Durante a era Reagan os Estados Unidos armaram a arapuca da "Guerra nas Estrelas" que induziu militaristas russos a forçar maciços desvios de investimentos dos setores produtivos para os aplicar na indústria bélica, do que resultou colapso da economia e, como conseqüência, dissolução da União Soviética. Após o governo Reagan constatou-se que tudo não passara de tremendo blefe. É claro que outros fatores contribuíram para o fim da URSS, inclusive a corrupção interna do Partido Comunista, podridão que se revelou de forma explosiva na transição para a economia de mercado, mas o efeito da cartada de Reagan foi decisivo na desorganização e ineficiência econômica e na insustentabilidade política.
A China e os Estados Unidos provavelmente não chegarão ao colapso político mas encontram-se à beira de seriíssima convulsão econômica decorrente da ineficiência na geração e uso de energia. A atual dificuldade no setor imobiliário estadunidense é manifestação dessa ineficiência. Por algumas estimativas, a China, além de já haver atingido o posto de maior poluidor do planeta, é também um dos mais ineficientes produtores e utilizadores de energia e, embora tenha oficialmente lançado ambicioso plano de redução na intensidade de uso de energia, os resultados práticos até agora são irrelevantes. Este país se arrasta atrás dos paises mais industrializados no diz respeito à eficiência, o setor industrial absorve mais de 70% da grade energética e a economia chinesa cresce em taxas tão elevadas que as pequenas melhorias obtidas na eficiência ficam plenamente neutralizadas pelo crescimento do volume.
Ao câmbio e preços de 2005, uma comparação simplista do uso de energia nos mostra que, para cada cem dólares despendidos pela China com o uso de energia na formação do produto interno bruto (PIB), os Estados Unidos gastariam 25, o Reino Unido 17 e o Japão apenas 13. Isto significa que, para cada dólar de PIB gerado, a China consome 35.766 BTUs, os Estados Unidos 9.133, o Reino Unido 6145 e o Japão 4.519 (um BTU é a quantidade de energia necessária para elevar em um grau Fahrenheit uma libra de água). Incrivelmente, há países ainda mais ineficientes, como a Rússia e outros órfãos da União Soviética. A Ucrânia despende mais de 138 mil BTUs para gerar cada dólar de seu PIB.O Brasil é o décimo maior consumidor mundial de energia, o terceiro maior no Hemisfério Ocidental, atrás dos Estados Unidos e Canadá. A grade brasileira de consumo energético é composta de 48% de petróleo e etanol, 35% de hidroeletricidade, 7% de gás natural, 5% de carvão mineral, 2% de biodiesel e outros renováveis, e 1% de energia nuclear.
O Japão junto com a Dinamarca são os países mais eficientes na utilização de energia. Com os altos custos da energia e com tamanha ineficiência, não há economia que resista e não é por outro motivo que a China se lançou no projeto de construção da maior hidroelétrica do Planeta. Este é enorme, embora um dos poucos, investimento estatal no setor. Os investimentos privados são limitados pela falta de um mercado financeiro mais sofisticado. Embora a China possua reservas crescentes que se aproximam dos dois trilhões de dólares o mercado financeiro é tão incipiente que não é capaz de suprir as necessidades do setor energético privado do país.
Os Estados Unidos despendem cerca de um décimo de seu produto interno bruto para abastecer de energia suas casas, automóveis e caminhões, fábricas, edifícios de escritórios, centros comerciais, aparelhos sem conta e tudo o mais que ajuda a constituir e manter sua civilização com eficiência medíocre. Um trilhão por ano – o custo estimado de toda a guerra no Iraque até agora - é muito dinheiro, mesmo com dólar desvalorizado. Um pouco de eficiência reduziria esse gasto pela metade.
A sociedade estadunidense tem sido perdulária em muitos sentidos, edificações amplas, consumidoras de materiais de construção e com grande dispêndio de eletricidade para iluminar, aquecer no inverso e esfriar no verão, carros grandes e pesados, consumidores de aço, tinta, borracha e com grande dispêndio de combustível para se moverem, muita roupa, muita comida e enormes quantidades de lixo. Os Estados Unidos importam mais de sessenta por cento de suas necessidades de energia e empurram os preços do petróleo para a estratosfera, encarecendo não apenas a sua, mas a economia global, afetando a todos os países com enorme prejuízo para as nações pobres.
Esta sociedade perdulária, como não poderia ser diferente, gera uma classe política que reflete essa cultura do desperdício e age irresponsavelmente como se tudo estivesse às mil maravilhas. É possível que muitos políticos influenciados pela industria petrolífera, em proveito desta, propositalmente adotem posturas legislativas contrárias a praticamente tudo que possa fazer essa sociedade se tornar mais eficiente no uso da energia de que dispõem e na busca de fontes alternativas.
Nas últimas décadas o Congresso dos Estados Unidos barraram a construção de usinas nucleares, de novas e mais eficientes refinarias de petróleo, de portos de gás natural, de campos de geradores eólicos de eletricidade, exploração de petróleo em águas marinhas no Alasca, na Califórnia e na Flórida, o financiamento de pesquisa energética, retardando o estabelecimento de padrões de eficiência mais rígidos no uso de combustíveis automotivos e, ainda por cima, impuseram taxa de importação sobre o barato e limpo etanol de cana de açúcar brasileiro e incentivaram a produção de etanol de milho que provocou carestia nos alimentos que dependem dessa matéria prima.
Os processos comerciais atuais de produção de energia de biomassa nos Estados Unidos, que se concentram no Cinturão do Milho, no Meio Oeste, sofrem fundadas críticas pelo brutal encarecimento dos alimentos que provocam. Com investimentos relativamente pequenos o milho poderia ser substituído pelas novas perspectivas que se abrem para fontes de matéria prima não alimentícias tais como capim nativo, cavacos e briquetes de madeira e resíduos florestais.
Se o maior consumidor de energia do mundo continua com o desperdício e seu ambicioso seguidor, a China, vai no mesmo caminho, com ineficiências ainda maiores, e outras nações atingem o limiar das sociedades de consumo, como a índia, não há como evitar a escalada dos preços do petróleo. Os custos de produção são cada vez maiores por exigirem tecnologias cada vez mais avançadas e mais caras: exploração em águas profundas, perfurações horizontais e direcionais e outros. Mas o pior de tudo é o estado de guerra permanente do Oriente médio onde se concentram as maiores reservas globais de petróleo. O Iraque ainda retornou ao auge da produção dos tempos de Hussein, o Iran vive em estado permanente de beligerância, Israel, Líbano e Palestina são uma mistura explosiva e tudo isto representa ameaça, não apenas á continuidade da produção, que forçada, quer voluntária, também a do transporte do precioso líquido.
Uma usina termoelétrica comum, alimentada por carvão, gás ou petróleo é ineficiente por natureza, transformando em eletricidade apenas trinta por cento da energia contida no combustível e jogando na atmosfera o restante sob a forma de calor. Se a energia térmica fosse utilizada, quer para o pré-aquecimento da água que alimenta as turbinas, quer para outras formas de aproveitamento, a eficiência poderia atingir oitenta por cento.
Os esforços atuais em busca de fontes alternativas se mostram insuficientes, embora haja casos exemplares e elogiáveis. Por exemplo, grades energéticas já são atendidas por fontes alternativas em 40% na Dinamarca e 14% na Alemanha. Porém, a maior parte de tudo o que se produz de energia renovável, ou se pretende produzir em futuro próximo, está muito longe de exercer efeitos perceptíveis no deslocamento de combustíveis fósseis emissores de carbono. A menos que ocorra alguma importante quebra de barreira tecnológica, todas as fontes de energia renovável necessitam crescer de modo extremamente rápido para qualquer efeito notável nas questões de energia limpa e mudança do clima.
Além dos efeitos econômicos, a ineficiência no uso de energia exacerba os nocivos efeitos dos gases de efeito estufa, as alterações climáticas e a insuportável poluição que torna o ar irrespirável em Pequim, São Paulo e outras metrópoles. Mas o problema não fica circunscrito aos grandes consumidores e maiores poluidores, todos os paises são ineficientes e muitas das soluções provocam efeitos secundários danosos seja ao meio ambiente, seja no encarecimento dos alimentos. Estamos diante de grande encruzilhada entre o indispensável uso de energia, a imediata satisfação das necessidades alimentícias e a sustentabilidade do Planeta.
Petróleo mais caro não significa apenas gasolina mais cara, significa que todos os derivados que servem de insumos para uma pletora de indústrias ficarão mais caros, inclusive os insumos agrícolas, do que decorre alimentos mais caros para a humanidade.
A solução para essa terrível ameaça que já se manifesta de modo tão agressivo poderia advir de duplo esforço, um no sentido de se obter melhores índices de eficiência na geração e no uso da energia, outro no de desenvolver fontes de energia renovável.
A luz solar que atinge a Terra em apenas uma hora contém suficiente energia para abastecer toda a população humana durante um ano. Isto é potência equivalente a dez mil milhas cúbicas de petróleo. "Milha cúbica de petróleo" é uma aproximação grosseira do consumo mundial anual do produto, algumas vezes utilizada para comparações com fontes alternativas de energia, tais como solar, eólica, geotérmica e de biomassa. Para suprir o equivalente a uma milha cúbica de petróleo seriam necessárias 4,2 bilhões de placas captadoras de energia solar de telhado ou 3 milhões de turbinas eólicas, ou 2.500 usinas termo-nucleares ou 300 hidroelétricas de Itaipu. Até a pouco não tínhamos tecnologia adequada para captar toda essa energia a custos economicamente viáveis. Os preços atuais do petróleo e os que se prevêem em futuro próximo tornam realizável essa perspectiva.
Embora o Brasil não seja tão bem aquinhoado em energia eólica, está entre os mais abençoados com abundante insolação, recursos hídricos, potencial hidroelétrico, solo fértil e florestas. Seria crime contra a humanidade não colocar esse potencial a serviço da reversão do efeito estufa e da estabilização do clima, mesmo ao custo de concessões razoáveis ao rigor na proteção ambiental. A menos que se trate de aberrações ecológicas, os ganhos ambientais seriam enormes. Eis algumas áreas onde se deveria atuar com vigor e decisão em termos de melhoria da eficiência na geração e uso e na produção de energia renovável, não apenas em nosso país, mas em todo o Planeta.
Na melhoria da eficiência: O transporte público deveria oferecer vantagens econômicas e de comodidade sobre o uso de automóveis particulares. A energia térmica gerada por diversas fontes deveria ser aproveitada para aplicações diversas inclusive alimentando termoelétricas. A rede pública de distribuição elétrica deveria receber e compensar economicamente os excedentes da produção particular, inclusive a residencial, incentivando o uso de milhões de pequenos geradores solares, eólicos e hidroelétricos. Os equipamentos deveriam mostrar, de forma padronizada, o índice comparativo de eficiência energética em relação a padrões pré-estabelecidos.
Na geração de energia: Com as raras exceções de viabilidades econômica ou ambiental, todo o potencial hidroelétrico deveria ser aproveitado. As regiões desérticas deveriam ser extensivamente aproveitadas como campos de captação de energia solar e as sombras dos equipamentos utilizadas na tentativa de desenvolver vegetação. Campos de moinhos de vento para geração eólica de eletricidade deveriam ser implantados onde houver condições adequadas. O metano, proveniente dos dejetos dos criatórios e dos aterros sanitários, deveria ser extensivamente aproveitado na geração de eletricidade. O mercado de carbono deveria ser simplificado e popularizado pela diminuição dos emperramentos burocráticos da ONU.
Na geração de biomassa energética: Além da já bem estabelecida indústria de etanol proveniente da cana de açúcar, outras fontes deveriam ser pesquisadas. O desenvolvimento do biodiesel ainda é incipiente e irrelevante na substituição do diesel de petróleo e deveria receber investimentos adequados para pesquisa cientifica e tecnológica. Lenha, cavacos, briquetes, aglomerados de liteira e muitas outras formas de aproveitamento da biomassa das florestas e da agricultura deveriam ser pesquisados e desenvolvidos comercialmente. Lenha e carvão têm sido coibidos para combater o desmatamento; no entanto são importantes fontes energéticas e deveriam ser melhor desenvolvidos tecnologicamente e incluídos nos planos de manejo florestal e nas grades energéticas dos paises onde haja viabilidade técnico-econômica.
Um ponto importante a ser considerado é como e onde desenvolver tais fontes em melhores condições. Óleo, gás e hidroeletricidade são produzidos apenas nos lugares de ocorrência, consequentemente, os possíveis. Disponibilidade e custos de captação são coisas totalmente regionais. No Texas, por exemplo, embora haja planos para implantação da maior fazenda de moinhos de vento do planeta, as mais poderosas fontes potenciais de energia eólica dos Estados Unidos, passos de montanha e topos de colinas desse estado, permanecem desaproveitadas. A maior parte dos territórios das Américas entre os Estados Unidos e o Brasil, dos países mediterrâneos, da África, Oriente Médio, Sul da Ásia e Austrália, é grandemente propícia ao aproveitamento da energia solar. Grande parte dos mesmos territórios é convidativa à produção de biomassa. Estas formas de energia, que hoje são alternativas ms em breve se tornarão importantes concorrentes da energia fóssil, exigem grandes investimentos, no entanto, pouco esforço estatal seria necessário uma vez que os altos preços do petróleo as tornam cada vez mais competitivas e suficientemente atrativas para a iniciativa privada, desde que a burocracia ambiental ortodoxa não emperre os projetos industriais.
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