9 de setembro de 2011


A visão bairrista de Belo Monte

Parece-me muito estranho que articulistas de renome e alto prestígio intelectual, membros do ministério público, e outros, que primam pelo dizer politicamente correto, abordem a questão das usinas hidroelétricas no Pará de forma bairrista, provinciana e pequeno-burguesa, embora encoberta sob diversos disfarces. O preconceito, e às vezes o ressentimento, transparecem nas entrelinhas de discursos bem estruturados e, às vezes, até elegantes.
Seria de se esperar dessas inteligências brilhantes um tratamento mais isento, mais humanista e mais globalizado. Afinal esta é a nossa era. Vivemos em um mundo integrado pelas telecomunicações e pela Internet, pelos transportes rápidos e constantes. Na época do mercantilismo, em que a visão dos governantes era exclusivamente a de seus próprios interesses, até que os remanescentes de uma esquadra enviada às Índias retornassem à metrópole, passavam-se vários anos. As notícias trazidas geravam novas decisões, talvez a de armar nova frota e, até que tudo fosse realizado, outros tantos anos decorreriam. Hoje, tudo transcorre em questões de minutos, segundo, quando as decisões são tomadas pelos próprios computadores, que o fazem segundo regras pré-estabelecidas. A visão predominante começa a se voltar para o interesse geral. E tudo isto em escala mundial.
Uma decisão que se toma hoje em Brasília a respeito da construção de hidroelétricas no Xingu, Madeira ou Tapajós, afeta a vida de muitos milhões de pessoas, não somente na Amazônia, no Brasil, mas em todo o globo terrestre. Quando o governo chinês decide abrir uma nova mina de carvão para alimentar termoelétricas que vão abastece suas indústrias carentes de energia, todos nós seremos afetados. Receberemos o impacto dos produtos que nos chegarão por preços reduzidos e sofreremos o aumento da ameaça do aquecimento global. A decisão foi chinesa, mas o impacto é mundial.
O mesmo ocorre quando o Brasil se prepara para suprir de energia nossas residências que se constroem em números crescentes, iluminar nossas vias públicas que crescem com os novos bairros, abastecer nossas indústrias que ainda se ressentem dos apagões do último período de FHC. Acho que estão esquecendo ou não querem lembrar o que aconteceu. Uma seca prolongada no Sudeste esgotou as barragens, principalmente as das hidroelétricas do sistema Furnas. Quando o desabastecimento se propagou, grande parte de nosso país ficou às escuras. Acho, também, que querem ou fingem esquecer os apagões e racionamentos que havia no Pará antes da entrada em funcionamento da usina de Tucuruí.
Essa escassez e esses apagões eram e continuam sendo supridos por termoelétricas que se implantaram generalizadamente por tudo o país, que ainda depende delas, e pela calha Norte do rio Amazonas, ainda não abastecida por linhão de Tucuruí. Como todos sabemos, essas usinas contribuem fortemente para o efeito estufa, afetando, não apenas a nós, amazônidas, mas a toda Humanidade.
O governo federal lança a campanha da erradicação da miséria. Quando as pessoas se elevam da miséria para a simples pobreza, começam a consumir, a demandar coisas cuja produção requer energia, e ajudam a elevar os pobres para a classe média que, por sua vez, demandará cada vez mais produtos que requerem mais energia. Como retirar as pessoas da miséria e da pobreza sem energia? Esta é a pergunta que tentam não responder, ou para a qual oferecem alternativas impraticáveis ou poluentes.
Estamos diante de um problema nacional com implicações mundiais. Este problema não pode ser encarado com postura sectária, provincial, ressentida e pequeno-burguesa. Temos que ter visão estratégica de alcance universal. E assim temos que agir.

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