4 de março de 2008

Um livro mais que interessante

Um livro mais que interessante

Desde as priscas eras da Antiguidade a humanidade acreditava que o universo era composto por quatro elementos primordiais: Terra, Água, Fogo e Ar. Embora muitas propriedades do ar indicassem que, ao contrário de se tratar de elemento, seria mistura ou composto, químicos daqueles tempos, os alquimistas, encontravam justificativas mirabolantes para explicar o inexplicável, por exemplo, certas substâncias que, ao serem calcinadas, em lugar de perder, ganhavam acréscimo de peso. Tal fenômeno era explicado pela provável existência de um fluido invisível denominado flogístico. O método científico não existia, a química ainda não fora estabelecida. O ar e os gases eram enorme mistério.

De como tal mistério foi desvendado é o tema de interessantíssimo livro que acabo de ler: "A World on Fire" (Viking, Penguin Group, New York, 2005), de Joe Jackson, autor do qual nunca tivera notícia. Surpresa que me encantou por vários motivos.

Nas décadas finais do século XVIII, enquanto a ameaça da revolução ofuscava o fulgor do Iluminismo que a havia inspirado, dois brilhantes cientistas, simultaneamente, descobriram o oxigênio. Era um avanço que alteraria o curso da Ciência, da História e do pensamento humano. De um lado, um humilde e pobre dissidente inglês, Joseph Priestley, de outro um rico e aristocrata francês, Antoine Lavoisier. Tais eram os improváveis competidores. A feroz rivalidade entre eles, na corrida para resolver o enigma do ar, tornou-se uma competição ainda mais exacerbada pelo tumulto da época.

"Um Mundo em Fogo" faz reviver as ciclópicas mudanças intelectuais e políticas que introduziram a ciência moderna, em particular a Química. Projetada contra um painel de conflagrações - Revolução Americana, o assalta à Bastilha, o Terror, a contra-revolução e a repressão inglesas - esta destra narrativa tece e junta biografia e história, paixão científica e ira política. Com suas descobertas em laboratório preparando o caminho para a identificação dos elementos e a tragédia de seus destinos, Priestley e Lavoisier resumem a odisséia do cientista na idade moderna.

Quem primeiramente descobriu o oxigênio? O pastor dissidente inglês Joseph Priestley ou o aristocrata francês Antoine Lavoisier? A pergunta transforma-se em tema patriótico numa época em que França e Inglaterra eram inimigas em estado de guerra. Priestley foi o primeiro a isolar o oxigênio, mas não compreendeu a natureza de sua descoberta e, ainda agarrado à velha teoria do flogístico, chamou seu gás de "ar deflogisticado". Lavoisier, que desenvolveu suas próprias pesquisas a partir da descrição das experiências que Priestley inadvertidamente lhe descreveu durante um charmoso jantar em Paris, reconheceu o oxigênio como sendo um gás distinto, dentre os que compõem o ar, e parte integrante do processo de combustão. Além disto, desenvolveu o método e a nomenclatura química usada ainda hoje.

Ambos tiveram destinos infelizes. Priestley, pastor unitariano (pregava o Deus único e negava a Trindade), promotor da Liberdade e oponente ferrenho do Rei e da Igreja (Anglicana), teve sua casa e bens incendiados por uma turba leal ao rei, sua vida ameaçada, sendo obrigado a abandonar sua pátria e refugiar-se na América, onde morreu mansamente, amigo e conselheiro do presidente Thomas Jefferson. Lavoisier, presidente da Academia de Ciências, apesar dos serviços que prestou ao Estado e ao governo revolucionário, foi vítima do Terror, perseguido por Marat e guilhotinado por Robespierre; em seu julgamento, o juiz declarou: "A República não tem necessidade de cientistas".

O livro é rico em detalhes de costumes, política e personagens da época, revelando exaustivo trabalho de pesquisa, e o estilo é escorreito, fácil, cativante, uma delícia de ler.

 

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