A Síndrome de Rapa Nui
Sebastião Imbiriba
Revisto e republicado
em 2007 e 2017 no blog Reflexões www.imbiriba.blogspot.com
Publicado em 2002 no
Jornal de Santarém e Baixo Amazonas
Rapa Nui, nome nativo da ilha
de Páscoa, é caso emblemático do destino dos desatinados que usam a Natureza de
modo inconsequente. Não há dúvidas quanto à existência, nessa ilha, de árvores
e palmeiras que serviram como trenós, trilhos, roletes e alavancas necessários
ao transporte e levantamento de portentosas estátuas, os gigantescos Moais de
pedra.
A população dessa pequena ilha
isolada do resto do
Mundo, no centro do Pacífico do Sul, a
meio caminho entre o Chile e a Polinésia, e a mais de dois mil quilômetros da
população mais próxima, cresceu e exauriu seus recursos naturais além da
capacidade de auto-sustentação. O resultado foi a devastação da floresta até a
última arvore e o esgotamento da terra desnuda pela erosão dos ventos e da
chuva.
A luta pela sobrevivência, num
ambiente exaurido, derivou para a mortandade. A população, que alguns
pesquisadores estimam ter alcançado dez mil habitantes, foi quase totalmente dizimada.
Quando o navegador holandês, almirante Roggeveen, a encontrou no Dia da Páscoa
de 1722, não havia mais do que uma ou duas centenas de pessoas na ilha.
Era uma população isolada na
vastidão do Pacífico. Embora seus ancestrais fossem navegadores, bons o
suficiente para encontrar e povoar aquela ilha remota, a população remanescente
não podia navegar mais do que uns poucos metros além da praia com seus botes
construídos com desconjuntados pedaços de madeira antiga e desgastada,
amarrados com fibras e sem calafeto. Não havia, naquela ilha, os materiais
necessários à construção de barcos de longo curso.
Sem terra agricultável e sem
barcos pesqueiros, não havia como alimentar os habitantes. As conseqüências da
Síndrome de Rapa Nui nos fazem temer a exaustão dos recursos naturais da Terra,
nos aconselham parcimônia e prudência no uso deles, além de muito esforço de pesquisa
científica para que possamos julgar e agir com objetividade e conhecimento de
causa, para encontrar substitutos às matérias primas esgotadas e alternativas
aos atuais modos de viver e consumir. Uma excelente reconstituição de fatos
pré-históricos na ilha de Páscoa é desenvolvida por Jarred Diamond in Colapso,
Editora Record, 2005.
Em nossa vida como indivíduos,
nações ou a própria espécie humana temos, a cada momento, de priorizar valores
em decisões, por vezes, muito difíceis. Como a do cirurgião ao decidir
se salva a mulher em complicado trabalho de parto ou a criança por nascer. A
Humanidade tem de tomar o mesmo tipo de decisão com relação às florestas e
outros recursos naturais, diante do risco de perder valores tão importantes
quanto elas.
Uma dessas decisões é a que
hoje (2007) se discute: a proposta do Presidente dos Estados Unidos da América de
permitir que a indústria madeireira abra grandes aceiros nas florestas públicas
daquele país, com dois objetivos: evitar a propagação de grandes incêndios, o
que seria útil para as próprias florestas e aumentar a produção madeireira o
que seria benéfico para os desempregados e para os consumidores, além de
diminuir a poluição do ar e propagação dos incêndios para áreas urbanas.
Diante da imensidão das queimadas
em todo o Brasil,
em especial na Amazônia e no Cerrado Central, decorrente da pequena umidade do
inverno setentrional deste 2017, cabe perguntar se não seria o caso de adotar,
pelo menos experimentalmente, tal medida em nossas florestas.
A discussão, amplificada pela
mídia, no entanto, se processa muito mais no plano emocional. Isto se deve ao profundo
sentimento de perda que todos sentimos por tão grande destruição. O debate
deveria estar em plano científico, objetivo, para que possamos mensurar os fatores
a favor e contra e avaliar até que ponto essa medida seria útil e eficaz, ou
se, por outro lado, não seria um passo adiante a caminho da manifestação da
Síndrome de Rapa Nui.
Pode a Humanidade sobreviver
sem a floresta? Não somente é provável que possa, como é certo que a vida na
Terra tenha existido alguns milhares de anos sem elas. Nos dias de hoje, em
algumas regiões do Ártico e do Saara, existem populações sem florestas. Durante os milhares de anos dos Períodos
Glaciais, grande parte do Mundo esteve privado de florestas, pelo menos as do
tipo que encontramos na Amazônia.
A floresta é bem de alto valor
para a Humanidade, mas talvez não seja necessidade absoluta imediata como é,
por exemplo, o ar que respiramos. A destruição do ar pela poluição provoca
imediata sufocação, graves doenças respiratórias, desconforto insuportável. O
mesmo não ocorre ao se derrubar uma árvore ou destruir a floresta inteira cujo
efeito só será sentido muito depois. É essa falta de resposta imediata da
Natureza, ou de percepção instantânea de seus efeitos pelo Homem que permite a
este continuar a se ariscar a provocar enorme catástrofe.
Um dos sintomas da Síndrome de
Rapa Nui que se apresenta como séria ameaça a todo o Nordeste brasileiro,
tornando inútil o grande esforço de transposição do Rio São Francisco, é a
progressiva e crescente diminuição de sua vasão, e de seus afluentes, em
decorrência do intenso desmatamento em toda a bacia desse rio de integração
nacional.
Podemos, portanto, concluir que
embora sejam de extrema utilidade, não só pelo que representam e produzem por
elas mesmas, mas pela biodiversidade que suportam, a Humanidade poderia
sobreviver sem florestas. O que não sabemos é por quanto tempo até o inexorável
advento da grande e global Síndrome de Rapa Nui.
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