Santarém do Tapajós, 04/06/2011
Sebastiao Imbiriba
Hoje, completo oitenta anos de vida, oito décadas
desde que nasci. É um bocado de vida, não que esteja satisfeito, quero muito
mais. Beatriz, minha mãe, chegou pertinho dos cem e prima Sophia se foi
faltando apenas dezenove dias para completar um século. Quero chegar por aí e
até quebrar a barreira dos cem. Mas já estou no lucro. Dê qualquer forma,
oitenta anos são um bocado de tempo.
Ainda mais, se pensarmos em como a Humanidade
evoluiu. Primeiro, quanto à escala de vida: quando eu era criança, o tempo
esperado de vida humana média não passava dos quarenta e cinco anos, isso sem
contar a mortandade por guerras, fomes e doenças. Hoje, se vive em média
setenta e cinco anos. Depois: pela intensidade e quantidade do conhecimento e
dos acontecimentos.
Na minha infância ainda se viajava de navio,
semanas para chegar do Rio a Santarém, sem contar a espera pela saída. Além
disto, a informação que você deseja e que antes não se encontrava nem nas
melhores bibliotecas, hoje está a segundos do clique de seu mouse. Fatos são
comunicados e decididos, de um lado a outros do Mundo, em minutos, quando antes
necessitavam meses.
Oito décadas de vida, portanto, mais do que tempo,
é templo de reflexão, onde se sorvem lições, se medita sobre elas e, talvez, se
as repassa a eventuais discentes.
Depois das atribulações de saúde do ano anterior,
quando passei meses em várias internações hospitalares por motivos diversos,
inclusive delicada cirurgia vascular, do que me recupero a contento, o raiar de
uma nova década de vida enche o espírito de esperanças, de ânimo e de
indagações: O que fiz da vida que percorri? O que farei da vida que me resta?
À vida me fez. Muito do que sou, herdei genética,
moral e culturalmente de meus antepassados. As características físicas, a
ética, a abertura para o conhecimento, jeito de ser e lições que recebi de pai
e mãe, e que estes herdaram dos seus. Por gerações anteriores, tudo vem desta
origem. Mas isto é apenas a base sobre a qual se constrói a vida.
É inegável a aleatoriedade da sorte nos encontros
que conformam nossos destinos. Este é fator importante. Mas daí para a frente é
nossa responsabilidade, depende de interesse e comprometimento a vida que
construímos, a profissão que escolhemos, o amor que merecemos.
Tenho defeitos de sobra, sei que existem e me desgostam
profundamente, mas não me preocupo tanto assim com eles, nem seria eu que os
revelaria. Há qualidades, no entanto, que me proporcionam grande satisfação. A
primeira é a curiosidade, a segunda a persistência.
Curiosidade. Sempre fui curioso, era assim aos dois
anos de idade, e contínuo assim aos oitenta, sou perguntador, o que é isto, por
que aquilo? Vou atrás da informação, quero saber tudo nos mínimos detalhes.
Houve tempo em que passava horas em bibliotecas e
enciclopédias eram consultadas a cada momento, hoje está quase tudo na
Internet, mais fácil, mais rápido, às vezes até mais completo.
Meu pai me dizia: “Toda ciência do mundo está nos
livros”. Então eu lia muito. Hoje eu digo: “Falta pouco para que quase toda
ciência do mundo esteja na Internet”. Então navego muito.
Ágora tenho que lutar com mais uma dificuldade, a
memória me foge, ambas, a antiga e a recente. Oh meu Deus, quem é mesmo que
introduziu o aristotelismo na escolástica, Agostinho ou Tomás de Aquino? O lado
oposto sobre a hipotenusa é seno ou cosseno? Coço a cabeça, tento relembrar de
coisas que aprendi há sessenta, setenta anos atrás. Mas isto é questão de
tempo, minutos, daqui a pouco a informação salta à lembrança.
O pior é tentar relembrar fatos recentes: “Muito
prazer seu João. Como é mesmo seu nome?” Valha-me Deus. Tenho que prestar
atenção redobrada, usar artifícios de memorização, anotar, o que nem sempre é
possível. Mas que fazer quando os dois únicos neurônios de que disponho não
querem mais se encontrar?
Mas isto não me amedronta, continuo a ser curioso,
a querer aprender cada vez mais e persisto com maior intensidade. Com parcos
resultados, é verdade, mas, de qualquer forma, alguma coisinha aprendo ao longo
da vida. O problema é que, apesar do pouco que sei, não posso utilizar todo o
pequeno conhecimento de que disponho.
Tão pouco saber, tão pouco utilizado. Profunda e
frustrante sensação de desperdício, inutilidade. Por que, para que, tanta ânsia
por saber, tanto sacrifício em aprender, com capacidade de fazer tão diminuta?
Se os jovens se bastam e pouco se interessam pelo que, eventualmente, eu
conheça e possa ser de utilidade para eles; se acomodados não desejam nem
fazer, nem saber?
Ah, como eu gostaria de ser como Sophia[1], a Mestra! O anseio por
discípulos é insuportável que eternizem estas divagações. Um tiquinho assim de
desânimo tenta me acomodar. Então a curiosidade se envereda por outro caminho e
me leva a outras explorações. E é aí que descubro: o único conhecimento que
realmente interessa é a ciência da felicidade e do amor.