30 de maio de 2013

Dos males, o menor

A Comissão da Verdade está desenvolvendo o importante trabalho de desvendar os segredos das masmorras da Ditadura Militar, fruto do ódio, do amadorismo, da má formação profissional ou do mau caráter dos agentes do governo encarregados de controlar e reprimir seus inimigos. Estes erros - prisões, torturas e mortes - cometidos em nome do Estado, são absolutamente injustificáveis e a memória nacional deve ser alertada para que tais crimes não se repitam.
Os erros da Ditadura Militar e a própria ditadura são detestáveis. No entanto, devemos considerar as circunstâncias que provocaram o golpe militar que antecedeu o estabelecimento da ditadura.
Esse golpe aconteceu em 31 de março de 1964. Em fevereiro desse ano, fui visitar um major, que cursava a Escola de Estado Maior do Exército. Eu o conhecera quando ele era tenente e foi ele que me introduziu à poesia de Omar Khayyam e à doutrina de Carl Marx. Durante a visita que lhe fiz no apartamento funcional que ocupava na Praia Vermelha, ele me assegurou que setores militares de extrema esquerda, entre os quais ele se incluía junto com alguns poucos generais, e facções comunistas civis treinadas na Rússia, China e Cuba, tomariam o poder dentro de poucos meses. O grupo era rarefeito nos altos escalões das Forças Armadas, por isso a necessidade de subverter a hierarquia militar, passando o comando aos sargentos. Foi a ultima vez que o vi ou tomei conhecimento de sua existência, mas sai de lá certo de que os comunistas estariam no poder antes de junho daquele ano. Eles manteriam Jango na fachada por algum tempo, mas dominariam política e militarmente o país e, logo, estabeleceriam a ditadura do proletariado.
Aquela era a época em que a Guerra Fria estava em seu auge, com grande expansão da doutrina comunista na Ásia, África e América Latina, e a recente crise dos mísseis soviéticos em Cuba. Rússia e China, de um lado, treinando, financiando e armado forças subversivas por toda parte, e Estados Unidos, da mesma forma, treinando, financiando e armando seus simpatizantes e aliados. A Democracia e os interesses nacionais dos países alvos pouco contavam ou importavam diante dos interesses das grandes potências. O Brasil era apenas mais uma marionete nesse grande jogo geopolítico disputado por Moscou e Washington, e aqui havia fantoches manipulados por ambos os atores. Se Khrushchev não tivesse retraído o financiamento soviético às revoluções em andamento na América Latina, após o fiasco da crise dos mísseis de 1962, inclusive o apoio a Prestes e ao PCB, talvez o golpe preparado pelos comunistas tivesse tomado corpo.
De qualquer forma, Brizola com seus Grupos dos Onze, Francisco Julião e Luiz Carlos Prestes treinando seus partidários em Cuba e recebendo armas da Rússia, assim como muitos outros grupos, alguns em consonância com o PCB, outros agindo por conta própria se preparavam para a revolução e a tomada do poder pela força ou pelo golpe de estado.
Por outro lado, facções anticomunistas, lideradas intempestivamente pelo general Olímpio Mourão Filho, tomaram a iniciativa, e venceram simplesmente porque João Goulart não encontrou um só general que se opusesse às tropas que desciam de Juiz de Fora. Sem apoio, Jango pegou o primeiro avião e deixou o governo a um triunvirato militar.
Se o golpe militar foi um mal, pelo menos evitou mal maior, e o grau de perversidade entre um mal e outro pode ser medido pela simples comparação entre fatalidades provocadas por um e outro. O regime militar brasileiro matou pouco menos de 400 pessoas. O regime cubano de Fidel e Guevara fuzilou pouco menos de 4.000. Além disto, a ditadura brasileira se declarou em abertura lenta gradual e progressiva, ao ponto de o último ditador declarar que haveria abertura ou “prendo e arrebento”, decretar anistia geral e irrestrita, e permitir que um governo civil, para cuja escolha não interferiu, o sucedesse pacificamente. Enquanto isto a ditadura comunista cubana perdura até hoje e sem perspectivas de abertura de qualquer natureza.
Pagamos preço horrível. Mas estamos livres de ditadura ainda mais terrível.
Dos males, o menor.

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