23 de novembro de 2006

Mário F Imbiriba - Ensaio biográfico

Sebastiao Imbiriba*

Ensaio histórico e biográfico em comemoração ao seu centenário de nascimento, publicado em O Estado do Tapajós, edições de: 25/09/2003, 02810/2003, 16/01/2003, 23/10/2003, 30/10/2003

Na noite de 9 de abril de 1972, em sua residência na Avenida Adriano Pimentel 114, vítima do colapso de um coração combalido, o velho Coronel encerrou uma vida inteiramente dedicada ao serviço da Pátria, da Amazônia e de Santarém. Seu último suspiro foi exalado aos braços do grande amigo Dr. Waldemar Penna, cercado pela aflição da mulher, Dona Beatriz, dos filhos João, Pedro Paulo, Ney, Eunice e Avelina e do casal amigo José da Costa Pereira (Zeca BBC) e Dona Maria.

Se estivesse vivo no dia 20 de setembro de 2003, Mário Fernandes Imbiriba teria completado noventa e nove anos de existência. No prédio 226 da Travessa dos Mártires (antigo nº 18), em Santarém do Pará d’Oeste, nada resta que lembre a velha casa onde nasceu um dos mais ilustres filhos desta cidade. Irmão caçula de Umberto e Minervina (Mimi para uns, Vivi para outros), Mário era o terceiro filho de Gonçalo e Maria Fernandes Imbiriba, primos em primeiro grau.

Numa época em que não havia ensino formal em Santarém, o menino Mário teve a felicidade de ser educado sob a orientação de ilustríssimos preceptores: Lindinha Rodrigues dos Santos, Herondina Alves, Álvaro Pinheiro, João Pena Ribeiro, Ermelinda D’O, Altino Nóvoa e Alarico Barata. Consolidaram ainda mais sua base cultural os estudos de música e flauta com o Prof. José Agostinho. A educação recebida não somente o preparou para os exames, como serviu de base cultural para todos os empreendimentos de sua existência. A influência de Alarico, sábio enciclopédico, foi extremamente importante na formação do caráter cívico e democrático de Mário, refletida em sua constante ânsia pelo saber, que perdurou por toda a vida, em ampla visão do mundo de sua época traduzida em proféticas reflexões sobre os caminhos da Humanidade.

Os pendores poéticos e jornalísticos do adolescente Mário e a influência de Altino e de Alarico o conduziram a aventuras literárias e editoriais, fundando e dirigindo os jornais O ECO, O SPORT e A LUZ que tiveram propósitos específicos das fases de sua evolução cultural.

As peripécias da adolescência se perdem no tempo, mas dois fatos exemplificam sua personalidade. A primeira foi demonstração de espírito de iniciativa. Estando o pai em viagem e advindo súbita enchente do Amazonas, em luta de dias e noites, conseguiu salvar todo o gado de uma das fazendas do pai. Ajudou-o a promessa de batizar seu futuro primogênito com o nome de São Sebastião. A segunda foi manifestação de apreço por amigo com o qual trocou a promessa de apadrinharem as recíprocas primeiras filhas, que vieram a ser Maria Emília, filha de Arlindo Miranda e Nely, de Mário.

Aos 17 anos, Mário foi para Belém prestar exames no Ginásio Paes de Carvalho e concluir o curso de humanidades, primeiramente no colégio de Carmo, interno e, depois, externo no Colégio Nazaré. Seguiu então para o Rio de Janeiro onde cursou a Faculdade de Direito e a de Engenharia, na Escola Politécnica Nacional. Ao fim do primeiro ano, desistiu do Direito e da Engenharia para matricular-se na Escola Militar do Realengo, em 1924.

Durante o curso na Escola Militar, o Cadete Imbiriba foi colega de um primo de Oriximiná, o também Cadete Renato Imbiriba Guerreiro, que depois chegaria a General. Renato freqüentava a casa de uma tia que vivia no Rio de Janeiro, Beatriz Meireles Machado Lalor, filha do Dr. Manoel Francisco Machado, Barão do Solimões, de Óbidos. A tia de Renato era viúva do Comandante do Lloyd Brasileiro Pedro Lalor de quem tivera uma filha cujo nome era também Beatriz. Em uma das visitas de Renato, Mário o acompanhou e conheceu a bela Beatriz. Os dois se apaixonaram em típico caso de amor à primeira vista.

Declarado Aspirante em janeiro de 1928 e, no mesmo ano, Segundo Tenente, Mário serviu sucessivamente no Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Desejoso de servir em sua Amazônia, em 1930 solicitou transferência para Óbidos onde comandou a Bateria de Artilharia de Costa então ali existente.

O ano de 1930 foi importante e marcou o jovem oficial para o resto da vida. Em primeiro lugar porque, em trânsito pelo Rio de Janeiro, a caminho de Óbidos, casou-se com Beatriz que, já órfã completa, vivia com a tia materna Julieta Machado Salem. Depois, porque as convicções democráticas incutidas por Alarico Barata e a disciplina militar o mantiveram legalista em oposição à revolução de Getulio Vargas vitoriosa em 1930.

Desde o final do Império, o Exército Brasileiro fora grandemente politizado pelas idéias positivistas. Após a Primeira Grande Guerra essa politização adotou ideologia socialista e nacionalista, a mistura que conduziu Itália e Alemanha ao fascismo e ao nazismo. O Tenentismo - cujos expoentes foram Eduardo Gomes, Juarez Távora, Juracy Magalhães e Luiz Carlos Prestes - representava essa tendência. Facção menor tomava o rumo do comunismo ao qual Luiz Carlos aderiu já na dissolução da Coluna Prestes. No entanto, a maioria da oficialidade era convicta de que o Exército tinha a missão única de estar sempre preparado para defender a nação brasileira e deveria manter postura legalista e apolítica. O Tenente Imbiriba pertencia a esse grupo moderado e majoritário.

A Revolução da Aliança Liberal estava consolidada. Getulio Vargas governava discricionariamente e se recusava a restabelecer a Constituição da República. No ano seguinte, 1931, atendendo a pedido do antigo mestre, Dr. Alarico Barata, então Promotor Público naquela cidade, o comandante da Fortaleza de Óbidos, Tenente Imbiriba, garantiu manifestação popular pacífica pela redemocratização do país. Este fato lhe angariou ódio eterno do Tenente Joaquim de Magalhães Cardoso Barata, Interventor no Estado do Pará. Avisado pelo Sargento Delegado de Polícia de Óbidos, Barata telegrafou de Belém ao Ministro da Guerra e o Tenente Imbiriba foi imediatamente transferido para o Rio de Janeiro.

Mário passou o resto de 1931, politicamente neutralizado, cursando a Escola de Educação Física do Exército. Quando a Revolução Constitucionalista rebentou em São Paulo, em 1932, o jovem tenente, então servindo na Fortaleza de Santa Cruz, revoltado com o Governo Provisório, foi um dos próceres do movimento no Rio de Janeiro.

Derrotados, todos os militares constitucionalistas foram afastados do Exército, sem vencimentos. Agora civil, Mário Fernandes Imbiriba, em vésperas do nascimento de sua filha Nely, ministrava aulas de educação física, vendia publicações de Engenharia e escrevia artigos eventuais para jornais do Rio de Janeiro. Em busca de nova profissão, retornou à Faculdade Nacional de Direito.

Somente retornou ao Exército com a anistia de 1934. Levado pelo amor à sua Amazônia, pediu para servir em Óbidos. Foi imediatamente atendido uma vez que todos os anistiados, “antigetulistas”, eram transferidos para os mais remotos destacamentos. Permaneceu pouco tempo na Amazônia. Ao final desse mesmo ano foi tardiamente promovido a capitão e comissionado para comandar uma bateria no 4º Regimento de Artilharia estacionado em São Paulo, na cidade de Itu.

Partiu de Óbidos e, enquanto aguardava o navio do Lloyd, em Belém, o casal Imbiriba foi abençoado com a chegada da filha Eunice. Embora o bebê inspirasse cuidados médicos, embarcou para seu novo cargo. Já em Itu, enquanto exercitava seus soldados em alto grau de adestramento, o que lhe angariou elogios, treinava o filho mais velho, então com seis anos, nas artes da equitação e terminava de escrever “Batalhas Estéticas”, livro sobre estratégia militar apreciado por destacados chefes militares e adotado na Escola Militar.

Ainda naquela cidade do interior paulista, soube da Intentona Comunista de 1935 e do assassinato, no Rio de Janeiro e no Nordeste, de vários oficiais ex-colegas da Escola Militar. A Intentona tornou a oficialidade do Exército Brasileiro radicalmente contra o Comunismo. Esse antagonismo só foi mitigado após a Segunda Grande Guerra devido à resistência da União Soviética ao nazismo e à propaganda do Comintern.

O Capitão Imbiriba e a esposa ouviam radio na residência do casal, em Itu, quando o programa musical foi interrompido pela noticia do Estado Novo. A Constituição de 1934 foi abolida e o retorno do país à Democracia adiado indefinidamente. A permanência do General Góes Monteiro no Comando do Estado Maior do Exército mantinha barreiras à carreira do jovem oficial de artilharia e a influência de Magalhães Barata no Pará impedia qualquer aproximação com a Amazônia. O “putsch” da Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado, em 1937, promoveu ainda maior repressão pelo Estado Novo.

Os anos passados em Itu trouxeram também muitas alegrias ao jovem casal, fizeram extenso rol de amigos, compraram o primeiro automóvel e tiveram o quarto e quinto filhos, Antonio Fernando e Mário Filho. No entanto, a peripatética vida militar obrigou a transferência para o Recife.

Para vencer as barreiras políticas, o Capitão Imbiriba empenhava-se a fundo no aperfeiçoamento profissional, o que lhe rendia efusivos elogios dos chefes imediatos. Assim foi sua atuação como Chefe do Material Bélico da 4ª Região Militar sediada no Recife, quando ali serviu nos anos de 1938 a 1940.

A estada do Capitão Imbiriba no Nordeste foi profícua, do ponto de vista cultural, pelas amizades que estabeleceu com intelectuais do porte de Luiz da Câmara Cascudo e Gilberto Freire, freqüentemente visitado em seu engenho de Apipucos. Tornou-se como membro do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco e publicou “Instrução Moral e Cívica do Soldado” que teve grande repercussão nas Forças Armadas. Em 1939, nasceu no Recife o sexto filho, João.

Em 1º de setembro de 1939 rebentara a Segunda Grande Guerra e o Capitão Imbiriba foi matriculado no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais na Escola das Armas no Rio de Janeiro no início de 1940. No ano seguinte, foi servir no 1º Regimento de Artilharia Montada, na Vila Militar, na mesma cidade. Em 1943, com vistas ao futuro envio de tropas brasileiras para o front europeu, foi destacado para estágio no US Army, diplomando-se pela Field Artillery School em Oklahoma, Estados Unidos da América. Ao retornar ao Brasil, solicitou engajamento na Força Expedicionária Brasileira e aguardava nomeação quando terminou a Segunda Grande Guerra na Europa.

Durante esse período nasceram os filhos Pedro Paulo, José Luiz e Miguel Agostinho. O numeroso círculo de amizades foi ampliado e o Capitão Imbiriba estabeleceu relações de compadrio com o então Coronel Ângelo Mendes de Moraes, que depois viria a ser Marechal e Prefeito do Distrito Federal, em cuja administração foi construído o Estádio do Maracanã, padrinho de José, bem como, com o General Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra e futuro Presidente da República, padrinho de Miguel.

Nessa época, preocupado com a dificuldade dos adolescentes em escolher suas futuras profissões, escreveu as “Estórias Vocacionais”, maravilhosamente desenhadas em quadrinhos por Oswaldo Storni, publicada por vários anos pela revista juvenil O Tico Tico. O casal já tinha nove filhos, inclusive o afilhado do General Dutra que, ao pedido do capitão-compadre, respondeu: “o que tu vais fazer na guerra com tanto filho pra criar?” Desde os episódios de 1932, Mário fora continuamente preterido nas promoções. Percebia agora indícios de que antigas barreiras eram demolidas pelo relacionamento com importantes figuras da hierarquia militar. Contribuição ainda mais importante para essa mudança foram os ventos da redemocratização que sopravam em uma nação cujos filhos eram mandados à Europa lutar contra ditadores, ventos que se tornaram tormenta e derrubaram Vargas em 1945.

Fernando de Noronha, um arquipélago perdido no meio do Atlântico, desde o século XVIII fora apenas uma colônia penal de Pernambuco, como agora o era do Estado Novo. Por sua posição estratégica, em 1942 foi transformado em Território Federal. Sua administração militar rapidamente o guarneceu com tropas do Exército, Marinha e Aeronáutica, inclusive do Exército dos Estados Unidos que construíra e mantinha o aeroporto essencial ao apoio da ponte aérea Natal – Dakar. Ao final da guerra o contingente comandada pelo General Ângelo Mendes de Moraes chegou a mais de cinco mil homens.

A guerra na Europa terminara em 7 de maio de 1945. Num encontro fortuito na rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, Mendes de Moraes perguntou ao Capitão Imbiriba se aceitaria substitui-lo em Fernando de Noronha. A pergunta era na realidade uma ordem e dias depois o capitão foi promovido a major e o Ditador Vargas assinou a nomeação do primeiro governador civil, acumulando o comando militar, do Território de Fernando de Noronha. Quando o Major Imbiriba assumiu o cargo de Governador, o efetivo fora reduzido a uma bateria de costa. A FAB se preparava para assumir o aeroporto ainda controlado pelos norte-americanos e o abastecimento do arquipélago era realizado pelo Lloyd em viagens mensais entre Recife e Fernando de Noronha do pequeno cargueiro Tupyara.

Apesar de federalizado desde 1942, ainda restavam nas ilhas mais de cem criminosos condenados pela Justiça de Pernambuco. Os presos políticos foram anistiados em 1945. O numeroso contingente durante a guerra devastara a ilha, dizimando as cabras selvagens deixadas pelos colonizadores há séculos. O aspecto e as condições de vida eram desoladores. Apesar disto a beleza da costa e do relevo a mantinham como jóia incomparável do Atlântico.

O novo Governador devolveu a Pernambuco os seus condenados e desenvolveu intenso programa de melhoria nas condições de vida dos ilhéus, estabeleceu o antes inexistente sistema de ensino, construiu estradas, abastecimento de água e energia elétrica, proporcionando novas oportunidades à incipiente economia do Território.

Para que houvesse, pelo menos, o ensino primário D. Beatriz, a Primeira Dama do Território de Fernando de Noronha, assumiu o papel de fundadora, diretora e professora da única escola das ilhas. Os três filhos mais velhos foram matriculados em colégios do Recife, em regime de internato, indo a Fernando de Noronha apenas nas férias, o que era para eles pura delícia.

O décimo rebento do casal, a filha Maria Avelina, nasceu no Recife em 1946. Durante o período em que serviu em Fernando de Noronha, Mário escreveu “O Elogio da Riqueza”, livro em promovia o espírito empreendedor como forma de dinamizar a economia nordestina fortemente dependente da monocultura canavieira. Sobre o assunto proferiu inúmeras conferências em todo o Nordeste.

Apesar dos inúmeros elogios por seu profissionalismo com palavras como “oficial dedicado”, “comandante completo e excepcional”, “disciplinado e dotado de grande capacidade de trabalho e acentuado espírito de soldado”, “não obstante os elevados encargos de família de que é chefe exemplar”, sua carreira mais uma vez foi ameaçada quando Getulio Vargas ganhou as eleições em outubro de 1950 e assumiu a Presidência em janeiro de 1951. Suas promoções durante o governo getulista foram sempre tardias e recebeu do Exército Brasileiro apenas as medalhas e passadeiras por tempo de serviço. No entanto, o governo Português o agraciou com a maior condecoração concedida a estrangeiros, a comenda de Grande Oficial da Ordem de Cristo.

Por essa época, Felisberto Camargo, paraense visionário e empreendedor, imaginava importar do Paquistão alguns exemplares de Zebu com os quais desejava incrementar a pecuária amazônica. A dificuldade estava em encontrar local adequado para a necessária quarentena. O conterrâneo Major Imbiriba colaborou de forma decisiva, tomando as necessárias providências e deixando, ao se afastar do governo do Território, tudo preparado e acertado para recebimento e cuidados com o plantel sindi naquele arquipélago.

Ao término da missão em Fernando de Noronha, apesar de ser Vargas o Presidente, influentes amigos ofereceram ao recém promovido Tenente-Coronel Imbiriba o posto de Adido Militar junto ao Governo Canadense. Mário recusou por dois motivos. Não correria o risco de ser humilhado com a recusa de Vargas em assinar o decreto de nomeação de alguém tão ligado ao ex-presidente Dutra, seu desafeto desde 1945 quando, empolgado com o movimento “queremista” tentou torpedear a candidatura Dutra à Presidência, o que, aliás, foi um dos motivos de sua queda. Além disto, Mário já havia se decidido a trilhar outros caminhos e, após 33 anos de serviços dedicados à Pátria, interrompeu sua carreira militar. Pediu transferência para a Reserva e se transferiu com toda a família, já tinham então dez filhos, para Santarém, aonde chegaram a 5 de novembro de 1951. O grande amor pela terra natal o levava a dedicar ao serviço de Santarém e da Amazônia suas energias de homem maduro, culto, experiente e bem relacionado.

A primeira providência era restaurar os bens deixados pelo pai e repartidas entre os irmãos Umberto, Mimi e Mário, cabendo a este casas na cidade e terras no Igarapé-açu, fazenda Nossa Senhora dos Remédios, em frente a Sentarem e no rio Arapiuns, Fazenda São José do Lago da Praia. Ao tempo do velho Gonçalo, as terras firmes do Lago da Praia se estendiam até a várzea do Lago Grande do Curuái, facilitando o manejo do gado entre cheias e vazantes. Após a partilha, as terras do Lago Grande foram parar em mãos de terceiros. Agora a criação teria que ser transportada dos Remédios para o Lago da Praia e vice-versa. Os primeiros dois anos foram gastos na compra do novo plantel de novilhas e touros, preparação do terreno, plantio de capim, construção de cercas, marombas, currais e casas. Outra atividade foi a fábrica de refrigerantes, pioneira na cidade.

A alegria do retorno às origens amazônicas certamente provocou novo ímpeto amoroso ao casal Mário e Beatriz, esta já com quarenta e três anos, resultando, em julho de 1952 no nascimento do caçula de onze filhos, o belo bebê Ney Floriano.

Um dos primeiros projetos de sua iniciativa envolvendo o empresariado local foi a fundação da Empresa Telefônica de Santarém, da qual foi o primeiro signatário e sócio-gerente, envolvendo-se em árduo trabalho de convencimento dos comerciantes, sempre descrentes, que recusavam o convite de participação com a desculpa “pra que telefone se tenho moleque de recados?” No entanto, com a parceria dos amigos Meschede, Serruya, Malheiros, Loureiro, Moraes, Tuji, Iida e outros, batendo de porta em porta, conseguiu preencher as duzentas cotas de capital correspondentes ao número dos primeiros telefones instalados na cidade. A moderníssima central telefônica automática foi instalada no sobrado da família Branco, na esquina de Siqueira Campos com Mártires, em 1954.

Por toda sua vida, desde que partira de Santarém em busca do conhecimento e da realização profissional, Mário manteve a lembrança saudosa e nostálgica de sua terra natal e, mais do que isso, a ambição de contribuir para seu aperfeiçoamento cultural, desenvolvimento econômico e equalização social. Para isto, se preparou, se educou e, apoiado em saber enciclopédico, adquiriu vasta erudição sobre temas geopolíticos. Além disto, estabeleceu relações de amizades importantes nos meios empresarial, acadêmico, militar, religioso e político.

Neste aspecto, apenas para citar alguns exemplos, Mário teve como amigos e até compadres, o senador Áureo de Moura Andrade, grande pecuarista e Presidente do Senado Federal; o príncipe Dom Pedro de Orleans e Bragança a quem recomendou como assessor outro amigo, o intelectual pernambucano Guilherme Hauler; Gilberto Freire, freqüentemente visitado em Apipucos; Luiz da Câmara Cascudo a quem, indo a Natal, fui encarregado de levar abraço fraterno; Castelo Branco, seu instrutor na Escola Militar; os compadres Ângelo Mendes de Moraes e Eurico Gaspar Dutra; o senador Lameira Bitencourt. A lista é muito grande. Os inimigos foram poucos, entre estes, Góes Monteiro e Magalhães Barata.

Ao retornar a Santarém, Mário tentou aproximar-se de Barata. Desejava o bem de sua terra, mais do que tudo e imaginava que poderia ajudar o Governador. A recepção foi fria. O espírito caudilhesco de Barata não admitiria o risco de que quem lhe pudesse diminuir a áurea de chefe supremo. Ai encontram-se as razões de sua breve permanência no PSD e da fundação do Partido Democrata Cristão em Santarém, com apoio do amigo Franco Montoro. O PDC trazia uma ideologia compatível com seu espírito cristão e democrata baseada nas encíclicas sociais. Era uma oportunidade de oferecer ao eleitorado propostas concretas, entre as quais, o compromisso de trazer para Santarém um batalhão de engenharia do Exército Brasileiro para dar início à tão sonhada estrada Cuiabá-Santarém.

Em 1954, Mario propôs a instalação de batalhões rodoviários em Cuiabá e Santarém para construírem essa estrada e, pelo resto da vida, dedicou seus dias a esse ideal. Em 1968, sabedor de que os 2º e 3º Batalhões Rodoviários, sediados respectivamente em Lages (SC) e em Carazinho (RS), haviam completado suas missões, pediu ao Comandante da 8º Região Militar, General Dirceu Araújo Nogueira, que solicitasse ao Ministro da Guerra que essas unidades recebessem a missão de construir a estrada. Para reforçar o pedido, Mário foi ao Rio de Janeiro visitar seu amigo e compadre, o mato-grossense e ex-presidente Eurico Gaspar Dutra, a quem solicitou que interferisse na questão. Sou testemunha dessa entrevista. O velho marechal, percebendo o alcance do pedido para seu estado natal e para o Brasil, foi imediatamente ao telefone falar ao Presidente Costa e Silva. O resto é história. Os 2º e 3º BRs foram transformados em 8º e 9º BECs. A rodovia foi construída, embora importantes trechos permaneçam inacabados.

Minha irmã Eunice Imbiriba Corrêa me fez a honra de presentear com documento que recebera de nossa mãe há mais de trinta anos. Esse documento tem valor histórico uma vez que relata a persistente luta do Coronel Mário Fernandes Imbiriba pela Santarém-Cuiabá, que levou duas décadas até se concretizar.

Desde o início da década de 1950 buscava ele um benefício multifacetado para a região do Tapajós, o acantonamento de um Batalhão Rodoviário do Exército Brasileiro em Santarém o qual iria construir a tão sonhada estrada, enriquecer a economia local com os soldos militares e arejar a cultura e a sociedade locais com a presença de efetivos oriundos de outras regiões do país.

A seguir, reproduzo o documento citado, trecho da palestra pronunciada na Rádio Rural de Santarém em 3/09/1970 na qual Mário se regozija pela chegada em Santarém do 8º BEC.

“Quando se faz história, a sinceridade se justifica. Não me constranjo em fazer referência à minha pessoa, tratando-se de fato de tanta relevância para nossa terra. Todos os meus queridos conterrâneos tem ciência de que em 1954, quando candidato a prefeito, em plataforma impressa e largamente distribuída, dizia que pleitearia a vinda de um Batalhão Rodoviário, com o fim de construir estradas e a Santarém-Cuiabá.

Desde então, nunca deixei de trabalhar para conseguir isso, sem alarde, silencioso, mas efetivamente, em entrevistas à imprensa, cartas, contatos com ministros e, insistentemente, solicitando aos comandos da 8ª Região Militar que fosse incluída na proposta orçamentária do efetivo um Batalhão Rodoviário para Santarém.

Em 1968 pedia justamente ao General Dirceu Araújo Nogueira, então comandante da Região, essa inclusão. O general, homem culto e inteligente, prontamente aquiesceu. Procurei logo fazer ligação por baixo com o chefe da Primeira Seção, Major Ivan Ribeiro Barbosa, transmitindo o pensamento do Comandante da Região. Esse oficial entusiasmou-se e argumentou que já existia um tirante, a Belém-Brasília, puxando a leste; outro, a Acre-Brasília, puxando a Oeste e, para integrar o bolsão que entre esses extremos estava flutuando, impunha-se, de fato, a construção da Santarém-Cuiabá e prometeu-me fazer um expediente propondo a transferência de um batalhão que estava em fim de missão no Sul, atendendo à ordem do Comandante.

Em 1969 reiterei o pedido ao General Rodrigo Otávio, personalidade perfeitamente integrada nos problemas da Amazônia. Tive o mais entusiasta apoio.

Mas é de justiça também salientar a ação decisiva do grande Presidente Marechal Eurico Gaspar Dutra, para quem apelei. Apesar de estar na inatividade, como mato-grossense, viu o significado da idéia e, com seu grande prestígio, fez gestões nas altas esferas governamentais.

E, anteontem, pude ver com grande emoção o coroamento de tão grandes esforços.”

Apesar de sua inteligência, cultura e vivência, Mário era, no fundo, um ingênuo em coisas da política. Sua candidatura a prefeito de Santarém em 1954, enfrentando o candidato da situação, sofreu todos os tropeços da malícia e até da maldade usuais nos processos político-eleitorais. Por um lado, o eleitorado não era suficientemente educado para entender as propostas do Coronel Mário e do PDC. Por outro, ainda imperavam todos os costumes da compra de votos e dos currais eleitorais.

Não era pelo caminho político que Mário poderia atender seus anseios de servir. Lançou-se, então ao trabalho de tentar influir os políticos, os empresários e, de modo geral, as lideranças estabelecidas, de tal forma que os resultados aparecessem da maneira que fosse possível. Algumas vezes foi feliz, outras não. Alguns procuravam seu conselho. Kotaro Tuji foi um deles. Conversavam sobre a usina geradora de eletricidade para a TECEJUTA. Mário tinha a experiência da implantação da usina de força em Fernando de Noronha. Devido à convicção de que a principal fonte de energia teria que ser a hidroelétrica do Palhão, o investimento deveria se concentrar na planta fabril, projetando-se os geradores apenas para o funcionamento inicial e para emergências.

Na realidade, no entender de Mário, a alternativa para a usina do Palhão, no rio Curuá-una, deveria ser constituída por turbinas a vapor cujas caldeiras teriam lenha por combustível. Seu raciocínio partia da constatação de que, de qualquer forma, a lenha era queimada no preparo das roças. Se houvesse demanda substancial para a lenha, ao invés de queimar a floresta o pequeno agricultor obteria renda adicional, não estragaria o solo e o dinheiro circularia localmente. Tal não seria o caso sendo óleo diesel o combustível.

De qualquer forma, Mário era defensor intransigente da hidroelétrica do Palhão, assim como a de que o Brasil deveria iniciar um esforço nacional de duas gerações na construção de hidroelétricas em todos os desníveis apropriados, principalmente próximo às cabeceiras, sempre equipadas com eclusas, de modo a estabelecer rede hidroviária cobrindo a Amazônia e atingindo todos os núcleos populacionais iniciados nos canteiros de obras das barragens. Deste modo, imaginava o grande visionário, seria possível povoar a Amazônia provendo, desde logo, o insumo básico de qualquer projeto de desenvolvimento, a energia elétrica. Em seu projeto as estradas seriam apenas vicinais às vilas e pequenas cidades. O escoamento da produção seria por hidrovia e as pessoas transportadas por via aérea. Mário antevia e pretendia evitar o impacto das longas estradas sobre a floresta. A exceção, naturalmente, era a Cuiabá-Santarém.

Reminicências do Autor relativas ao Biografado

Ginete aos dois anos
O sol se filtrava obliquamente numa tarde de nuvens chovidas pela manhã. Diante da fortaleza de Óbidos o solo estava seco mas não havia poeira e o capim brilhava um verde regado há pouco. A linda e alva jovem, de cabelos escuros, resplandecia na janela do sobrado e dizia coisas alegres ao esbelto cavaleiro que, diante do portão em arco, segurava ao colo, sobre o cabeçote do selim, o filho do casal, uma criança, um bebê de dois anos.

No momento seguinte, a criança está sozinha sobre a sela de outra montaria e a mãe faz algum som nervoso com a boca. O cavalo sai a trote e a criança cai.

As imagens eu as vejo em todas as cores, vivas e presentes. Mas não me lembro da queda, nem da dor, nem do choro. Eu tinha apenas dois anos e dizem que não se guarda lembranças dessa idade. Possivelmente é um misto de memória real e recordação induzida pelo relato dos adultos. De qualquer forma, é cena viva em minhas lembranças.

A escadaria de Laranjeiras
Quem sabe, eu tivesse entre três e quatro anos. Lembro de um portão de ferro e uma escada cinza ladeada de um muro cinza. Minha mãe me diz que era onde moramos um tempo em Laranjeiras.

Homem não beija homem
Com certeza não era festa de carnaval, mas era uma festa e era de noite. Pessoas circulavam pelo salão. Minha mãe, meu pai e uns amigos sentavam-se em cadeiras enfileiradas de costas para a parede. Eu teria cerca de cinco anos e sei que estávamos em Itú. Alguém pediu-me um beijo e eu comecei a beijar a todos. Quando chegou a vez do meu pai, o único homem da beijação, ele me disse: “homem não beija homem”. Fiquei desapontado e ele completou: “mas pai pode”. e me deixou beijá-lo. Jamais o beijei, depois disso, até que eu, adulto, já casado e com filhos, comentasse com ele a lembrança remota. Então nos comovemos e nos beijamos. No rosto.

O primeiro automóvel da família
Um capitão ganha muito pouco. Era o que se ouvia de meu pai quando minha mãe queria comprar qualquer coisa ou quando eu pedia uma bicicleta. E o dinheiro ficava cada vez menor porque a família crescia cada vez mais. Minha mãe estava em vésperas do quinto filho. Mas meu pai, além do soldo militar, escrevia, colaborava em revistas e até ganhava umas comissões vendendo algumas publicações técnicas. Um belo dia apareceu ele com um automóvel, um belo Ford 1936, carro do ano, novinho em folha, comprado a prestação. Pudemos, então, ir a Salto, a Campinas e, até mesmo, a São Paulo. Foi uma grande alegria e, mais do que isso, para uma família do interior, uma grande liberdade.

Jabuticabas
Foi graças ao automóvel. Uma bela manhã de domingo meu pai colocou a família toda dentro do carro e saiu por estradas poeirentas no rumo do sítio de um amigo. Chegamos por volta das dez e logo fizemos amizade com as crianças da propriedade. Eu nunca tinha visto um jabuticabal, nem mesmo uma jabuticabeira. Talvez nunca tivesse visto uma jabuticaba. É coisa linda de ver. Imagine só um bando de crianças a correr por entre as árvores, arrancando jabuticabas, enchendo a boca com um monte delas e jogando sementes uns nos outros, na maior algazarra. Não pudemos almoçar, empanturrados. Fartamo-nos de jabuticabas. Nuca mais comi tantas, nem tão bonitas, nem tão doces. Minhas primeiras jabuticabas. Ainda sinto o sabor.

Ceia inesperada
Meu pai e um amigo iam no banco da frente. Eu, sozinho, no de traz. Depois de um pequeno acidente em que meu pai, para desviar de qualquer coisa que vira na estrada, foi parar com o carro numa vala, chegamos sãos e salvos à grande cidade.

Era natal, 1936 ou 37. Fomos a muitos magazines cheios de gente e, principalmente, de brinquedos. Meu pai e o amigo saiam das lojas com braçadas de embrulhos que depositavam no carro e logo retornavam a novas compras nos bazares. Eu ia atrás, atento, admirado. Um encantamento para quem tinha seis anos de idade, matutozinho de Itu, nas luzes de São Paulo.

Depois das compras, fizemos uma refeição num grande restaurante onde os garçons equilibravam acima dos ombros bandejas cheias de copos de chope. Um espetáculo de circo. Finalmente, seguimos viagem, já no começo da noite. Cansado, eu cochilava. Naquele tempo a estrada não era asfaltada e a trepidação não me permitia dormir profundamente. De repente, um baque surdo me fez despertar. Julguei que, novamente, seriamos atirados à vala. Meu pai acionou os freios com violência. Com o carro parado, ficou a assuntar com o companheiro o que teria sido. Resolveram saltar do carro e verificar. Trouxeram um bicho. Estava morto. O choque o matara. Não sangrava. Não fora esmagado pelos pneus. Colocaram, o animal no porta-malas e seguimos viagem. Meu pai ia muito contente. Chegamos altas horas. O sono tinha vencido, finalmente. Fui carregado para a cama.

Não vi os abrirem e tratarem a caça inesperada. Não me deixaram ver. Mas assisti meus pais confabularem sobre a melhor maneira de prepará-la. Resolveram pô-la em vinha d’alho o dia inteiro. Não me lembro do gosto. Sei apenas que era muito saboroso. Naquele ano tivemos tatu asado na ceia de natal.

O carro enlameado
Meu pai ficou irritado e passou algum tempo resmungando. Desta vez estávamos a família toda, meus pais, eu, minhas irmãs e o bebê de colo. Tínhamos chegado a São Paulo num final de tarde e meu pai estacionou o Ford bem defronte do restaurante. A estrada de terra desde Itu, enlameada, fizera um belo serviço no carro, todo sujo de barro. Veio um preto, e perguntou a meu pai se queria que lavasse o carro. A resposta foi negativa, possivelmente porque a viagem de volta faria estrago semelhante, o que exigiria nova lavagem. O preto nos chamou de roceiros, ignorantes, que não sabíamos ter automóvel para andar na cidade. Falou e foi andando, se afastando. Meu pai se ofendeu. Botou as mãos nas ancas e encarou sério o ofensor. Mas não passou disto. Minha mãe acalmou-o. Acabamos todos rindo. Entramos no restaurante nos chamando de caipiras, carregando no sotaque de Itu.

Bolo inglês
Sei que herdei de meus pais o gosto por coisas finas e bem feitas. Os dois sempre trocavam opinião sobre como preparar este ou aquele prato. Uma ocasião minha mãe foi presenteada com um livro de receitas de autora chamada Maria Teresa, se não me engano. Para uma família da classe média, com orçamento apertado, a receita do bolo inglês tinha uma lista de ingredientes bastante dispendiosa, a começar pelo vinho do Porto e a grande quantidade de ovos. Mas era o bolo preferido de todos. Assim, mamãe se esmerava a cada nova tentativa, numa verdadeira busca da perfeição. Um belo dia o bolo saiu do forno exatamente conforme as melhores expectativas. Foi uma festa. Meus pais se abraçaram e beijaram comemorando, e todos comemos com deleite. Inolvidável.

Notícia no rádio
Somente muito mais tarde vim a saber os antecedentes, os porquês. Mas naquele dia eu não entendia nada das coisas da política, os assuntos de Estado. Por isso, não conseguia compreender o misto de irritação e receio que meus pais demonstravam, de ouvidos colados ao rádio, a ouvir notícias e mais notícias. Acho que naquele dia não puseram música nas rádios ou então só tocavam marchas militares.

Meu pai era capitão de artilharia, servindo em Itu. Quando tenente, pegara em armas contra Getúlio Vargas na revolução democrática e constitucionalista de 32. Após a derrota de sua facção, esteve foragido e somente retornou ao exército após a anistia. A Constituição de 34 resultou dos acordos políticos para apaziguamento de toda a nação. Assim, era natural que em 1937, ao ser dado o golpe que derrubou a Constituição, resultou no Estado Novo e entronizou Vargas como ditador, houvesse receio de perseguições e vinganças.

Nos meus seis anos, tais assuntos, Estado Novo, democracia, ditadura, estavam fora de meu entendimento. Mas eu podia sentir perfeitamente a frustração de meu pai e o receio de minha mãe.

NOTA: Este ensaio é interrompido aqui para colher depoimentos sobre o biografado. O Autor pede contribuições e agradece a todos os que desejarem depor sobre a vida e as circunstâncias do Coronel Mario F. Imbiriba.

* Artigo publicado em O Estado do Tapajós, jornal diário de Santarém, Pará, onde Autor (75) escreve sobre temas de interesse geral, principalmente amazônicos.

Caçador de leões do Turismo

Sebastiao Imbiriba*

José Ibanez convidou ao Luiz Barra e a mim para falarmos sobre turismo em seu programa de entrevistas que vai ao ar às dez e vinte, nas terças-feiras, na TV Amazônia, canal 7. O superintendente do Aeroporto de Santarém, que agora ostenta o nome do maestro Wilson Fonseca, com a proficiência que lhe é peculiar, no colocou a par do programa da Infraero para a construção da nova estação de passageiros que triplicará a capacidade da obsoleta estação atual.

Segundo Barra, o projeto a ser desenvolvido por arquitetos e engenheiros da própria Infraero, já tem verba alocada no orçamento da autarquia. No entanto, o custeio da construção, que deverá durar de quatro a cinco anos, depende de alocações no orçamento da União. Isto depende de articulação política, de empenho de nossos representantes no Congresso Nacional. Se o projeto ficar pronto em 2007 e a verba for alocada em 2008 para o orçamento de 2009, talvez tenhamos o novo aeroporto em 2013 ou 14.

Mesmo assim, o aeroporto continuará apenas como alternativa em emergências para vôos internacionais cujos tripulantes e passageiros devem permanecer a bordo. Desta forma, não poderá receber vôos diretos de outros países, nem de linha, nem charters. As dificuldades para que isto ocorra são muitas e importantes.

Louvo o esforço e a dedicação de Luiz Barra em promover, sozinho, a construção da nova estação. O projeto era de expansão da atual. Barra convenceu a Infraero de que seria muito memelhor construir a nova. Vale a pena esperar, embora, até 2013, tenhamos que sofrer o inferno da crescente superlotação de nosso aeroporto.

Quem assistiu a entrevista colheu de Luiz Barra estas e outras informações importantes e úteis para melhor visualizar os horizontes do turismo regional. Parabéns a ele. Todos desejamos a vinda de turistas, muitos turistas, oriundos de toda parte, do Brasil e do exterior. Só que o turismo é encarado como algo imediato, quando é atividade com maturação de longo prazo. O esquema político-eleitoral quadrienal, incentivador de interesses imediatistas, descarta planejamento de longo alcance, cujos frutos serão colhidos por outros, em favor de rendimento eleitoral de rápido retorno.

É necessário que o mercado mostre sua força, que a demanda obrigue a tomada de decisões políticas. Para isto, entretanto, é necessário transformar atrativo em produto e vendê-lo. Vender o produto e atender satisfatoriamente o comprador. Quando isto é realizado, cria-se a moda do destino e este é procurado, a demanda cresce, com ela são atraídos os empreendedores e investidores.

Costumo contar a seguinte estória. Certa tribo africana desesperava-se com leões que devoravam suas rezes e sua gente. A tribo passava fome e perdia parentes. Os anciãos resolveram, então, anunciar no New York Times: “Precisa-se caçador de leões”. Não é toda hora que alguém se dispõe a enfrentar leões. O tempo passou até que um sem emprego, sem alternativa e sem tino, se apresentou. Foi contratado na hora e partiu para a floresta. Daqui a pouco vem ele correndo desabaladamente, apavorado, com o leão em seu encalço pronto a abocanha-lo. O caçador entra por uma porta, sai por outra e grita para os africanos: “segura este que vou buscar outro”.

Marketing e venda é exatamente isto. Primeiro, tem que ter o atrativo, a comida do leão, depois, ir buscar o leão, finalmente, cuidar do leão. O leão é o turista, o passageiro, o hóspede, o comprador de artesanato, o freguês do restaurante. Se não seguras o leão, isto é, não sabes cuidar do cliente, não te educas, não te estruturas para isto, o leão passa e vai embora devorando tuas entranhas, falando mal de ti, de teu negócio, de tua cidade.

O caçador representa duas figuras, a do super-vendedor que atrai clientes, cuja função não é a de cuidar deles, senão a de ir em busca de novos compradores e a do vendedor na ponta, na agência emissiva, com tantos produtos para vender que não entende qualquer deles, muito menos o teu e põe a perder todo teu esforço de publicidade, merchandising e relações públicas.

Outros estados formaram suas respectivas culturas de Turismo. Amazonas é prova disto. O Pará ainda não encontrou seu estilo de produzir turismo. O Pólo Tapajós e Santarém, em particular, muito menos. Pessoas que entendem pelo menos um pouco de turismo, como Val, da Santarém Tur e Gabriel, da Amazon Planet, nos deixaram por não vislumbrarem horizontes. O sistema não funciona. Necessitamos mentalidades mais abertas, necessitamos de mais ação, de super-vendedores para iniciar a criação da demanda, de planejadores para ordenar as ações, desde a captação, pelo atendimento, ao despacho e ao follow-up.

Precisamos de profissionalismo. O que vemos, por enquanto, é diletantismo desinteressado e displicente. Estamos entregues aos leões."


* Artigo publicado em O Estado do Tapajós, jornal diário de Santarém, Pará, onde Autor (75) escreve sobre temas de interesse geral, principalmente amazônicos.