19 de agosto de 2008

Meia lágrima por uma árvore

Bem no meio da Rua dos Artistas, defronte da Praça São Sebastião - tem outro nome, eu sei - há uma frondosa mangueira, vetusta, majestosa, elegante. Foi plantada há mais de oitenta anos por Marcolina Ayres da Silveira, mãe de minha mulher, Nancy. No "Trevo da Calcinha", encontro da Travessa Inácio Correa com a Avenida Adriano Pimentel, há uma pequena mangueira, juvenil, mimosa, também elegante. Foi plantada há uns quinze anos por Ney Imbiriba, meu irmão. Pela cidade toda, há belas árvores plantadas por pessoas comuns, como eu e você, que amam a natureza e apreciam o frescor de uma sombra num dia de sol abrasador.

Na Avenida Marajoara havia vinte e duas mangueiras cuja beleza enfeitava e humanizava a aridez da poeirenta via, cujos frutos faziam a alegria da garotada e cuja sombra amenizava a canícula deste clima equatorial. Foram plantadas por moradores daquela avenida, pessoas comuns, como eu e você, que amam a natureza e contribuem voluntariamente para fazer desta cidade um lugar bom para se viver. Todas estas pessoas merecem consideração, reconhecimento. Merecem respeito.

O povo de Santarém não merecia tal bofetada, ofensa tão rude. Já havia um precedente odioso que todos desejavam que jamais se repetisse, o crime do Elmano, o pérfido interventor, abatedor de mangueiras.

Infelizmente, num lapso imperdoável, hediondo crime foi cometido a céu aberto, diante de populares atônitos e incrédulos, filmado pela TV, visto pelo Mundo. Dezenas de belas mangueiras enfileiradas no eixo central da Avenida Marajoara foram abatidas, mortas, assassinadas.

Tratores enormes arremeteram contra árvores indefesas, inocentes vítimas da incompetência, da desfaçatez, da absurda falta de sensibilidade, da distorcida ganância eleitoreira, do absurdo descompasso com as mais simples e comezinhas idéias ambientais. Qualquer criança de pré-escola aprende o valor das árvores, de como elas devem ser cuidadas, preservadas e amadas. Os assassinos de aluguel não tiveram piedade. Cumpriram fielmente o que os mandantes do crime ordenaram. E tudo isto por um falso benefício, inatingível pelo erro do método: compra de votos por asfaltamento de última hora.

Muitos erros foram cometidos, a começar pela postura indefesa dos moradores que, apanhados de surpresa, não se atiraram de encontro às máquinas assassinas, não ergueram barreiras com seus corpos, não envolveram as mangueiras com seus abraços, não impediram que o crime fosse cometido, não protegeram as árvores que plantaram e regaram com as próprias mãos. Alguns residentes da Marajoara foram condicionados pelo ativismo político manipulador que institui associações de moradores à sua feição para que falsamente legitimem seus escusos interesses. Foram enganados e se tornaram cúmplices do bárbaro crime.

A Secretaria de Infra-estrutura confessa, com argumentação pueril, que não planejara a obra de asfaltamento, por isso mesmo não previra canteiros e ilhas de proteção das árvores e prevenção de acidentes. Na pressa de completar a obra eleitoreira, ordena o injustificável crime, contrata os assassinos e põe por terra o intento imoral. Em lugar de votos recebe a repulsa de um povo indignado. Se os responsáveis queriam ajudar a patroa deram com burros n'água e colhem frutos da incompetência e da falta de ética.

O Instituto Sócio-ambiental se apresenta aos olhos do público como entidade apática, displicente, alienada do governo a que pertence, sem vez e sem voz. A ideologia ecológica que deveria permear toda a estrutura governamental simplesmente não existe, ninguém obedece aos princípios mais elementares da sustentabilidade ambiental. O ISAM não se respeita e ninguém respeita o ISAM. Não houve vigilância. O ISAM não cumpriu seu papel.

De tudo isto resta imensa tristeza, desconsolo profundo, maiores do que a revolta e a indignação pelo crime cometido e por comprovar que pessoas que tiveram minha consideração não merecem respeito.

Meu pranto indignado chora seco meia lágrima por árvore abatida.

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