18 de outubro de 2012

Ópios dos povos

Karl Marx, em a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, publicada em 1844, afirma que “A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo”. Isto é, a religião relega para o além-vida promessas de felicidade que a vida real terrena nega ao ser humano. “Vida real”, neste caso e no entender de Marx, é opressão das classes desfavorecidas pelos detentores dos meios de produção, a classe burguesa que utiliza a religião para amortecer a revolta e perpetuar o conformismo com a infelicidade terrena, na esperança do paraiso após a morte.

Marxista pragmáticos, posteriores ao fundador da ideologia comunista, perceberam que não poderiam converter ao agnosticismo os crentes em alguma fé religiosa, nem alienar esse numeroso contingente, necessário como massa de manobra para atingir o poder. Assim, propuseram, primeiro a cooptação dos fieis e, depois, a adaptação do fundamentalismo de algumas seitas cristãs primitivas às idéias comunistas, criando movimentos que culminaram, entre outros, na Teologia da Libertação.

A ideologia comunocristã espalhou conceitos dessa simbiose na América Latina, de população majoritariamente católica, mas não sensibilizou a maioria do povo. Pelo contrário, grande número dos que professam denominações evangélicas e multidões católicas que seguem o Círio de Nazaré e lotam a Basílica de Aparecida são os que mais se opõem ao ateismo marxista. Assim, a religião continua a ser o ópio de povo.

Mas não apenas esta. Outros interesses afastam o povo de preocupações político-econômicas e do comunismo. Carnaval, futebol, novelas e programas de auditório de TV são muito mais interessantes e mais bem produzidos, realizados por profissionais altamente competentes, ao contrário do diletantismo da maioria dos políticos, excetuado, é claro, o populismo cultuador da personalidade, com astros como Vargas, Ademar de Barros, Jânio, Collor e Lula.

Os marxistas são unânimes em declarar ignorante e alienado esse povo religioso, amante do samba, do carnaval e do futebol, apreciador de novelas e cultuador de ídolos como Bieber, Madona e Neymar, além de Roberto Carlos e Lula, é claro. E querem a todo custo mudar o perfil cultural do brasileiro típico, a começar pelo controle do ensino público e da mídia que passaria a oferecer conteudo de “real interesse do povo”, ou seja idéias marxistas, totalitárias e repressivas.

Em primeiro lugar, devemos considerar que o modo de ser do povo brasileiro é fruto de quinhentos anos de doutrinação católica incompetente, porquanto, apesar da verberação de padre Antonio Vieira e outros como ele, nossa moral foi e continua sendo a do faça-o-que-digo-não-faça-o-que-faço, e todos nós queremos resolver nossos problemas dando sempre um jeitinho. Reclamamos da corrupção geral dos políticos e damos gorjeta ao funcionário para que este cumpra sua estrita obrigação. Como ninguém é perfeito, a mesma pessoa que reza contritamente no Círio ou em Aparecida pode praticar pequenos deslizes morais sem se aperceber da falta cometida. Ao mesmo tempo, somos um povo alegre e divertido, honesto em muitos sentidos, capaz de procurar o dono e devolver dinheiro perdido, num misto de bem e mal onde o bem supera em muito o mal.

E tem gente querendo a todo custo mudar o que somos, o que quinhentos anos de herança portuguesa misturada com tudo que existe de culturas, costumes, éticas e religiões moldaram até formar o que chamamos com muito orgulho de povo brasileiro.

A ditadura chinesa pode esvaziar de tibetanos o Tibet, mas não mudará a essência de seu povo. Quando a União Soviética desmoronou, os povos da Russia e das republicas que se tornaram independentes se revelaram o que sempre foram, apesar de submetidas a terrível jugo e intensa doutrinação por setenta anos. Nem a ditadura Vargas, nem a Militar puderam mudar o jeito de ser brasileiro. A democracia pode fazer isso, não por um passe de mágica, mas num processo paulatino pelo qual, naturalmente, aos valores permanentes se agregam novos, os valores republicanos e democráticos, os dos Direitos Humanos, ecológicos, e éticos.

Enquanto isso, seguimos com nossos ópios, acompanhando o Círio e apreciando obras de arte genuina, de alto nível, como um drible de Neymar ou uma cena de Adriana Esteves interpretando Carminha.

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