A
visão bairrista de Belo Monte
Parece-me
muito estranho que articulistas de renome e alto prestígio intelectual, membros
do ministério público, e outros, que primam pelo dizer politicamente correto,
abordem a questão das usinas hidroelétricas no Pará de forma bairrista,
provinciana e pequeno-burguesa, embora encoberta sob diversos disfarces. O
preconceito, e às vezes o ressentimento, transparecem nas entrelinhas de
discursos bem estruturados e, às vezes, até elegantes.
Seria
de se esperar dessas inteligências brilhantes um tratamento mais isento, mais
humanista e mais globalizado. Afinal esta é a nossa era. Vivemos em um mundo
integrado pelas telecomunicações e pela Internet, pelos transportes rápidos e
constantes. Na época do mercantilismo, em que a visão dos governantes era
exclusivamente a de seus próprios interesses, até que os remanescentes de uma
esquadra enviada às Índias retornassem à metrópole, passavam-se vários anos. As
notícias trazidas geravam novas decisões, talvez a de armar nova frota e, até
que tudo fosse realizado, outros tantos anos decorreriam. Hoje, tudo transcorre
em questões de minutos, segundo, quando as decisões são tomadas pelos próprios
computadores, que o fazem segundo regras pré-estabelecidas. A visão
predominante começa a se voltar para o interesse geral. E tudo isto em escala
mundial.
Uma
decisão que se toma hoje em Brasília a respeito da construção de hidroelétricas
no Xingu, Madeira ou Tapajós, afeta a vida de muitos milhões de pessoas, não
somente na Amazônia, no Brasil, mas em todo o globo terrestre. Quando o governo
chinês decide abrir uma nova mina de carvão para alimentar termoelétricas que
vão abastece suas indústrias carentes de energia, todos nós seremos afetados.
Receberemos o impacto dos produtos que nos chegarão por preços reduzidos e
sofreremos o aumento da ameaça do aquecimento global. A decisão foi chinesa,
mas o impacto é mundial.
O
mesmo ocorre quando o Brasil se prepara para suprir de energia nossas
residências que se constroem em números crescentes, iluminar nossas vias
públicas que crescem com os novos bairros, abastecer nossas indústrias que
ainda se ressentem dos apagões do último período de FHC. Acho que estão
esquecendo ou não querem lembrar o que aconteceu. Uma seca prolongada no
Sudeste esgotou as barragens, principalmente as das hidroelétricas do sistema
Furnas. Quando o desabastecimento se propagou, grande parte de nosso país ficou
às escuras. Acho, também, que querem ou fingem esquecer os apagões e
racionamentos que havia no Pará antes da entrada em funcionamento da usina de Tucuruí.
Essa
escassez e esses apagões eram e continuam sendo supridos por termoelétricas que
se implantaram generalizadamente por tudo o país, que ainda depende delas, e
pela calha Norte do rio Amazonas, ainda não abastecida por linhão de Tucuruí.
Como todos sabemos, essas usinas contribuem fortemente para o efeito estufa,
afetando, não apenas a nós, amazônidas, mas a toda Humanidade.
O
governo federal lança a campanha da erradicação da miséria. Quando as pessoas
se elevam da miséria para a simples pobreza, começam a consumir, a demandar
coisas cuja produção requer energia, e ajudam a elevar os pobres para a classe
média que, por sua vez, demandará cada vez mais produtos que requerem mais
energia. Como retirar as pessoas da miséria e da pobreza sem energia? Esta é a
pergunta que tentam não responder, ou para a qual oferecem alternativas
impraticáveis ou poluentes.
Estamos
diante de um problema nacional com implicações mundiais. Este problema não pode
ser encarado com postura sectária, provincial, ressentida e pequeno-burguesa.
Temos que ter visão estratégica de alcance universal. E assim temos que agir.
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