26 de junho de 2012

Rio +20, Parte VI – Final, fracasso ou sucesso


É inegável que a Rio +20 foi um grande sucesso de organização e de público, pelo menos em quantidade, uma vez que os presidentes das principais potências econômicas e poluidoras, Estados Unidos e China, exatamente as que mais e melhor poderiam contribuir, se escusaram de vir ao Rio de Janeiro. Portanto, o documento final da conferência retratou o consenso possível, o que não deixa de ter relevância, mesmo porque, embora desacompanhados de cronograma e metas financeiras, contém assuntos antes evitados em reuniões semelhantes.

O fato mais relevante é que os temas climáticos foram quase totalmente suprimidos das discussões e que a ênfase recaiu sobre a sustentabilidade e equalização do desenvolvimento. O Mundo demonstrou que quer e precisa se desenvolver igualmente por todos os povos, ao mesmo tempo em que reconhece a exiguidade dos recursos utilizáveis pela tecnologia atual.

Para formar ideia da predominância dada ao desenvolvimento sobre o clima podemos ver a lista dos temas do Fórum de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Sustentável realizado na PUC-RJ com a presença de cientistas de inúmeros países, todos enfocando os diversos aspectos da sustentabilidade em diversas áreas. A única exceção foi a palestra de Carlos Nobre sobre Mudanças climáticas. E isto foi apenas a replicação do que ocorreu no Riocentro e no Parque do Flamengo.

Dogmas de fé ecológicos, que apontam a ação do Homem como o pecado que muda o clima global, mas jamais aceitos por nações poluidoras e consumidoras de recursos não renováveis, e agora mais fortemente contestados por teorias científicas, são abandonados por alguns de seus fiéis menos convictos e substituídos pela constatação nua e crua da destruição do meio ambiente local, todos os ambientes locais, pelo uso equivocado da natureza.

A antiga verdade - nova descoberta para muitos - é que são as pequenas ações destruidoras em diminutas porções do meio ambiente que causam os grandes problemas com os quais se depara a Humanidade. Cada um de nós, individual ou coletivamente, reunidos em lares, vilas, cidades e metrópoles, pequenas oficinas, fábricas, usinas, refinarias e grandes indústrias, hortas, ortos e jardins, pequenas chácaras, sítios e grandes fazendas, pequenos açudes e grandes represas, pequenos canais e grandes redes de irrigação, está a cada momento colocando em risco a Humanidade toda. É o somatório dessas insignificantes ações que nos coloca em risco maior, e nos afeta em maior número do que, por si sós, os fenômenos naturais poderiam fazer.

Quando ocupamos margens de rios ou encostas íngremes, quando garimpamos usando mercúrio, quando irrigamos com água salobra, quando desmatamos indiscriminadamente, quando cultivamos monoculturas, quando produzimos micropartículas de combustíveis fósseis e gases tóxicos de produtos químicos, quando fabricamos lixo de toda sorte e o despejamos junto com esgoto, enfim, quando emporcalhamos o mundo e a nós mesmos estamos nos oferecendo em sacrifício à vingativa e cruel deusa Natureza.

O que a Rio +20 nos aponta é nossa responsabilidade coletiva, que requer políticas, liderança e financiamento públicos, não há dúvida nenhuma, mas que começa em cada um de nós, individualmente, em nossa postura diante dos problemas de manter o capital econômico, social e cultural que já acumulamos e de sustentar e distribuir equitativamente o desenvolvimento de que a maior parte da Humanidade necessita.

Há um exemplo que já utilizei em outras partes, mas que se aplica para demonstrar os problemas da sustentabilidade. É o caso da jovem mãe tentando sustentar a vida do recém-nascido em seu colo. Ela chora desesperada ao ver o bebê definhar, mas não sabe que a criança está desidratada e que um pouco de água misturada a uma pitada de sal e três de açúcar pode salvar aquela minúscula vida. A mãe não tem instrução, não tem conhecimento, não tem informação das coisas mais simples e mais fundamentais, coisas que podem salvar vidas, a dela mesma e a de seus filhos.

O desenvolvimento sustentável e equitativo começa na educação. Não há possibilidade de desenvolvimento, muito menos sustentável ou equitativo sem conhecimento e informação, fatores indispensáveis à prática do Futuro de Queremos proposto na Rio +20.

20 de junho de 2012

Rio +20, Parte V – O futuro que queremos.


Um monte de diplomatas regiamente pagos pelos povos que constituem as Nações Unidas se reuniu por meses em Nova Iorque e agora no Rio de Janeiro para produzir uma das peças mais demagógicas e inócuas de todos os tempos. Ela se intitula “O futuro que queremos” e é o documento oferecido à apreciação da cúpula reunida na Rio +20.

Para se ter uma idéia, a peça inicia com a “Nossa Visão Comum” e seus primeiros quatro parágrafos são os seguintes:

“Nós, os Chefes de Estado e de Governo e representantes de alto nível, reunidos no Rio de Janeiro, renovamos nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável, e com a promoção de um futuro economica, social e ambientalmente sustentável para nosso planeta e para as presentes e futuras gerações”.

“Erradicar a pobreza é o maior desafio global que o mundo enfrenta hoje e requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Neste sentido estamos empenhados em libertar a humanidade da pobreza e da fome como uma questão de urgência”.

“Concordamos, portanto, com a necessidade de melhorar o desenvolvimento sustentável em todos os níveis, integrando aspectos econômicos, sociais e ambientais e reconhecendo suas interligações, de modo a alcançar o desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões”.

“Reconhecemos que erradicar a pobreza, mudar padrões de consumo e produção insustentáveis e promover os sustentáveis, proteger e gerir os recursos naturais, base do desenvolvimento econômico e social, são os objetivos primordiais e requisitos essenciais para o desenvolvimento sustentável. Também reafirmamos a necessidade de alcançar o desenvolvimento sustentável através de: promoção do crescimento económico sustentável, inclusivo e justo, criando maiores oportunidades para todos, reduzindo desigualdades, elevando padrões de vida básicos; promover eqüitativo e inclusivo desenvolvimento social; promover gestão integrada e sustentável dos recursos naturais e ecossistemas que suportam, entre outros,  o desenvolvimento económico, social e humano, e ao mesmo tempo, facilitar a conservação, regeneração, restauração e resiliência do ecossistema e diante de novos e emergentes desafios”.

Palavras bonitas, intenções maravilhosas que se extendem por 49 páginas inúteis, mas que poderiam significar muito se fossem acompanhadas dos meios de as tornar realidade.

Estou fechando esta crônica na manhã do primeiro dia de reunião dos chefes de estado no Rio Centro, portanto, no momento exato em que se iniciam os debates. Impossível saber o que os poderosos do Mundo vão fazer com esse documento. No entanto, se reis, presidentes e primeiro-ministros ainda não deram a palavra final quanto ao futuro que queremos, prefeitos das quarenta maiores metrópoles já decidiram o futuro que podemos fazer.

Tive a felicidade de visitar a exposição “Humanidade 2012” e de assistir a debates no Auditório da Humanidade, no Forte Copacabana,  onde 40 prefeitos se reuniram, mostraram o que já estão fazendo e, por fim, decidiram o que podem por si próprios fazer daqui por diante. São mediadas práticas que uns podem copiar dos outros, aperfeiçoar e passar adiante. Enorme passo à frente no caminho da sustentabilidade.

Em um intervalo da reunião dos prefeitos, me aproximei de um grupo que tomava cafezinho e discutia questões ambientais. Um deles perguntava se o aquecimento global é bom ou ruim para a humanidade e insistia em dizer que se o gelo sumisse da Groenlândia a grande ilha tornaria a justificar o nome que lhe foi dado a mil e quinhentos anos: Terra Verde. Imensas áreas, do Alaska à Groenlândia, da Noruega ao extremo Leste da Sibéria seriam abertas à agricultura e à pecuária, mais do que dobrando a extenção atual das áreas cultiváveis.

Acho o argumento interessante. Históricamente, os grandes avanços tecnológicos e cuturais da humanidade ocorreram simultaneamente com períodos de aquecimento. A temperatura elevada aumenta a velocidade e capacidade produtiva da terra, oferecendo maior quantidade de produtos a serem distribuidos, enriquecendo os povos e suas culturas. Portanto, aquecimento global, ao contrário de ser uma catástrofe, poderia ser enorme benesse para os bilhões de pessoas que se acrecentarão à atual população do Planeta nas próximas décadas.

Se alguns podem antever futuros sombrios, outros podem profetizá-los radiantes e, embora tenha sido esta apenas descompromissada conversa de cafezinho, à margem  do grande evento, acho que o tema deveria ser melhor analizado pela possibilidade de que talvez nos abra novas e brilhantes perspectivas de futuro.

14 de junho de 2012

Rio +20, Parte IV – Sustentabilidade.


Nesta quarta-feira, 13 de junho de 2012, abriu-se a Conferência Rio +20. O foco não recai sobre mudanças climáticas, mas sobre desenvolvimento sustentável. Essa expressão, sustentável, ligada a desenvolvimento, foi primeiramente usada no Clube de Roma, em 1972, por cientistas do MIT, em relatório sobre Limites ao Crescimento, onde declaram estar em busca de modelo representativo de um sistema mundial sustentável e sem colapso, capaz de satisfazer as necessidades básicas de toda sua população.

Sustentável é o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer o suprimento das gerações futuras. Esta é a definição do Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1987. Ela contém dois conceitos fundamentais: a noção de prioridade que se deve dar às necessidades básicas dos pobres do mundo todo e a dos limites do ambiente em atender essas necessidades, presentes e futuras, devido à falta de tecnologia e de adequada organização social.

Com estes fatores, o desenvolvimento humano sustentável deve ser social e economicamente equitativo, econômica e ambientalmente viável, e ambiental e socialmente suportável.

Para que isto aconteça, será necessário que o conhecimento sobre o meio ambiente se converta em tecnologias capazes de multiplicar sua capacidade de produzir bens e que a sociedade humana, isto é, o conjunto de governos, empresas e organizações de toda sorte desenvolvam métodos de repartição universal e equitativa dos bens produzidos.

Este não é um processo novo. A Humanidade já enfrentou e sobreviveu a muitos períodos de escassez. Algumas teorias sobre o crescimento populacional e dúvidas sobre a capacidade do ser humano produzir alimentos em quantidade suficiente tem sido lançadas, não apenas, como profecias aterrorizantes, mas como reificação de fatos históricos em leis naturais imutáveis que lançam dúvidas sobre o futuro da Humanidade. A resposta se encontra na quebra de barreiras tecnológicas e de governança.

A hipóteses de Thomas Malthus, em seus Ensaios de 1798 e 1803, repousam sobre dois fatores que impedem o desenvolvimento harmônico da Humanidade: o crescimento descontrolado da população aumenta em razão geométrica, enquanto os alimentos aumentam em razão aritmética. O princípio da população se baseia na lei natural da tendência da vida crescer além dos meios de nutrição, a qual se defronta com outra lei natural, a da necessidade, que reprime o crescimento, mantendo-o limitado.

Ao analisar o que diz Malthus poderíamos deduzir que a relação entre recursos escassos e população em crescimento contínuo transforma argumentos a favor do controle populacional em verdades evidentes.

Meio século mais tarde Carl Marx contestava tais verdades autoevidentes como meros argumentos reacionários, característicos da natureza da produção capitalista, uma das instâncias de como economistas burgueses reificam relações históricas, sociais, políticas e econômicas.

Talvez, tal como, no século XVIII, as classes dominantes inglesas combateram as ideias da Revolução Francesa com argumentos como os Ensaios de Malthus, as classes dominantes das economias centrais da atualidade estejam utilizando as terrificantes profecias climáticas para controlar os despossuídos do Terceiro Mundo. Não interessa às ricas nações do Norte que pobres do Sul se libertem da ignorância e da pobreza, nem que os emergentes lhes façam concorrência econômica.

As conotações ideológicas das citações de Malthus e Marx não impedem a constatação empírica do desempenho da Humanidade na crescente produção de bens em sucessivas quebras de paradigmas. O contínuo crescimento das pesquisas científicas e tecnológicas prometem produtos em abundância, melhores, inovativos, bonitos e baratos para abastecer toda a Humanidade.

E não há que temer a escassez de insumos, porquanto a própria inovação tecnológica é capaz de prover novos e melhores materiais para substituir, com vantagem, recursos naturais esgotados. E aqui nos deparamos com o verdadeiro problema, a ignorância, a falta do conhecimento e da informação capazes de gerar a tecnologia necessária aos povos ignorantes e, por isso mesmo, miseráveis do Mundo.

Este, a tecnologia, é um dos fatores, e neste, apesar de tudo, estamos indo bem. Já hoje, a produção de alimentos seria capaz de abastecer toda a população da Terra. Não o faz por falta do outro fator essencial, governança mundial adequada, que é onde a Humanidade se perde no jogo de interesses e rivalidades de todos os tipos, das econômicas e políticas, às religiosas e raciais.

O Mundo precisa de governança da sustentabilidade, coisa que as Nações Unidas não tem sido capazes de proporcionar, nem mesmo de produzir documento passível de ser assinado por todos os participantes da Rio +20, protocolo que todos aceitem como coisa viável e necessária. Esta é a grande questão com a qual se deparam os participantes desta Conferência.

Será a Rio +20 capaz de desatar o nó górdio da governança mundial, a única capaz de conduzir a Humanidade ao desenvolvimento sustentável?

7 de junho de 2012

Rio +20, Parte III – Objetivos, Temas e Expectativas.


Segundo a Organização das Nações Unidas, o objetivo da Conferência Rio +20 é o de garantir um compromisso político renovado para o desenvolvimento sustentável, analisar o progresso até este momento, levantar as lacunas na execução prática dos resultados das conferências anteriores sobre o desenvolvimento sustentável e enfrentar novos e emergentes desafios. A Conferência tratará de dois temas: primeiro, economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, e segundo, o quadro institucional para o desenvolvimento sustentável.

A reunião do Rio 92 foi uma conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento da qual resultaram a Convenção do Clima, a Convenção da Biodiversidade e a Agenda 21, às quais, posteriormente, foi acrescido o Protocolo de Kyoto. Todos com caráter legislativo e transformados em leis por diversos países. Embora as mais importantes nações poluidoras não tenham adotado legislação compatível e se recusaram a subscrever o Protocolo de Kyoto, houve certo progresso em diversos países mais evoluídos dos pontos de vista do desenvolvimento humano e político.

Podemos classificar a Rio 92 como afirmadora de políticas, o que parece não acontecer com o que se propõe para a Rio +20. O documento que está sendo preparado pela ONU em Nova Iorque, minuta da resolução a ser aprovada pela cúpula da Conferência Rio +20 como suas conclusões finais, contém meras proposições, conselhos ou recomendações sem consequências práticas. Declara que o desenvolvimento sustentável se baseia em três pilares: o econômico, o social e o ambiental, e que estes precisam ser equilibrados. No entanto, seus 128 parágrafos contém 120 exortações, reafirmação de preceitos já adotados em conferencias anteriores e, dos oito parágrafos que não são meras exortações, quatro deles dizem respeito a assuntos internos de administração da ONU, outras quatro dizem respeito à economia verde e à área da energia.

A noção de economia verde tem sofrido alterações ao longo do tempo. Inicialmente, o conceito era definido como sendo a geração simultânea de três benefícios: melhoria do bem-estar com redução das desigualdades sem aumento de agressão à natureza. Essa definição, proposta pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), é o tema mais polêmico da Rio +20, gerando inúmeras discussões que acabaram por alterar a definição do conceito. A presente versão inclui: erradicação da pobreza, crescimento econômico, inclusão social, bem-estar, emprego, trabalho decente e funcionamento saudável dos ecossistemas.

Os redatores desse esboço, apoiados pelos representantes do Brasil se recusam a abordar o tema Clima alegando que para este já há providencias concretas tomadas na Convenção do Clima, na Rio 92. Além disto, o Brasil defende que o desenvolvimento sustentável deve ser inclusivo, dar muito mais atenção para os pobres do que para as outras coisas. Esta é uma posição que muito se assemelha às da China, USA e inúmeros países africanos. A alegação é a de que há necessidade urgente de erguer milhões de seres humanos da miséria e da pobreza e que, para isto, é necessário grande esforço no desenvolvimento econômico, principalmente na geração de energia.

A este respeito, a presidente do Brasil declarou recentemente que os que combatem a construção das usinas hidroelétricas vivem no mundo da fantasia. Por outro lado, certos ambientalistas, menosprezando o esforço pela erradicação da pobreza, desqualificam a defesa da inclusão dos pobres no desenvolvimento como “coitadismo”. Esse tipo de enfrentamento dá ideia do que se pode esperar da Rio +20.

Alguns acham que o Brasil, pela própria natureza de seu território, recursos naturais e clima tem uma das economias mais verdes do planeta, além do esforço na redução do desmatamento e da recuperação das degradações já ocorridas, pode servir de exemplo e, por isso mesmo, deveria assumir papel de liderança na promoção da conservação e do desenvolvimento sustentável, numa atitude muito mais firma do que a que tem adotado presentemente. Além disto, é lamentável a ausência de Barack Obama na Rio +20, numa atitude de grande simbolismo do quão pouco os Estados Unidos da América estão motivados a adotar medidas para redução da enorme poluição que produzem.

Por tudo isso, a expectativa é de que a Rio +20 será evento de muitas discussões e muito pequenos resultados. Vamos esperar e ver o que acontece.