14 de novembro de 2009

Direito de opinião


Há poucos dias, recebi de duas fontes diferentes, uma neta muito querida e o amigo Jota Ninos, a sugestão de ler artigo publicado em Carta Maior.

A matéria diz respeito à cobertura da viagem de Lula e Dilma pelo rio São Francisco e afirma que ataques ao governo Lula fazem parte da paisagem jornalística brasileira, porém o que mais espanta o autor, Saul Leblon, não é a crítica, mas o tom desrespeitoso desse jornalismo. Transcrevo abaixo a resposta que enviei à neta com cópia ao Jota.

Querida Neta,

A respeito da matéria que você teve a gentileza de me enviar, gostaria que minha querida neta me permitisse tecer os seguintes comentários:

Quero dizer, primeiramente, que não ESTOU a favor da Globo, nem das Folhas, do Estadão ou de qualquer outro órgão de imprensa contra, pró ou neutra a Lula, mas posso aceitar ou rejeitar opiniões por elas emitidas. SOU a favor do Estado Democrático de Direito e das liberdades individuais pelas quais a Humanidade vem lutando há tantos séculos. Mas também sou a favor do Estado laico, apartidário, transparente, justo, igualitário e ético.

Admiro sua admiração por Lula e pela administração que ele faz dos negócios da República. Eu também admiro vários aspectos da administração Lula, principalmente na área econômica, um liberalismo moderno que deixa fazer, aproveitando o melhor da criatividade e do empreendedorismo dos indivíduos, das empresas e das organizações não governamentais. Tudo, porém, sob a regulamentação imposta pela sociedade através de agências reguladoras.

Admiro a forma como Lula se apropriou brilhantemente de uma idéia proposta por um dos pais do Liberalismo, Milton Friedman, em Capitalism and Freedom, 1962, defendida no Brasil por Eduardo Suplicy e implementada por Fernando Henrique como Bolsa Escola. Friedman via nesse dispositivo uma forma de estabilizar a economia e distribuir renda. A existência do Bolsa Família no Brasil, nesta crise mundial, deu plena razão a Lula, Suplicy, FHC e Friedman.

O Brasil avançou muito nesta direção desde o governo Sarney, passando por Collor, Itamar e FHC. Cada um deles aperfeiçoando o trabalho do antecessor e introduzindo novas idéias, a mais importante das quais foi a Lei da Responsabilidade Fiscal. Lula segue essa linha que todos os países avançados acompanham. Porém, o que mais admiro em Lula é a capacidade de tomar a seu serviço a competência e valores alheios ao campo ideológico que o cerca, a partir de José Alencar e Henrique Meireles, entre outros.

Mas nem tudo reluz nessa administração, principalmente na área da saúde, da qual sou vítima, por depender dela. Essa desgraça nacional, que afeta os mais pobres, não é sentida pela elite que dispõe de excelentes planos privados de saúde.

Pior ainda, a assessoria política mais próxima de Lula, com Zé Dirceu, Dilma e diversos outros ex-guerrilheiros e terroristas, abomina o contraditório, a oposição democrática, e almeja implantar regime de partido único controlador de toda a sociedade. Chamo a isto de totalitarismo. Em busca de seus objetivos, essa assessoria absorveu a ferramenta malufista da cooptação, o dispositivo do Comintern (Internacional Comunista) da subversão, além da safadeza usual das elites luso-brasileiras da simples compra de colaboração a troco de migalhas. Enfim, falta de ética e corrupção do começo ao fim. Tudo caminhando para um "queremos Lula" propondo o terceiro mandato e, se não der certo, mais pelo pejo de Lula em manchar sua biografia, a perpetuação do esquema através de Dilma.

Agora mesmo, estamos acompanhando a partidarização da OAB e cooptação de suas lideranças, com o governo, em seus três níveis propugnando candidaturas, únicas, se possível, apoiando abertamente chapas oficiais. Eu me pergunto qual o interesse de Lula em se apropriar da OAB senão o de aparelhar um dos mais importantes órgãos corporativos do país? Olhando bem, concluímos que a nação está sendo aparelhada. E não gosto disto.

Assim, o Congresso é cooptado pelo mensalão e outras tramacocas, os sindicatos são cooptados pelo imposto sindical que Lula sempre abominou como arma de aparelhamento peleguista, a sociedade organizada é cooptada por favores sem conta, a mídia é cooptada a peso dos milionários orçamentos publicitários. Quando alguns órgãos persistem na oposição, são atacados como se não lhes fosse garantido o direito constitucional da livre manifestação. Não nos esqueçamos da ferrenha e achincalhadora oposição dos partidários de Lula, e dele próprio, a todos os governos anteriores até que Lula, ele mesmo, se tornasse governo. E não nos esqueçamos de que Lula perdeu todas as eleições cujo tema foi o achincalhe dos adversários, até que, num passe de marketing, Duda Mendonça o transformasse em "Lulinha paz e amor", vestindo Armani com postura suave e amigável, que lhe permitiu conquistar amigos e votos fora do âmbito do PT. Mais importante, ainda, não nos esqueçamos que pessoas de ética irretocável se afastam, não de Lula, pessoa de encanto indiscutível, mas do esquema que o cerca e assessora.

A História nos ensina que a corrupção se infiltra e corrói todos os estabelecimentos políticos que perduram tempo suficiente. Os impérios caem pela desmoralização generalizada causada pela corrupção. Por isso mesmo, a sabedoria política aconselha a alternância periódica de poder. Defendo isto e a plena liberdade de expressão como ações mitigadoras desse câncer que é a corrupção. Espero que a Humanidade, um dia, encontre cura para este mal.

É claro que vermelho.com, Carta Maior e Saul Leblon são financiados pelo esquema Dirceu-Dilma & associados e estão a serviço dele. Aceito, desde que ai não entre dinheiro público, que isto faz parte do contraditório democrático e contribui, junto com seus opositores, para alimentar o cidadão comum com informações e opiniões. Compete ao cidadão esclarecido, reflexivo e crítico, separar o joio do trigo e tomar sua própria posição.

Afinal, a democracia é tolerante e igualitária, democratas aceitam divergências de idéias como direito básico e não como ofensa pessoal.

Beijos do Avô.





Pois é, minha neta Luciana e eu andamos ai pela Internet trocando e-mails e discutindo questões, como democracia e liberdade de opinião, a partir de artigos publicados na mídia por partidários de Lula protestando contra opiniões externadas por pessoas que não concordam com algumas, e mesmo todas, ações do atual presidente.

De minha parte, sou a favor de irrestrita liberdade de expressão. Os males eventuais da falta de limites são muito menores do que as da censura. Os prejuízos materiais e morais que uma opinião cause devem ser apreciados e, se for o caso, reparada em processo judicial posterior. Censura requer, em primeiro lugar, que haja censores. Quem os escolhe, quais seus poderes e limites, que critérios adotam? Este é um problema que exigiria um Conselho de Controle Social, e isto cheira a totalitarismo, a ditadura, governo do “Grande Irmão”.

Vejamos o caso da 18ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, a chamada Lei Seca, que tentou terminar o terrível mal social e pessoal do alcoolismo. A única coisa que resultou foi a implantação, consolidação e expansão de um mal muito maior, mais abrangente e de efeitos mais perversos: o gangsterismo. A Lei Seca foi suprimida por outra Emenda depois de quase quatorze anos, mas o mal já estava feito. Proibições, em geral, são ineficazes, e muitas vezes maléficas. Censura, em geral é maléfica, e muitas vezes eficaz.

Eu não quero novos DIP’s interferindo, bisbilhotando, proibindo, prendendo, torturando e assassinando pessoas que, como eu, seu avô, externam suas opiniões publicamente.

Quando Vargas instituiu a ditadura do Estado Novo, mera consolidação do regime que já existia desde 1930, criou o DIP para orientar e promover a propaganda governamental centralizada em sua imagem de chefe bonachão, simpático e benigno. Vargas era aclamado pelas multidões por seus atos a favor dos mais pobres e o estádio do Vasco da Gama, então o maior do Brasil, se enchia de trabalhadores, que ali o iam ovacionar, levados organizadamente pelos pelegos dos sindicatos atrelados ao governo. Isto não é novidade, uma das primeiras coisas suprimidas na inauguração da União Soviética foi a liberdade dos sindicatos que ajudaram a erigir o regime. Mas o culto à personalidade do Chefe não acontecia apenas no Brasil, também ocorria na Itália fascista de Mussolini, na Alemanha nazista de Hitler, na Rússia comunista de Stalin e em todos os países ditatoriais em que a opinião pública era amordaçada e a mídia, controlada e dirigida, tinha o propósito único da propaganda do ditador e sua ideologia.

Eu não quero novos SNI’s interferindo, bisbilhotando, proibindo, prendendo, torturando e assassinando pessoas que, como eu, seu avô, externam suas opiniões publicamente.

O SNI (Serviço Nacional de Propaganda) foi sucessor do DNI (Departamento Nacional de Propaganda), sucessor do DIP, sucessor do DPCD (Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, sucessor do DOP (Departamento Oficial de Propaganda). O SNI foi instituído para reassumir, a serviço do regime militar, a função do DIP cujo papel fora atenuado pelo DNI após a redemocratização de 1945. Os cônsules militares tiveram que atender às ambições de sucessão no poder dos membros do Alto Comando e isto se refletiu no menor endeusamento da figura do ditador. No mais, o SNI feriu tão profunda e perversamente a nação quanto o DIP.

A propaganda é poderoso e útil instrumento de informação, divulgação de conhecimento e educação. Quando utilizado com espírito republicano e democrático, serve apropriadamente ao Estado e ao povo, prestando serviços de utilidade pública. No entanto, tem sido e, muitas vezes, é utilizado com propósitos menos nobres para o culto à personalidade e divinização messiânica de demagogos e ditadores.

Declaro abertamente que votei duas vezes em Lula para presidente. Achava Serra mais ideológico e Lula mais pragmático, e mais competente do que Alckmin. Nas mesmas condições, votaria da mesma forma. Apoio muitas das políticas de Lula e acho que é um grande negociador, excelente coordenador, um organizador pragmático que não se deixa enrolar ideologicamente. Lula sabe que ideologia é besteira, mas se aproveita dela quando isto lhe traz benefícios. Acima de tudo, Lula é um maquiavélico que domina perfeitamente a arte de governar. Aliás, recomendo fortemente que minha neta releia O Príncipe. Faço isto todo início de ano, para não me deixar enganar por oratória magnífica, mas sem fundamento.

O fracasso na administração do Sistema Único de Saúde, mais do que demonstração de incompetência administrativa, é atroz perversidade contra o povo mais desfavorecido em que a alegação de falta de recursos não procede, porque a arte de administrar reside na capacidade de atribuir prioridades e, certamente, na administração pública há muito recurso que pode ser realocado. Apesar desta e outras falhas, na média, Lula faz um governo competente. Isto, no entanto, não me permite transformar Lula em ídolo. O culto à personalidade de Lula equilibra-se perigosamente na linha fronteiriça entre o Bem e o Mal, da mesma forma que FHC se aproveitou do sucesso do Plano Real para promover sua própria imagem pública, lançar-se candidato e se tornar presidente. FHC e Lula estão no mesmo time da propaganda. O primeiro gastou com propaganda a média de um bilhão de reais em seus três últimos anos de governo,. Lula o superou de imediato, atingindo média vinte por cento superior nos últimos três anos. Não sei quanto gastará no ano eleitoral de 2010. Talvez com vistas ao ano eleitoral, vetou artigos da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que estabeleciam limites aos gastos com propaganda e viagens.

Ao que parece, minha neta acha que os adversários de Lula são vilões. O texto dela é longo e contundente. Eis como ela o termina: “No caso dos EUA, um país visceralmente conservador e racista, não há, a rigor, grande surpresa pelos ataques da Fox & Cia a um presidente negro e democrata. O que surpreende, de fato, é que Obama está reagindo. E o faz com um grau de contundência que, oxalá, sirva de inspiração para que um dia também possamos ouvir nos trópicos um porta-voz do presidente Lula dizer com igual limpidez e serenidade, sem raiva, mas pedagogicamente: ‘A Folha está em guerra contra Lula (...) não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha é jornalístico. Quando o Presidente fala à Folha já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará debatendo com um partido da oposição’”.

Há! Sim, oposição. Oposição é um dos elementos fundamentais da Democracia. É ela que se apresenta como alternativa de alternância no poder. É ela que se apresenta como esperança para os insatisfeitos com os governantes do momento. Quando a oposição atinge a maioria, torna-se governo. Foi o que aconteceu com os seguidores de Lula, tornaram-se maioria e substituíram a Fernando Henrique na presidência. Lula presidente.

Agora, pode ser que aconteça de novo, ou não. Depende da vontade popular. Pode ser a vez de Dilma, ou de Serra, Aécio, Ciro ou qualquer outro, mas para que aconteça, num processo democrático, legítimo, legal e justo, é absolutamente necessário que a oposição tenha direito de se expressar livremente, plenamente, democraticamente.

O pai de minha neta entra na discussão dizendo: “Valeu Lu. É isso aí. Com todo respeito, arranca sangue”. É claro que o amor e a admiração de pai estão na torcida pela filha, talvez achando que avô e neta estão em alguma disputa de vida ou morte quando apenas, democrática e civilizadamente, trocam idéias com todo amor e respeito que avô e neta têm um pelo outro. Mas logo vemos que é o espírito jocoso dele que se manifesta, porque prossegue: “Sei que vocês poderiam esperar um psitacismo de mim, mas, sinto muito. Quando a tala desce no couro, é instinto. Posso parecer gauche, ou não, mas o que fazer. Sei também que essas vírgulas, como disse Clarice: ‘cuidado’. Todo bipolar é assim mesmo. A gente vai decrescendo. Tem gente que não entende. Mas é para não entender mesmo. Olha, eu estou tomando minha posição, meu lado”.

OK, papai de minha neta, ex-genro querido e sempre filho amado, é bom ouvir sua opinião, saber que toma posição: seu lado. Todo cidadão republicano tem a liberdade de poder buscar a felicidade. Este é um direito fundamental, legítimo e dos mais preciosos. Quando este direito é cerceado, cessa a democracia, começa a ditadura.

Num dos e-mails, me referi ao comentário de um amigo dinamarquês sobre a política em seu país. Como não sei dinamarquês, usei um tradutor eletrônico da Internet e obtive o seguinte: “O que acontece na política dinamarquesa. Fiz o teste esta manhã. Responderam a um lote de perguntas infernal para saber qual candidato melhor se aproxima de minhas convicções políticas. 86% de acordo com um radical, 85% com a esquerda, 83% conservador e 81% lista de dispositivos...”

Senti que faltava algo para o completo entendimento. Então, fui à fonte e indaguei: Caro Jacob, tentei traduzir sua declaração política, tanto para inglês quanto português, mas tenho o sentimento de que perdi alguma coisa no final... Você poderia explicar o que quer dizer com 81% Enhedslisten...?

O amigo respondeu: "De radikale" é um partido no centro do espectro político, “Venstre" é um partido de direita e "Enhedslisten" é um partido socialista. De acordo com isto, todos concordam que não há consequência se eu votar na direita, esquerda ou no centro?!

Não precisei de tempo para responder: Pois é, e isto é o fim da ideologia.

Minha neta respondeu desta maneira: “Pode parecer que não faz diferença, há pouco tempo atrás, mas agora faz. Parece que morreu, mas na verdade está lá viva. Agora que a Dinamarca, social-democracia neoliberal, sente os efeitos da crise, principalmente o desemprego, voltam a ganhar espaços idéias intolerantes, racismo, leis anti-imigrantes, etc., e então têm que reaparecer os marxistas, aquele pessoal da esquerda, e explicar tuuuuuudo de novo... Aí, se o povo entender novamente essas velhas idéias (que parecem novas pois a gente sempre esquece delas, é conveniente para a elite econômica) as corporações talvez vão perder um pouco de poder, vai haver alguma redistribuição, ampliação de benefícios, direitos, etc., até o povo dinamarquês viver muito bem de novo, e esquecer tudo de novo, passar por outra crise, e tornar a lembrar.... ou não!”

Reconheço que eu mudara de assunto. Tratávamos de Liberdade de Opinião e eu introduzi a questão da ideologia. Portanto, é muito justo o protesto de minha querida neta. No entanto, tenho que dizer que meu amigo Jacob nunca mencionou que marxistas reapareceram na Dinamarca para explicar tuuuuuudo de novo...

Minha neta talvez desconheça alguns aspectos do modo de ser dinamarquês. Visitei várias vezes o colégio público em que meus netos dinamarqueses estudam em tempo integral e posso dizer que se compara em pé de igualdade com os melhores colégios particulares das elites do Rio ou São Paulo, se não melhor. Assisti a intensa participação dos pais na educação dos filhos. Sei que as universidades daquele país são de primeira linha. É um pais onde não se admite o culto á personalidade, pelo contrário, ali prevalece o sentimento coletivo de que ninguém é superior ou inferior e todos são iguais. Este comportamento tem um nome, “janteloven”, lei de Jante, e está associado a um outro denominado “hygge”, que é o sentimento gerado, o prazer genuíno proporcionado pelo modo simples de transformar as coisas mais simples do dia-a-dia em acontecimentos simplesmente extraordinários. Trata-se de povo civilizado e culto, que não joga lixo na rua, em que ministros de Estado andam de bicicleta, na maior simplicidade. Quando fomos visitar o túmulo de Hans Christian Andersen lá encontramos um vice-ministro que ciceroneava visitante espanhol, conversamos e, quando dali saímos, embarcamos democraticamente no mesmo ônibus de linha.

Jacob é advogado e o considero cidadão típico de seu país, capaz de receber, discernir e julgar informações. O que Jacob disse, no meu entender, é que os partidos dinamarqueses são extremamente parecidos uns com os outros. Claro, se todos os partidos propõem as mesmas coisas, no meu entender, acabou a ideologia, pelo menos na Dinamarca, e predomina o pragmatismo. Todos aceitam que há determinadas linhas de ação governamental que quase sempre dão certo, principalmente se são aplicadas com coerência.

Minha visão é de que tais diretrizes incluem as que compõem o chamado Consenso de Washington, resultado do trabalho de economistas que observaram e listaram políticas adotadas por governos bem sucedidos no desenvolvimento econômico de seus países. Mas estas diretrizes podem não bastar e o modo como e quando aplicá-las, em que ordem e com que prioridade, com o que complementá-las, não é uma questão ideológica, mas de pragmatismo, de competência administrativa. Desde a saída de Zélia Cardoso do governo Collor, o Brasil tem associado a prática de diretrizes do Consenso de Washington - não todas, nem ao mesmo tempo, - às políticas de distribuição de renda e regulação do mercado. Não é de admirar que venha, pouco a pouco aperfeiçoando essas práticas e obtendo sucesso. Este é um processo que talvez pudesse ser mais acelerado se todos os governantes tivessem o mesmo desembaraço de Lula ou se todos, inclusive Lula pudessem vencer a burocracia. Não se trata que questão ideológica, de marxismo versus liberalismo, mas de pragmatismo consistente, de capacidade de administração política.

Minha neta é engenheira, com mestrado, capaz de raciocínio cartesiano, sabe que o Universo é feito de ondas e que as transformações se regem pela Segunda Lei da Termodinâmica. Como tudo no universo se move em ondas, se a economia tivesse comportamento uniforme, sem altos e baixos, teria que estar fora dele. Portanto, ciclos econômicos são fenômenos perfeitamente naturais, com conseqüências boas e más. Por um lado obriga os organismos econômicos a se aperfeiçoarem, a se tornarem mais eficazes; é a seleção natural. Por outro, cria desempregos. Ora, quando um sistema se torna mais eficaz, necessita menos energia, menos capital, menos matéria prima, menos energia e menos mão de obra. É por isso que todos os bens produzidos são cada vez melhores e mais baratos. Um microcomputador de 2009, milhares de vezes mais potente, é mais barato, em moeda corrigida, do que um PC de 1989. A mão de obra dispensada tem que ser reeducada, realocada e financiada. É ai que entra o papel do Estado, tanto na regulação, para evitar distorções no mercado, quanto na proteção social e redistribuição de renda.

Uma constatação histórica é que, quando a economia de mercado falha, o resultado são grande sofrimento, milhares de falências e milhões de desempregos, enquanto que, quando a economia dirigida falha o resultado são grande sofrimento, fome e milhões de mortes, como a reforma agrária na Rússia de Stalin e o “Grande Salto” na China de Mao.

Os países de governos demagógicos e populistas, e os socialistas, onde a Liberdade de Opinião é fortemente reprimida, são todos profundos fracassos econômicos, sem exceção. Sem riqueza não podem se desenvolver socialmente. Esse é um fato incontestável. Os países mais bem sucedidos do mundo em desenvolvimento econômico e social, com os mais elevados indicadores de riqueza e de desenvolvimento humano, têm consistentemente aplicado políticas muito parecidas com o que se denomina Social-democracia, suas políticas financeiras são ortodoxas e suas economias de mercado estão submetidas à regulação do Estado, são civilizações do bem-estar, da informação e do conhecimento e, principalmente, são democracias onde há pleno respeito à Liberdade de Opinião.

No dia 9 de novembro de 2009 se comemorou a queda do Muro de Berlin, erguido para evitar que povos prisioneiros do “Paraíso Socialista”, onde imperava a “Ditadura do Proletariado”e não havia liberdade de qualquer espécie, fugissem desesperadamente para o “Inferno Capitalista”. Muitos que intentaram ultrapassá-lo foram cruelmente fuzilados a sangue frio. Quando lá estive e toquei no Muro, vi cruzes demarcando onde tombaram os que, simplesmente, não suportavam mais viver sob a ditadura socialista. Belo paraíso! Até que o Muro fosse construído, cerca de vinte por cento da população da República Democrática Alemã havia fugido para a Alemanha Ocidental. Que mundo é este que marxistas pretendem me impor?

Defendo que marxistas, como quaisquer outros, expressem livremente suas idéias. Falar é livre. É direito deles, nosso e de todos. Apenas não aceito que imponham o regime que defendem, regime no qual estou certo de ser encarcerado, talvez fuzilado, porque não cessarei de proclamar e exigir respeito aos direitos naturais do ser humano. Abomino ditadura, qualquer ditadura. Direitos Fundamentais garantidos em nossa Constituição, Direitos Humanos proclamados pelas Nações Unidas, é o que defendo e desejo preservar.

Afinal, Liberdade de Opinião é meu direito inalienável.

6 de novembro de 2009

O Fim da Ideologia

      Um amigo dinamarquês escreveu no Twitter: Hvad sker der i dansk politik. Tog testen her til formiddag. Svarede på en hulens masse spørgsmål for at finde ud af hvilken kandidat, der svarer bedst til min politiske overbevisning. 86% overensstemmelse med en radikal, 85% med venstre, 83% konservativ og 81% enhedslisten....

      Como não sei dinamarquês, usei o Google Translator, ajustei o trabalho da máquina, e traduzi: O que acontece na política dinamarquesa. Fiz o teste esta manhã. Responderam a um lote de perguntas infernal para saber qual candidato melhor se aproxima de minhas convicções políticas. 86% de acordo com um radical, 85% com a esquerda, 83% conservador e 81% lista de dispositivos ....

      Senti que faltava algo para o completo entendimento. Assim, usei o mesmo processo e verti para o inglês: What happens in Danish politics. I took the test this morning. Answered to a hell lot of questions to find out which candidate best matches my political beliefs. 86% consistent with a radical, 85% with the left, 83% conservative and 81% device list ....

      Foi insuficiente. Então, fui até a fonte e coloquei no Twitter do amigo: Dear Jacob, I've tried to translate your political statement both to English and Portuguese, but I have a feeling that I've lost something at the end... Could you explain what do you mean by 81% enhedslisten...? Kiss the children

      Sei que todos vocês dominam o inglês, em todo caso, aqui vai: Caro Jacob, tentei traduzir sua declaração política, tanto para Inglês quanto Português, mas tenho o sentimento de que perdi alguma coisa no final... Você poderia explicar o que quer dizer com 81% Enhedslisten ...? Beijos nas crianças.

      O amigo respondeu: "De radikale" is a party in the middle of the political spectrum, "Venstre" is a right wing party and "Enhedslisten" is a socialist party. According to this they all agree and it is of no consequens if I vote right, left or middle?!

      Para benefício de todos, traduzo para o português?: "De radikale" é um partido no centro do espectro político, “ Venstre" é um partido de direita e "Enhedslisten" é um partido socialista. De acordo com isto, todos concordam que não há consequência se eu votar na direita, esquerda ou no centro?!

      Não precisei de tempo para responder: Yes. And this is the end of ideology!!! Ou seja: Pois é, e isto é o fim da ideologia.



2 de novembro de 2009

Tributos e Tribulações

A História se constrói por fatores econômicos, diretamente ou escondidos atrás de fachadas políticas, militares, religiosas, antropológicas, sociais, culturais e ambientais cujos fundamentos primários são majoritariamente econômicos. Tributos são responsáveis imediatos por importantes transformações e grandes mortandades. Para ilustração, citamos alguns exemplos colhidos nas lembranças de episódios históricos.
A criação do embrião do futuro Parlamento Britânico - e de todos os parlamentos modernos - se originou em uma questão de impostos. Para custear a guerra pela retomada da Normandia, o rei João da Inglaterra impôs sucessivos tributos sobre seus barões que, descontentes, em 1215 marcharam sobre Londres e impuseram ao rei a Magna Carta Libertatum ou, simplesmente, Magna Carta, impedindo o soberano de decretar impostos sem consentimento dos vassalos e, além disto, criando comissão composta por vinte e cinco barões com poderes de reunir-se a critério próprio e desautorizar, pela a força, se necessária, a imposição de taxas pelo rei.
Carlos I da Inglaterra foi decapitado por traição, num processo originado em 1629, por causa da disputa com o Parlamento sobre direitos de tributar.
Uma rebelião que durou décadas de carnificina nas Filipinas, de 1744 a 1829, se originou com a imposição de taxas pelos colonizadores espanhóis.
Todos nós sabemos que, apesar da beleza das idéias iluministas, os motivos reais da eclosão da Revolução Francesa foram a miséria e a imposição ao povo de crescentes tributos, dos quais clero e nobreza eram isentos.
Inconfidência ou Conjuração Mineira foi o movimento pela independência do Brasil ocorrido na capitania de Minas Gerais e gerado pelo descontentamento contra a derrama, cobrança de cota fixa anual de tonelada e meia de ouro, apesar do decrescente esgotamento das jazidas. A ameaça foi sufocada pela coroa portuguesa em 1789.
Chamo agora a atenção para uma peculiaridade do belíssimo processo de criação da democracia mais estável e mais evolutiva já criada pelo gênio humano. O nome que encabeça as assinaturas da Declaração da Independência é o de John Hancock. Depois de varias tentativas infrutíferas em tributar, a coroa britânica impôs às Colônias Americanas um imposto sobre o chá. Como conseqüência, em legitima resistência civil, comerciantes coloniais passaram a contrabandear chá francês e holandês levando exportadores ingleses à falência. O Parlamento contra-atacou reduzindo substancialmente a taxação sobre o chá inglês, tornando-o mais barato que o contrabandeado. Seis navios carregados com o produto foram despachados para a América. É claro que isto contrariou os importadores contrabandistas americanos, que prometeram retaliar. Diante da ameaça, alguns dos navios retornaram aos portos de origem. No entanto, confiantes na proteção das forças britânicas, três deles aportaram em Boston. À noite, disfarçados de índios, colonos brancos abordaram os navios e atiraram ao mar toda carga de chá. A resposta da coroa foi militar e severa. Começava a Revolução Americana e o líder do “Boston Tea Party” era o importador de chá John Hancock. É de grande simbolismo a relevância de sua assinatura naquela Declaração.
Resistência civil é legítima autodefesa exercida por quem se sinta oprimido por indevido e injusto poder do estado. Modernamente, grandes expoentes do exercício da resistência civil foram Gandhi e Luther King. Resistência civil é direito de todo cidadão cujas prerrogativas sejam tolhidas ou suas economias sobrecarregadas de impostos por governantes opressores e injustos.
Estas observações vêm a propósito do incompetente, contraproducente e imprudente atentado ao bom senso cometido pelo governo do Pará ao decretar a antecipação da diferença de ICMS sobre produtos entrantes no estado. Se o que o governo busca é reforçar o caixa esvaído por desperdício, mau planejamento orçamentário e incompetência administrativa, o faz em endereço errado. Além disto, afronta a Constituição e ultrapassa ilegalmente a Lei Federal no que se refere aos contribuintes do Simples.
O imprudente governo brinca infantilmente com fogo, desatento aos precedentes históricos que parece desconhecer. O governo se revela ignorante do fato de que maior afronta se faz ao bolso do que ao sentimento e de que maior reação se faz ao esbulho do dinheiro do que à perda da liberdade. O governo não desconfia de que caboclos podem se tornar cabanos e que comerciantes podem tomar medidas para proteger a sobrevivência de seus negócios ameaçados de morte. E que podem fazer isto tanto por procedimentos fiscais e negociais rotineiros, quanto por atos de resistência civil passiva ou mesmo ativa, dependendo da criatividade, competência e empenho de cada um e do conjunto, do que pode brotar reação em cadeia suficiente para atirar ao chão o combalido tesouro estadual.
Quem não aprende com a História paga o preço da ignorância. Quem ilegalmente impõe tributos chama a si tribulações. Alguns poderosos perderam até a cabeça.

O Brasil para investidores

No final do ano passado, preparei um pequeno estudo sobre o Brasil como país hospedeiro de investimentos e investidores para amigo estrangeiro que me indagara as perspectivas de investir aqui diante da atual crise financeira mundial. Transcrevo, a seguir, a parte introdutória do estudo pelo interesse geral que o assunto possa despertar.

O Brasil saúda e encoraja investidores estrangeiros em pé de igualdade com os brasileiros.
Todos os indicadores de atividade brasileiros, tais como industrial, varejo, concessão de crédito, mercados bolsistas e crescimento do emprego, entre outros, indicam interessantes oportunidades de participação na economia brasileira.
Segundo a UNCTAD, em pesquisa lançada em 2005, o Brasil está entre os cinco destinos mais atraentes para os investimentos estrangeiros diretos. Considerando-se a avaliação de empresas multinacionais, o país também aparece na quinta posição, atrás de China, Índia, Estados Unidos e Rússia. O setor minerador é o que recebe mais investimentos, porém uma quantidade crescente de capitais são colocados em sectores como serviços financeiros, manufatura e produtos industriais. O Brasil já é o principal destino de investimentos realizados por empresas espanholas e o terceiro pelos chineses e canadenses. O Brasil é também o favorito número um para investimentos no domínio da moda e do vestuário seguido pela China e pela Índia.
O Brasil está entre as 10 maiores economias e tem de quinto maior território no mundo, com 22% das terras aráveis da superfície do mundo, ocupando 50% da América do Sul com uma população acima 186 milhões. Sua economia possui grandes e altamente desenvolvidos setores agrícolas, mineradores, industriais e de serviços. A economia brasileira supera a de todos os outros países da América do Sul e está expandindo sua presença no mercado mundial, além de possuir a maior e mais diversificada base industrial na América Latina e Caribe.
A Constituição brasileira não faz qualquer distinção entre capital nacional e estrangeiro, exceto em um número limitado de sectores como a energia nuclear e alguns outros. A Lei sobre Capital Estrangeiro de 1962 e suas alterações posteriores rege os investimentos estrangeiros, inclusive no mercado de ações brasileiro. Todos os investimentos estrangeiros e empréstimos devem ser registrados no Banco Central do Brasil e do seu certificado de registro permite remessas de lucros e repatriação de capital sem autorização adicional do Banco Central.
Os três pilares do programa econômico do Brasil são: taxa de câmbio flutuante, regime de metas da inflação e política fiscal apertada.
Estes aspectos, juntamente com o atual programa do governo federal para aceleração econômica, criam perspectivas de rápida e sustentável dinamização do desempenho econômico brasileiro e estimulo aos investidores estrangeiros e empresários locais. O programa visa estimular a participação privada na economia aplicando, principalmente, grandes investimentos públicos em habitação, urbanização, infra-estrutura e nas áreas sociais.
A atraente atmosfera das relações internacionais no Brasil se origina em sua história de sincretismo e respeito à diversidade cultural. A transparência de dados públicos é um dos grandes temas das comunidades internacionais que consideram o Brasil um dos melhores locais para investir em todo o mundo.
O Brasil é um dos países menos afetados pela presente crise e já recupera impulso dinamizador para voltar ao nível de 5% de crescimento de 2007.
Acrescento agora dois fatores introduzidos nos últimos meses e que apontam direções opostas da melhoria da atratividade do Brasil para investidores estrangeiros. O primeiro é a gastança do poder público em despesas permanentes, que afetam negativamente e de imediato as contas dos três níveis de governo, em detrimento dos investimentos em setores produtivos, que teriam efeito multiplicador na arrecadação, em médio prazo, solapando os alicerces de dois dos três pilares do programa econômico, a saber, as metas da inflação e política fiscal apertada. O segundo é a perspectiva de o Brasil se tornar grande produtor de petróleo, no pré-sal, prometendo importante crescimento da renda nacional no prazo de uma geração.
Outra observação que faço aqui é a pequena importância da Amazônia, exceto na mineração e na Zona Franca, na captação de investimentos estrangeiros e, mesmo, nacionais.

O Estado e o Cidadão

Congresso Nacional está em vias de concluir a lei eleitoral que regerá as eleições de gerais de 2010. Embora não se trate de reforma política – e precisamos de uma que seja moralizadora e democratizante - reaviva nossas reflexões a respeito do que poderia ser um bom e realista sistema de representação política no Brasil, tema sobre o qual publiquei uma série de artigos em 2004, e o que se poderia esperar do Congresso nesta hora. A imaginação, o conhecimento e as lembranças passeiam por hipóteses da pretendida reforma política. Tais reflexões conduzem ao presente discurso em que se indaga se as instituições, criadas para promover o bem comum, de fato o fazem com equilíbrio entre o interesse coletivo, representado pelo Estado, e os direitos fundamentais do individuo, que o Estado deve proteger.
Vejamos como atingimos o estado liberal moderno. Sem ir até a distante discussão de Aristóteles sobre os diversos tipos de estado e formas de governo, poderíamos começar na Idade Média com o enunciado de que o poder emana do povo, do qual deriva o preceito de que o poder do soberano deve ser legitimado pela aceitação dos súditos ou, mais propriamente, por sua eleição por eles. O pacto social pelo qual os súditos se submetem à soberania do Estado, em troca da garantia de seus direitos fundamentais, é conseqüência do conceito da autonomia do poder terreno, em relação ao divino, criando-se recíprocos deveres em prol do bem coletivo. Na Summa Theológica, São Tomás de Aquino expressa a idéia de que a Lei se legitima pela Razão. Com isto, a instituição do Estado se consagra como legítima, não apenas pela aprovação do povo, mas pela razoabilidade das leis.
Leis prenhes e plenas de Razão. Isto pode parecer tão quimérico quando a República de Platão ou a Utopia de Thomas More. Maquiavel, o magnífico observador da alma e das instituições humanas, retrata com crua objetividade a realidade das práticas, as de então tanto quanto as de agora, ao constatar que, na prática, as razões de estado possuem motivação própria independente quer da religião, quer da moral e, mais ainda, dos interesses dos povos. Tal conceito dá licença à realpolitik, primeiro passo para aproximação e convivência pacífica entre contrários, tanto quanto, a todas as barbaridades cometidas contra a humanidade ao longo da história em nome das “razões de Estado”.
Em raras ocasiões o Estado representa o real interesse do povo. Pelo contrário, tem sido instrumento dos detentores atuais do poder, da pequena minoria dominante, o que é tão mais verdadeiro quão mais absoluto seja o poder. As coisas começaram a mudar um pouco quando a força econômica da burguesia mercantilista atingiu massa critica suficiente, na segunda metade do século XVIII, e a burguesia pode exigir participação no controle do poder, igualdade de tratamento perante a Lei, respeito às liberdades individuais e aos direitos fundamentais, inclusive o de propriedade, iniciando movimento democratizante que, pouco a pouco, conduziu as democracias modernas do século XXI.
A reação do monarca absolutista conduziu à Revolução Americana e, em seguida, à Revolução Francesa. As treze ex-colônias que formaram os Estados Unidos da América constituíram o primeiro estado formatado na concepção de Montesquieu da divisão de poderes entre executivo, legislativo e judiciário, formando o primeiro estado liberal - liberal não apenas no sentido econômico, mas principalmente no político - cuja principal missão seria o respeito às liberdades individuais através de ordem jurídica adequada ao livre embate dos interesses sociais e econômicos. Por incrível que pareça, tais conceitos foram criados com a participação de escravocratas, entre os quais sobressai a figura de Benjamim Franklin. A Common Law, que permite aos tribunais estabelecer precedentes, sem necessidade de leis prévias, concede dinamismo ao sistema. Tal esquema criou e permitiu grande pluralidade de instituições tais como partidos e associações políticas, sindicatos e grupos de pressão social dos quais Martin Luther King e Ralph Nader, no século XX se tornaram expoentes. É a liberdade de ação e expressão dessas entidades representativas das minorias, claro, dentro dos limites da paz social e dos direitos das demais, que caracteriza o Estado de Direito moderno, porque Democracia é o regime de poder da maioria exercido com total respeito aos direitos das minorias e dos indivíduos.
O século XX foi cheio de experimentações ideológicas por regimes totalitários de longa duração, extremamente infelizes e dos quais resultaram quase cem milhões de vítimas fatais, de onde se deriva que, quando o regime liberal de mercado erra, provoca milhões de perdas de empregos, enquanto os erros de regimes ideológicos, inclusive os religiosos, conduzem a milhões de perdas de vidas humanas. Lenine, Trotsky, Stalin, Mussolini, Hitler, Tojo, Didi Amim Dada, Lumumba, Fidel, Pinochet e centenas de outros compõem essa infame lista de flagelos da humanidade, facínoras cujas leis são desprovidas de razão, mas que arrastaram e ainda arrastam as maiorias de seguidores que pretensamente os apóiam, porque são estes os que são forçados a se manifestar enquanto os dissidentes são silenciados e mortos.
O avanço das democracias modernas indica, em primeiro lugar, crescente respeito à individualidade, à aceitação das diferentes formas de comportamento e de pontos de vista, do respeito à maioria composta de miríades de minorias; em segundo lugar uma economia composta pela multiplicidade de empreendimentos privados, estatais e mistos, com e sem fins lucrativos, todos disputando livre participação no mercado globalizado. Há uma enorme riqueza de variedade de atitudes, de meios e formas de expressão participando de um universo chamado mercado.
A crise econômico-financeira que vivemos, indica premente necessidade de regulação do mercado, não do cerceamento da liberdade de iniciativa, tão necessária ao desenvolvimento da humanidade, mas a preservação da igualdade de condições de competição e do respeito ao cidadão consumidor, usuário dessa diversidade de ofertas. Cabe aos Estados nacionais e supranacionais essa importante função, além, por certo, da manutenção da paz e da justiça.
O Estado brasileiro e todos os demais, como se comprova na presente crise, não reconheceram plenamente e não se adaptaram a essa realidade moderna. O corpo de leis desses estados nações reflete esse anacronismo. O Brasil, apesar de alguns conceitos esdrúxulos que ainda hoje estão sendo penosamente expurgados da Constituição Cidadã e do anacronismo de grande parte da CLT, tem sido capaz de apontar modernos caminhos legislativos. É hora do Congresso e a sociedade toda debater à luz destes novos horizontes. Certamente, há muito que refletir e inovar.
Afirmamos, na primeira parte deste artigo a respeito da lei eleitoral em trânsito no Congresso, que as nações democráticas modernas tendem a ser cada vez mais tolerantes às diversas formas de pensar e de comportamento. Uma ocasião, minha mulher, filha, genro, netos e eu visitávamos uma praia artificial recém inaugurada num país escandinavo. Era verão, mas o dia estava nublado e ventava, a temperatura devia estar abaixo dos quinze graus. Para nós, não era dia de praia, mas logo um casal chegou à beira d’água, tirou completamente a roupa e entrou no mar até a altura dos joelhos. Logo foram seguidos por meia dúzia de pessoas que não demoraram muito porque a água devia estar realmente fria. O fato é que isto aconteceu sem que o público presente se espantasse ou, mesmo, demonstrasse perceber a completa nudez pública de homens e mulheres. Certamente, entre as pessoas que se encontravam no píer e a tudo assistiam, haveria algumas que jamais ficariam desnudas em público; nem por isto foram à delegacia acusar comportamento indecoroso, simplesmente, acataram o direito alheio de agir livremente em troca do mesmo privilégio, todos respeitando os limites alheios. Isto é tolerância. Há poucos dias, em país muçulmano, uma mulher foi posta na cadeia por usar calças jeans. Isto é intolerância.
Outro ponto que adquire relevância e desperta discussão é o preceito republicano e democrático de completa separação entre Estado e Religião. Exemplo disto é o ato do governo francês de impedir o uso do xador nas escolas e repartições públicas. Para as autoridades francesas o uso do véu das islamitas em locais de propriedade do Estado é um esforço político-religioso de impor segregação sócio-religiosa em uma sociedade liberal, apartheid intolerante e viciosa cujo perigo já foi demonstrado com grande mortandade.
Certa vez, me encontrava num juizado de menores do Rio de Janeiro, no início do intervalo para almoço, quando o próprio juiz, de nome famoso pela competência, juntou-se a outros funcionários no meio do corredor central para rezar uma novena católica. A cena demorou poucos minutos, ao fim dos quais me dirigi ao magistrado e perguntei se aquele ato não seria anti-republicano, ao que ele respondeu: “É verdade, mas o efeito moral dessa desobediência civil melhora em muito o desempenho deste juizado”. Ao ouvir isto, ergui os ombros, sorri, cumprimentei e fui embora. Apesar de concordar com a lógica do juiz, discordo da ação. Assim como considero imprópria a mistura de Igreja e Estado que assisti há poucos dias, com a delegada da Polícia Federal à frente de uma procissão de carros do Estado conduzindo imagem santa à delegacia onde se realizou ato religioso. Todas as pessoas deveriam ter pleno direito de professar a própria fé, mas não o de ultrapassar a nítida fronteira que separa o que é de Deus do que é de César. Este é um tema, assim como a separação drástica do que seja público do que é privado que, ao ser resolvido e praticado, aperfeiçoará a ética na política.
O tema em pauta é lei eleitoral e reforma política e Política é a busca da paz, prosperidade e felicidade do povo, nessa ordem. Sendo assim, a busca do aperfeiçoamento das leis que regem as atividades políticas deve contemplar a imposição da paz em uma nação conturbada pelo crime generalizado em todos os meios e por todas as formas. Corrupção e apropriação particular do bem público sempre existiram neste país e, para ficar do fim da Ditadura Vargas para cá, os exemplos são inúmeros, do “mar de lama” ao “mensalão”. Mas o crime nas ruas - que vitimam milhares por tiroteios e balas perdidas e obrigam pessoas de bem a se aprisionarem atrás das próprias grades para se protegerem dos criminosos - é fruto de dois fatores: 1 - a organização introduzida nas prisões pela disciplina do ativismo ideológico guerrilheiro e terrorista; 2 - a política introduzida pelo primeiro governo Brizola no Rio de Janeiro de impedir a polícia de penetrar nas favelas em busca de criminosos a pretexto de evitar os contumazes abusos policiais contra a população pobre em geral. O primeiro fator gerou o Comando Vermelho, cujo modus operandi se alastrou pelo resto do país. O segundo criou a impunidade que permitiu a consolidação do crime organizado. Esse estado de coisas precisa ser urgentemente corrigido para que nossas cidades voltem a ter paz e isto só poderá ser realizado por adequado sistema de organização política do país, não apenas na lei eleitoral, mas na própria conceituação funcional e prioridades dos três poderes.
A nação brasileira precisa ser aperfeiçoada. Mas quem poderá fazer isto? Um governo leniente e adepto de cooptar a qualquer preço, atitude geradora do mensalão? Congressistas focados nos próprios interesses eleitorais, pecuniários e classistas a ponto de abdicar de suas melhores convicções, quando as tenham, e se submeterem à imposição de manter a “base aliada” a qualquer custo? O panorama é desolador. A última esperança é a de que o próprio sistema institucional democrático vigente possua virtudes suficientes para deixar passar, aos poucos, as boas medidas necessárias. Se, ao longo dos anos, uma constituição enviesada pode ser pouco a pouco corrigida e implantada a lei da responsabilidade fiscal, porque não uma série de medidas destinadas a aprimorar o sistema político? Esperança? É a última que morre...