encontram-se à beira de seriíssima convulsão econômica decorrente da ineficiência na geração e uso de energia. A atual dificuldade no setor imobiliário estadunidense é manifestação dessa ineficiência. Por algumas estimativas, a China, além de já haver atingido o posto de maior poluidor do planeta, é também um dos mais ineficientes produtores e utilizadores de energia e, embora tenha oficialmente lançado ambicioso plano de redução na intensidade de uso de energia, os resultados práticos até agora são irrelevantes. Este país se arrasta atrás dos paises mais industrializados no diz respeito à eficiência, o setor industrial absorve mais de 70% da grade energética e a economia chinesa cresce em taxas tão elevadas que as pequenas melhorias obtidas na eficiência ficam plenamente neutralizadas pelo crescimento do volume.

Ao câmbio e preços de 2005, uma comparação simplista do uso de energia nos mostra que, para cada cem dólares despendidos pela China com o uso de energia na formação do produto interno bruto (PIB), os Estados Unidos gastariam 25, o Reino Unido 17 e o Japão apenas 13. Isto significa que, para cada dólar de PIB gerado, a China consome 35.766 BTUs, os Estados Unidos 9.133, o Reino Unido 6145 e o Japão 4.519 (um BTU é a quantidade de energia necessária para elevar em um grau Fahrenheit uma libra de água). Incrivelmente, há países ainda mais ineficientes, como a Rússia e outros órfãos da União Soviética. A Ucrânia despende mais de 138 mil BTUs para gerar cada dólar de seu PIB.

O Brasil é o décimo maior consumidor mundial de energia, o terceiro maior no Hemisfério Ocidental, atrás dos Estados Unidos e Canadá. A grade brasileira de consumo energético é composta de 48% de petróleo e etanol, 35% de hidroeletricidade, 7% de gás natural, 5% de carvão mineral, 2% de biodiesel e outros renováveis, e 1% de energia nuclear.

O Japão junto com a Dinamarca são os países mais eficientes na utilização de energia. Com os altos custos da energia e com tamanha ineficiência, não há economia que resista e não é por outro motivo que a China se lançou no projeto de construção da maior hidroelétrica do Planeta. Este é enorme, embora um dos poucos, investimento estatal no setor. Os investimentos privados são limitados pela falta de um mercado financeiro mais sofisticado. Embora a China possua reservas crescentes que se aproximam dos dois trilhões de dólares o mercado financeiro é tão incipiente que não é capaz de suprir as necessidades do setor energético privado do país.

Os Estados Unidos despendem cerca de um décimo de seu produto interno bruto para abastecer de energia suas casas, automóveis e caminhões, fábricas, edifícios de escritórios, centros comerciais, aparelhos sem conta e tudo o mais que ajuda a constituir e manter sua civilização com eficiência medíocre. Um trilhão por ano – o custo estimado de toda a guerra no Iraque até agora - é muito dinheiro, mesmo com dólar desvalorizado. Um pouco de eficiência reduziria esse gasto pela metade.

A sociedade estadunidense tem sido perdulária em muitos sentidos, edificações amplas, consumidoras de materiais de construção e com grande dispêndio de eletricidade para iluminar, aquecer no inverso e esfriar no verão, carros grandes e pesados, consumidores de aço, tinta, borracha e com grande dispêndio de combustível para se moverem, muita roupa, muita comida e enormes quantidades de lixo. Os Estados Unidos importam mais de sessenta por cento de suas necessidades de energia e empurram os preços do petróleo para a estratosfera, encarecendo não apenas a sua, mas a economia global, afetando a todos os países com enorme prejuízo para as nações pobres.

Esta sociedade perdulária, como não poderia ser diferente, gera uma classe política que reflete essa cultura do desperdício e age irresponsavelmente como se tudo estivesse às mil maravilhas. É possível que muitos políticos influenciados pela industria petrolífera, em proveito desta, propositalmente adotem posturas legislativas contrárias a praticamente tudo que possa fazer essa sociedade se tornar mais eficiente no uso da energia de que dispõem e na busca de fontes alternativas.

Nas últimas décadas o Congresso dos Estados Unidos barraram a construção de usinas nucleares, de novas e mais eficientes refinarias de petróleo, de portos de gás natural, de campos de geradores eólicos de eletricidade, exploração de petróleo em águas marinhas no Alasca, na Califórnia e na Flórida, o financiamento de pesquisa energética, retardando o estabelecimento de padrões de eficiência mais rígidos no uso de combustíveis automotivos e, ainda por cima, impuseram taxa de importação sobre o barato e limpo etanol de cana de açúcar brasileiro e incentivaram a produção de etanol de milho que provocou carestia nos alimentos que dependem dessa matéria prima.

Os processos comerciais atuais de produção de energia de biomassa nos Estados Unidos, que se concentram no Cinturão do Milho, no Meio Oeste, sofrem fundadas críticas pelo brutal encarecimento dos alimentos que provocam. Com investimentos relativamente pequenos o milho poderia ser substituído pelas novas perspectivas que se abrem para fontes de matéria prima não alimentícias tais como capim nativo, cavacos e briquetes de madeira e resíduos florestais.

Se o maior consumidor de energia do mundo continua com o desperdício e seu ambicioso seguidor, a China, vai no mesmo caminho, com ineficiências ainda maiores, e outras nações atingem o limiar das sociedades de consumo, como a índia, não há como evitar a escalada dos preços do petróleo. Os custos de produção são cada vez maiores por exigirem tecnologias cada vez mais avançadas e mais caras: exploração em águas profundas, perfurações horizontais e direcionais e outros. Mas o pior de tudo é o estado de guerra permanente do Oriente médio onde se concentram as maiores reservas globais de petróleo. O Iraque ainda retornou ao auge da produção dos tempos de Hussein, o Iran vive em estado permanente de beligerância, Israel, Líbano e Palestina são uma mistura explosiva e tudo isto representa ameaça, não apenas á continuidade da produção, que forçada, quer voluntária, também a do transporte do precioso líquido.

Uma usina termoelétrica comum, alimentada por carvão, gás ou petróleo é ineficiente por natureza, transformando em eletricidade apenas trinta por cento da energia contida no combustível e jogando na atmosfera o restante sob a forma de calor. Se a energia térmica fosse utilizada, quer para o pré-aquecimento da água que alimenta as turbinas, quer para outras formas de aproveitamento, a eficiência poderia atingir oitenta por cento.

Os esforços atuais em busca de fontes alternativas se mostram insuficientes, embora haja casos exemplares e elogiáveis. Por exemplo, grades energéticas já são atendidas por fontes alternativas em 40% na Dinamarca e 14% na Alemanha. Porém, a maior parte de tudo o que se produz de energia renovável, ou se pretende produzir em futuro próximo, está muito longe de exercer efeitos perceptíveis no deslocamento de combustíveis fósseis emissores de carbono. A menos que ocorra alguma importante quebra de barreira tecnológica, todas as fontes de energia renovável necessitam crescer de modo extremamente rápido para qualquer efeito notável nas questões de energia limpa e mudança do clima.

Além dos efeitos econômicos, a ineficiência no uso de energia exacerba os nocivos efeitos dos gases de efeito estufa, as alterações climáticas e a insuportável poluição que torna o ar irrespirável em Pequim, São Paulo e outras metrópoles. Mas o problema não fica circunscrito aos grandes consumidores e maiores poluidores, todos os paises são ineficientes e muitas das soluções provocam efeitos secundários danosos seja ao meio ambiente, seja no encarecimento dos alimentos. Estamos diante de grande encruzilhada entre o indispensável uso de energia, a imediata satisfação das necessidades alimentícias e a sustentabilidade do Planeta.

Petróleo mais caro não significa apenas gasolina mais cara, significa que todos os derivados que servem de insumos para uma pletora de indústrias ficarão mais caros, inclusive os insumos agrícolas, do que decorre alimentos mais caros para a humanidade.

A solução para essa terrível ameaça que já se manifesta de modo tão agressivo poderia advir de duplo esforço, um no sentido de se obter melhores índices de eficiência na geração e no uso da energia, outro no de desenvolver fontes de energia renovável.

A luz solar que atinge a Terra em apenas uma hora contém suficiente energia para abastecer toda a população humana durante um ano. Isto é potência equivalente a dez mil milhas cúbicas de petróleo. "Milha cúbica de petróleo" é uma aproximação grosseira do consumo mundial anual do produto, algumas vezes utilizada para comparações com fontes alternativas de energia, tais como solar, eólica, geotérmica e de biomassa. Para suprir o equivalente a uma milha cúbica de petróleo seriam necessárias 4,2 bilhões de placas captadoras de energia solar de telhado ou 3 milhões de turbinas eólicas, ou 2.500 usinas termo-nucleares ou 300 hidroelétricas de Itaipu. Até a pouco não tínhamos tecnologia adequada para captar toda essa energia a custos economicamente viáveis. Os preços atuais do petróleo e os que se prevêem em futuro próximo tornam realizável essa perspectiva.

Embora o Brasil não seja tão bem aquinhoado em energia eólica, está entre os mais abençoados com abundante insolação, recursos hídricos, potencial hidroelétrico, solo fértil e florestas. Seria crime contra a humanidade não colocar esse potencial a serviço da reversão do efeito estufa e da estabilização do clima, mesmo ao custo de concessões razoáveis ao rigor na proteção ambiental. A menos que se trate de aberrações ecológicas, os ganhos ambientais seriam enormes. Eis algumas áreas onde se deveria atuar com vigor e decisão em termos de melhoria da eficiência na geração e uso e na produção de energia renovável, não apenas em nosso país, mas em todo o Planeta.

Na melhoria da eficiência: O transporte público deveria oferecer vantagens econômicas e de comodidade sobre o uso de automóveis particulares. A energia térmica gerada por diversas fontes deveria ser aproveitada para aplicações diversas inclusive alimentando termoelétricas. A rede pública de distribuição elétrica deveria receber e compensar economicamente os excedentes da produção particular, inclusive a residencial, incentivando o uso de milhões de pequenos geradores solares, eólicos e hidroelétricos. Os equipamentos deveriam mostrar, de forma padronizada, o índice comparativo de eficiência energética em relação a padrões pré-estabelecidos.

Na geração de energia: Com as raras exceções de viabilidades econômica ou ambiental, todo o potencial hidroelétrico deveria ser aproveitado. As regiões desérticas deveriam ser extensivamente aproveitadas como campos de captação de energia solar e as sombras dos equipamentos utilizadas na tentativa de desenvolver vegetação. Campos de moinhos de vento para geração eólica de eletricidade deveriam ser implantados onde houver condições adequadas. O metano, proveniente dos dejetos dos criatórios e dos aterros sanitários, deveria ser extensivamente aproveitado na geração de eletricidade. O mercado de carbono deveria ser simplificado e popularizado pela diminuição dos emperramentos burocráticos da ONU.

Na geração de biomassa energética: Além da já bem estabelecida indústria de etanol proveniente da cana de açúcar, outras fontes deveriam ser pesquisadas. O desenvolvimento do biodiesel ainda é incipiente e irrelevante na substituição do diesel de petróleo e deveria receber investimentos adequados para pesquisa cientifica e tecnológica. Lenha, cavacos, briquetes, aglomerados de liteira e muitas outras formas de aproveitamento da biomassa das florestas e da agricultura deveriam ser pesquisados e desenvolvidos comercialmente. Lenha e carvão têm sido coibidos para combater o desmatamento; no entanto são importantes fontes energéticas e deveriam ser melhor desenvolvidos tecnologicamente e incluídos nos planos de manejo florestal e nas grades energéticas dos paises onde haja viabilidade técnico-econômica.

Um ponto importante a ser considerado é como e onde desenvolver tais fontes em melhores condições. Óleo, gás e hidroeletricidade são produzidos apenas nos lugares de ocorrência, consequentemente, os possíveis. Disponibilidade e custos de captação são coisas totalmente regionais. No Texas, por exemplo, embora haja planos para implantação da maior fazenda de moinhos de vento do planeta, as mais poderosas fontes potenciais de energia eólica dos Estados Unidos, passos de montanha e topos de colinas desse estado, permanecem desaproveitadas. A maior parte dos territórios das Américas entre os Estados Unidos e o Brasil, dos países mediterrâneos, da África, Oriente Médio, Sul da Ásia e Austrália, é grandemente propícia ao aproveitamento da energia solar. Grande parte dos mesmos territórios é convidativa à produção de biomassa. Estas formas de energia, que hoje são alternativas ms em breve se tornarão importantes concorrentes da energia fóssil, exigem grandes investimentos, no entanto, pouco esforço estatal seria necessário uma vez que os altos preços do petróleo as tornam cada vez mais competitivas e suficientemente atrativas para a iniciativa privada, desde que a burocracia ambiental ortodoxa não emperre os projetos industriais.