2 de setembro de 2008

A utilidade de um bebê

Carl Sagan, em Broca's Brain, Reflexions on the Romance of Science (Ballantine Books, 16th Edition, 1990, pg. 38), narra a visita da rainha Victoria, em meados do século XIX, ao laboratório de pesquisas físicas de Michael Faraday. Entre as múltiplas descobertas do celebrado físico, em grande parte um auto-realizado cientista, sua majestade encontrou alguns dispositivos de óbvia aplicação prática e outros de finalidade desconhecida, simples curiosidades de laboratório. A rainha perguntou que utilidades tinham tais pesquisas, ao que Faraday respondeu: "Senhora, qual a utilidade de um bebê?"

Quando uma descoberta surge, é como um bebê cujo futuro é completamente desconhecido. Ninguém sabe no que o novo pequeno ser pode se converter, num Capone ou num Einstein.

No mesmo capítulo, Sagan discorre sobre como James Clark Maxwell, elaborando sobre as pesquisas de Faraday, desenvolveu quatro equações matemáticas relacionando cargas e correntes elétricas com campos magnéticos e elétricos, com as quais ficou insatisfeito pela falta de simetria que as tornava deselegantes. Para compensar este efeito, de forma intuitiva e pouco científica, porque sem comprovação experimental, Maxwell propôs que uma das equações deveria ter um termo adicional que ele denominou de corrente de deslocamento, o qual implicava a existência de radiação eletromagnética, o que inclui raios-X e gama, irradiação de ondas de rádio, de luz ultravioleta, infravermelha e visível, que induziram Einstein ao estudo que conduziu à teoria da Relatividade Especial.

Seria impossível, na época de Faraday e Maxwell, prever ao que levariam, cem anos depois, aquelas pesquisas elementares em eletricidade e eletromagnetismo. O mundo de hoje, a vila global em que nos transformamos, se tornou possível pelos avanços tecnológicos nesses campos do conhecimento humano.

O valor econômico e social da modernidade tecnológica é incomensurável diante do dispêndio original na pesquisa científica básica, por maiores que parecessem ter sido na época. O retorno do investimento em pesquisa científica no início do século XX se apresentava de uma a três gerações posteriores. Hoje, com ajuda de hardware e software computacionais, esse retorno se faz de modo muito mais rápido. É certo, que nas ciências biológicas, nas médicas de modo especial, por obediência a regras de segurança, os resultados práticos se apresentam de forma um pouco mais lenta, mas a rapidez do retorno é cada vez mais acelerada.

Isto significa, como conseqüência política, que a prioridade do investimento nacional se deveria concentrar em duas frentes da maior importância: educação básica de excelente qualidade e pesquisa científica e tecnológica. A primeira formaria o manancial revelador de futuros cientistas; a segunda formaria o cabedal de conhecimentos propulsor do desenvolvimento autônomo de nossa sociedade, não isolada do resto do mundo, mas dele participando como contribuinte e parceiro efetivo.

Esta reflexão tem nexo com a mais que oportuna criação da Universidade Federal do Pará d'Oeste, que se apresenta como futuro centro de pesquisas científicas amazônicas. Pará d'Oeste, e Santarém, em particular, já constituíram o principal centro de pesquisas em nosso país. Este trabalho, desenvolvido pelo LBA, foi extremamente frustrante pelos fracos resultados científicos, em grande parte devido à falta de publicação dos trabalhos científicos, acredito que mais por malícia, mas também por se tratar de pesquisas descasadas com os interesses econômicos e sociais amazônicos. Essa lacuna promete ser preenchida pela nova universidade.

Alguns pensam, e eu concordo, que a pesquisa deva ter seu principal compromisso com o conhecimento e com a verdade científica e, apenas secundariamente, com interesses utilitários, de natureza econômica ou social. Mas eu também gostaria de pensar, a respeito de um centro de pesquisas amazônico, que um pouco de comprometimento com as necessidades mais fundamentas dos povos da Amazônia possam ter alguma prioridade como objeto de pesquisas.

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