20 de setembro de 2012

Vestais no Mensalão IV


(Continuação)
O pássaro que piava durante todo o alvorecer emite de novo seu canto persistente e monotônico; daqui a pouco ele para; fim da tarde voltará a piar. Meu olhar perdido vaga pelas copas das árvores da Mata Atlântica diante de minha janela e estanca na silhueta da montanha a uma distância que me parece alcançável com as mãos. E me vem a nostalgia dos horizontes infinitos de minha Amazônia ribeirinha, do meu Tapajós querido cuja longínqua margem oposta, a quatro léguas distante, quase me foge do alcance da vista na lembrança saudosa.
É momento de divagação, mais do que de reflexão.
De repente, o espírito vagante volta à realidade, aos duros fatos da vida real, do dia-a-dia das coisas corriqueiras ou ao dia-sim, dia-não do julgamento do mensalão.
E me ocorre o fato de que praticamente todos os políticos que estão no poder e muitos dos que fazem oposição estiveram nas lutas contra o Regime Militar e pela redemocratização do país.
Pois foram estes políticos que fizeram a Constituição vigente, que instituíram os poderes que nos governam, formataram e construíram a nação que temos hoje.
Até quatro semanas atrás o Supremo Tribunal Federal era repositório de orgulho e esperança de todos esses políticos. Afinal, praticamente todos os ministros do STF foram nomeados por aliados pertencentes ao estamento atualmente no poder.
Sarney, hoje aliado de Lula, nomeou Celso de Mello. Collor, agora também parceiro de Lula, indicou Marco Aurélio. Lula apontou Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Dias Toffoli. E Dilma escolheu Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luiz Fux. Dos dez ministros com mandato vigente apenas Gilmar Mendes foi apontado pelo atual oposicionista Fernando Henrique. E Lula ainda nomeara os já aposentados Eros Grau, Carlos Alberto Menezes Direito e Cezar Peluso.
Assim, se prevalecesse a fidelidade ao nomeante, Lula, Dilma e seus aliados Sarney e Collor possuiriam maioria de nove votos contra apenas um no STF. Se assim fosse os indiciados no processo penal 470, o famoso julgamento do mensalão, os réus que tem recebido públicas manifestações de afagos e carinhos de Lula e Dilma, estariam muito tranquilos. Não haveria o que temer e seriam todos absolvidos. Portanto, nada a reclamar de subserviente Tribunal.
No entanto, na medida em que os réus vão sendo julgados, a maioria deles condenada e o julgamento se aproxima de seu ponto culminante, com os principais acusados ameaçados do mesmo destino, as manifestação depreciativas, desqualificadoras e até ofensivas à honra dos juízes e á dignidade do Tribunal se tornam cada vez mais intensas e virulentas.
Profissionais do Direito, escolhidos por Lula e Dilma segundo os mais rigorosos critérios de reputação ilibada e reconhecido saber jurídico, antes honrados e prestigiados, são agora achincalhados por votarem de acordo os mesmos parâmetros de honradez e técnica legal que os tornaram ministros do Supremo Tribunal.
É de se supor que a escolha fora mal feita, e neste caso os culpados do mau passo são Lula e Dilma, ou as decisões dos juízes estão corretas e as reclamações são feitas de má-fé por velhacos inconformados e interessados na impunidade de corruptos e corruptores. A estes não interessa a moralização da vida pública, que tem um de seus primordiais esteios na imposição exemplar da Lei.
O julgamento ainda não terminou. Os protagonistas do escândalo ainda não foram submetidos ao escrutínio do egrégio colégio de juízes e não se pode prever se serão ou não condenados.
O que a nação brasileira espera é que o Supremo Tribunal Federal esteja à altura da missão que a Constituição lhe confere, ao nível das altas esperanças que a nação brasileira e seu povo lhe depositam.

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