1 de fevereiro de 2012

Mana Dulce, 100 anos de Amor

Dona Dulce abriu a porta e me fez sentar no sofá enquanto se acomodava na poltrona e olhava para mim indagando o motivo da visita. Respondi que acabara de chegar das férias em Santarém e trazia encomendas de Dona Marcolina, mãe dela, e das irmãs, inclusive de Nancy. Agradeceu a gentileza e perguntou como eu estava. Respondi que havia casado. Ela sabia que eu namorava Nancy antes de vir para o Rio de Janeiro, no ano anterior, e me olhou séria, ansiosa. Meio indignada indagou: Com quem? Eu disse: Com Nancy. Nancy? Perguntou ela. E você a deixou lá? Quando eu disse que não, ela indagou: E onde ela está? Lá em baixo, respondi, rindo. Ela se ergueu, fechou o eterno sorriso e ordenou: Seu bandido! Vá buscá-la imediatamente!
Eu fora passar férias em Santarém e Nancy e eu decidimos que namorar à distância não tinha nada de bom, que devíamos nos casar imediatamente. Na pressa, não pudemos participar o casamento aos parentes residentes em outras cidades. Na época não havia telefonia interurbana e cartas demoravam a chegar. Dulce não sabia. Chegando ao Rio, fomos logo dar a notícia, mas resolvi fazer uma brincadeira. Por isso subi sozinho. A partir daquele momento, quando chegamos recém-casados à sua casa, Dulce Aires Gentil passou a ser minha “Mana Dulce”.

Felicidade é a característica mais notável da personalidade de Mana Dulce, embora sua vida esteja cheia de sofrimento e drama. A primeira tragédia foi a perda do pai, Pedro Aires. A segunda, a do marido, vereador José Maria de Macedo Gentil, o Xixito, assassinado em 1952 por querela política. Com a morte do marido, a viúva se transferiu para o Rio levando seus seis filhos. O irmão Ary, que morava com ela, saiu para comprar cigarro e desapareceu para sempre. Em seguida, ao longo dos anos, a mãe faleceu em Santarém, os filhos Pedro, Clara, Corina, Ana Maria e Max deixaram esta vida e saudades. Ficou-lhe apenas a filha Yolanda que lhe dá apoio. Dos dez irmãos, restam-lhe Maria Luisa e Nancy.
Apesar de tudo, por mais que o coração lhe aperte e prantos lhe escorram por dentro da alma, Dulce dificilmente demonstra sofrimento e pouco derrama raras lágrimas. Quando o faz, logo se recompõe. Mana Dulce não se permite repartir pesar e dor, nem moral nem física. Mana Dulce é alegria constante, é a própria imagem do otimismo, sempre a incentivar e consolar.
Dulce mora em casa próxima de onde Yolanda reside com o marido, Eduardo, na Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro. Ali, vive em companhia do neto Fernando, filho de Corina, e de Neide, acompanhante de muitos anos. Os três se revezam a lhe prestar assistência.
Mana Dulce completa 100 anos de vida no próximo dia 20 de fevereiro de 2012.
O centenário de Dulce será comemorado, no dia 17, com missa na igreja matriz de Barra de Guaratiba e almoço, a seguir, junto a parentes e amigos. Familiares programam comparecer à cerimônia. Entre estes virão, de Santarém, a irmã Maria Luisa e seu filho Carlos Eduardo Mendonça; de Belém, a sobrinha Lourdes Matos Cercasim, filha da irmã primogênita, Lídia.
A convivência me fez respeitar, admirar e amar essa mulher formidável, corajosa, estoica, doce como o próprio nome, plena de amor para dar, sempre pronta a se dar, eternamente irradiando felicidade, sorrisos meigos e risos saborosos, alegres, intensos.
Aos cem anos, Mana Dulce continua ligeira de corpo e espírito, atenta a tudo. Com memória ágil, relembra fatos antigos e recentes, comenta novelas e política, sabe da vida dos parentes por quem pergunta com interesse e carinho, e possui humor invejável, gaiatice incrível, sempre a fazer brincadeiras, dizer chistes, gracejar.
Quando a visitamos, nos recebe meigamente, carinho que nos toca o coração e nos faz amar e desejar eternos seus cem anos de vida. Estar com Mana Dulce é sentir-se amado, é ser feliz.

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