27 de abril de 2015

Balanço fajuto da Petrobras

Em 22 de abri de 2015, a Petrobras publicou seus balanços contábeis dos trimestres terceiro e quarto de 2014, em cima da hora, depois de meses de delongas, para não incorrer em falta perante órgãos controladores de mercado de valores no Brasil e nos Estado Unidos. O default acarretaria possível cobrança antecipada de todos vencimentos futuros dos débitos da empresa, o que extinguiria sua capacidade funcional.
Estou certo de que a contabilidade da Petrobras e a empresa auditora apresentaram balanço correto do ponto de vista contábil, tendo em vista os números concretos de que dispunham, mas não mostram a verdade que só se revela quando se consideram as reais circunstâncias em que se realizam projetos e aquisições nessa empresa.
Ainda mais, esse balanço não retrata a realidade da corrupção que grassa nas entranhas da Petrobras e de todas as empresas e repartições públicas de nosso país, prática já a muito açoitada nos discursos de Padre Antônio Vieira e que perdura até nossos dias, cada vez mais sofisticada, mais refinada e mais perversa.
O atraso se deveu às dificuldades da Petrobras em se enquadrar nas rigorosas normas da empresa de auditoria, contratada para dar credibilidade aos balanços contábeis perante o mercado e às agencias controladoras, bem como em avaliar prejuízos decorrentes de queda do preço do petróleo, erros de projeto e execução de obras importantes, e de corrupção estimada em três por cento dos custos das contratações denunciadas na Operação Lava-a-Jato.
Em resumo, foram contabilizados 10 bilhões de reais em perdas por queda nos preços do barril de petróleo; 3 bilhões no Complexo de Suape; mais de 9 bilhões na Refinaria Abreu e Lima; quase 22 bilhões no Comperj; acima de 6 bilhões em sobre preço da corrupção. A soma chega a 44,34 bilhões de reais.
Não disponho dos dados que instruíram o balanço da empresa. Cabe-me analisá-lo com olhar do bom senso. Daí decorrem as seguintes conclusões:
1.  Queda do preço do petróleo - Aqui há várias implicações:
a.   A rentabilidade da exploração do pré-sal pela Petrobras fica seriamente abalada, suas refinarias perdem justificativa econômica, o serviço de sua enorme dívida assume grandes proporções em seu fluxo de caixa, toda a estrutura econômico-financeira de seu plano de negócios tem que ser reavaliada, a empresa perde capacidade de investimento e atrasa o pagamento de seus fornecedores, cessam os dividendos aos acionistas, inclusive ao maior deles o Tesouro Nacional, diminuem os pagamentos de impostos e royalties aos governos federal, estaduais e municipais, toda a economia nacional é afetada;
b.  Por outro lado, o imenso poder de geração de caixa do monopólio da Petrobras mantem as possibilidades de recuperação financeira da empresa que, se bem administrada poderá superar as presentes dificuldades;
c.   No Mundo todo, empresas produtoras de petróleo têm seus lucros e planos de investimentos seriamente afetados;
d.  Todos os países importadores são consideravelmente beneficiados;
e.   Arábia Saudita e Emirados do Golfo Pérsico diminuem consideravelmente a concorrência de outros países produtores e do gás e óleo do xisto nos Estados Unidos;
f.    A ameaça de corte do suprimento de gás russo à Europa é especialmente aliviada, o que faz diminuir a pressão política de Putin sobre a Ucrânia;
g.   A balança de pagamentos externos de Iran, Iraque e Venezuela são duramente afetados, o que também tem consequências geopolíticas,
h.  A renda do petróleo de campos dominados pelo Estado Islâmico, vendido no mercado negro, diminui consideravelmente;
i.    Estados Unidos é o grande beneficiado, sua balança comercial é bastante aliviada, e passa a exercer maior poder de pressão sobre a Rússia, no caso da Ucrânia e do Iran no da energia atômica;
2.  Erros em projetos e execução de obras - Este item é extremamente preocupante, talvez até mais do que a corrupção:
a.   O planejamento da empresa se apoia em modelos matemáticos que instruem o julgamento dos técnicos responsáveis pelos projetos, se os algoritmos estiverem errados, o output do computador será aceito como verdadeiro;
b.  No final, há sempre uma decisão humana a ser aprovada em nível de gerencial e pela Diretoria ou pelo Conselho Diretor, se o modelo matemático é inadequado ou há erro humano, ou os dois, as consequências podem ser extremamente dispendiosas e até desastrosas;
c.   A refinaria de Pasadena oferece vários exemplos de decisões erradas e ainda há os projetos Premium I, no Maranhão, e II no Ceará, abandonados após enormes despesas tornadas inúteis, além de outros casos que muito provavelmente possam existir;
d.  Apenas nos casos de Suape, Abreu e Lima e Comperj o rombo foi de 34 bilhões de reais por erros de projeto ou execução;
e.   Perdas dessa ordem retratam a inadequação dos métodos da Petrobras e ou insuficiência de seus técnicos e administradores, ou seja, aquilo que era o orgulho nacional, o alto conceito do corpo funcional da Petrobras fica seriamente abalado;
f.    Mas o erro fundamental não está no pessoal permanente da empresa, mas na ingerência política que divide a administração da Petrobras em feudos onde interesses pessoais e partidários corroem e sugam seus recursos financeiros e morais, é isto que gera descaso, displicência e descompromisso;
3.  Corrupção I – Só 6 bilhões? Difícil de acreditar:
a.   Esses 6 bilhões correspondem a três por cento dos contratos denunciados, a contabilidade é muito simples, se a empresa aumenta o preço para pagar propina, há que considerar os custos da execução da propina;
b.  Nos casos típicos de negociação com instituições públicas, o fornecedor é achacado duas vezes: pelo responsável contratante, para obter o contrato, e pelo cacique do órgão pagador para receber o pagamento;
c.   No caso do petrolão, há um terceiro complicador, o operador do partido político “dono” da diretoria contratante;
d.  Vamos listar alguns itens que vêm à lembrança de alguém, leigo no assunto, mas não cego nem surdo:
                                i.    Previsão para imposto de renda devido ao aumento da receita referente à propina;
                              ii.    Compra de notas fiscais fajutas para justificar a despesa;
                            iii.    Contratação de “laranja” que assuma os riscos da entrega da propina;
                             iv.    Despesas operacionais da negociação da propina, almoços, jantares, hotéis, etc.;
4.  Corrupção IIA Petrobras elabora proposta interna como se fora um dos concorrentes, compara esta proposta com as dos fornecedores e adquire a proposta de melhor custo benefício que se mantenha na faixa entre -15% e +20%, isto é, entre 85% e 120% do preço de referência;
a.   Então, há duas hipóteses:
                                i.    Preços típicos em caso de livre concorrência entre licitantes - Os concorrentes desconhecem os preços uns dos outros e elaboram suas propostas com o melhor custo-benefício e ao menor preço de que sejam capazes, isto coloca a média dos preços concorrentes próximos do nível mínimo, digamos 90%;
                              ii.    Preços cobrados quando não há concorrência devido a cartel – Os concorrentes combinam os preços e escolhem um vencedor, isto coloca a média dos preços próximos do nível superior, digamos 115%;
b.  No caso de livre concorrência a Petrobras pagaria em torno de 90% do preço de referência, mas com o cartel paga 115%, um preço 25% maior;
c.   Se o rombo indicado é de 6 bilhões em propinas de 3 por cento, então a Petrobras pagou 204 bilhões, quando poderia ter pago apenas 160 bilhões;
d.  Na realidade o rombo da corrupção não foi de 6 bilhões, mas de quase 45 bilhões de reais;
e.   E isto apenas nos casos denunciados até agora, muito embora tenhamos tudo para acreditar que haja muito por descobrir;
f.    Isto é dinheiro mais do que suficiente para pagar as propinas exigidas pelos partidos até agora citados no Lava-a-Jato, PT, PP e PMDB, e dar lambuja a todos os demais partidos só para as empreiteiras não ficarem mal com ninguém;
g.   Diante desses 45 bi, os 6 bi são migalhas.
Apesar de todas as adversidades presentes, a nação brasileira e sua maior empresa recuperarão o caminho da prosperidade e do desenvolvimento.
Estamos em um processo histórico, lento, paulatino, cheio de tropeços, mas progressivo de aperfeiçoamento de nossa República. Esse processo se iniciou com a redemocratização, prosseguiu com a Constituição e suas múltiplas emendas. Continua com a criação dos Conselhos da Justiça e do Ministério Público, da promulgação de diversas leis como a da Responsabilidade Fiscal, da Transparência, da Ficha Limpa, e muitas outras.
Esse aperfeiçoamento se revela na independência do funcionamento do Congresso Nacional, do Banco Central, da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça. O Tribunal de Contas da União começa a tomar atitudes para fazer cumprir corretamente a Lei da Responsabilidade Fiscal, muito bom sinal.
O Mensalão foi um marco nesse avanço, mas houve mais, os casos do Cachoeira, dos Correios, a cassação do Collor, dos Anões, do Demóstenes, do Vargas e de tantos outros. Este escândalo do Lava-a-Jato ou Petrolão, é o mais importante em termos financeiros, mas não é o único em curso, nem o último a ser revelado, muitos outros virão.

Este é o processo de limpeza da República Brasileira, de purgação de seus pecados, de catarse purificadora pela qual temos que passar até que cheguemos ao estágio necessário de funcionamento correto e digno da vida nacional. Estágio em que o cidadão se respeita e é respeitado.

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