29 de julho de 2008

Raymond Aron sobre Maquiavel e Marx


"O caminho que leva a Maquiavel passa pela literatura sobre Maquiavel..." "De modo análogo, não se pode remontar a Marx sem passar pelos marxistas, e que cansaço sentimos ao traçar os limites  entre marxianos e marxistas, marxólogos e marxistas. Certamente, os marxólogos não são todos marxistas e, inversamente, muitos marxistas ignoram quase totalmente Marx". Quantos abominam Maquiavel enquanto cidadãos comuns e praticam seus piores exemplos quando se apoderam do governo? "Ninguém acusará Böhm-Bawerk de não ser sincero ao refutar O Capital, ao revelar a contradição entre o primeiro e o terceiro livro de O Capital, entre a teoria do valor e a do lucro".

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Aron constata que Maquiavel, fingindo dar lições aos reis, deu grandes lições aos povos e, reproduz Spinoza: "[Maquiavel] talvez tenha querido mostrar o quanto um povo livre deve evitar confiar completamente sua segurança às mãos de um só, o qual, se não é tolo e pensa, então, que também pode não obter a simpatia de todos, deve cotidianamente temer insídias, a ponto de ter que cuidar de sua própria segurança, mas também insinuar insídias ao povo em lugar de tratá-lo"... "Eu sou ainda mais levado a esta convicção em relação a este prudentíssimo homem pelo fato de que ele foi evidentemente um partidário da liberdade e também deu conselhos muito salutares para defende-la".


O sociólogo, filósofo e jornalista francês, Raymond Aron, um dos mais brilhantes intelectuais do século XX, ao contrário da maioria dos intelectuais do pós-guerra, cujo partidarismo radical se posicionava de modo intransigente ao lado de regimes totalitários, foi analista acurado e isento dos sistemas políticos. Em sua obra maior, Introduction à la philosophie de l'histoire, publicada em 1938, às vésperas da Segunda Grande Guerra e, posteriormente, 1955, em L'Opium des intellectuels, um de seus livros mais comentados, Aron questiona marxistas da estirpe de Jean-Paul Sartre pelo incondicional apoio destes à União Soviética diante da agressão às liberdades e opressão de povos da Europa Oriental.
Pois bem, possuo uma versão de O Príncipe, em excelente tradução por Maria Júlia Goldwasser, publicado pela Livraria Martins Fontes Editora, 1999, que tenho lido e relido sempre passando por cima do Prefácio e desprezando o Apêndice, sem a eles dar a mínima atenção. Desta vez, ao consultar as notas ao fim do livro, abri por acaso uma página do Apêndice cujo texto me prendeu até o fim onde encontrei a assinatura do autor, Raymond Aron. Reli o Apêndice e em seguida busquei o Prefácio. Este é um texto importante, consistente e pleno de conhecimento sobre Maquiavel e sua obra. Mas o Apêndice é obra prima de lucidez, precisão analítica, consistência lógica e estilo impecável, na comparação entre o pensamento de Nicolau Maquiavel e o de Karl Max.
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O espaço aqui é insuficiente. Apenas comento pontos que me parecem mais relevantes. O primeiro dos quais é o impossível consenso sobre os propósitos e a ética de Maquiavel, tornando quem dele se aproxime um "maquiaveliano, maquivélico ou leitor de Maquiavel", todos incapazes de decifrar a esfinge. Segundo Aron, apenas são dignos de apreciação os que "lêem em O Príncipe ou nos Discursos o que não está escrito, põem em discussão o que é evidente e procuram a máscara atrás do rosto, já que não conseguem vê-la na frente". É com estes que Aron busca conhecer melhor o florentino. Para melhor compreende-lo estabelece paralelo com homens ilustres. "Com quem estabelecer paralelo a não ser com Marx?"
"Tese: Maquiavel e Marx, comparáveis pela descendência inumerável e dividida, por uma problemática não idêntica, mas próxima; uma vez colocada a necessidade prioritária do estudo da realidade tal como é, como rejeitar as lições que esta realidade nos dá, qual seja, a freqüente imoralidade dos meios eficazes?"
"Antítese: Maquiavel e Marx representam dois modos de pensar, duas visões do mundo, duas figuras, dois mestres, exemplares e contraditórios".
"Eis, portanto, a primeira síntese: o marxista, estrategista da luta de classes, da revolução, da organização da guerrilha, da acumulação primitiva, age como maquiavélico, com a força e a astúcia, com a persuasão e a coação. Uma vez chefe de Estado não governa com métodos substancialmente diferentes daqueles das elites do passado nos principados que Maquiavel teria chamado de novos".
Ontem como hoje, muitos dos que falsamente proclamam amor à liberdade de que gozam são de fato amigos da opressão pela qual lutam com armas maquiavélicas. O marxismo se esfumaça no passado. Em nossa memória queda da Bastilha e do Muro de Berlim são contemporâneos longínquos. Infelizmente, a "política real", a dos "meios eficazes", não é privilégio de revolucionários marxistas. Outros há que também conduzem à tirania, à depravação, à corrupção, á falta completa de ética, à pactuação com o crime e com o terrorismo. Todos adotam o que há de pior em Maquiavel.
Felizmente, o próprio Maquiavel os desmascara completamente, os desnuda por inteiro, nos aponta o perigo e indica o caminho da segurança e da liberdade. Compete a nós a atitude prudente

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