Bem no horário, a veloz corveta desliza suas esbeltas linhas ao se aproximar, singrando as ondas num desfile elegante frente ao embarcadouro. Vai a toda máquina até o fim do arquipélago. De repente, dá meia-volta e retorna para lançar ferros a cerca de cem braças da praia. Desde cedo o grupo se reunira na praia, próximo ao embarcadouro, aguardando a chegado do navio, novidade na ilha que recebia apenas um pequeno cargueiro a cada trinta dias. Este que chagava havia sido anunciado por telegrama do proprietário. Era antiga corveta, excedente de guerra da Marinha dos Estados Unidos, adquirida e transformada em navio-fábrica para processamento de óleo de fígado de tubarão.
Embarcamos numa lancha e fomos conhecer o navio. O proprietário nos recebeu cordialmente e convidou para uns drinques enquanto aguardávamos o almoço. Logo, nos levou a percorrer o barco. Houvera total transformação de nave de guerra para fins civis, os depósitos de munição abrigavam agora máquinas processadoras de fígado de peixe, e tanques de armazenamento e conservação do óleo extraído, principalmente de tubarão, abundante na costa nordestina. Durante o percurso e depois, durante o almoço, o proprietário contou suas aventuras e como chegou a possuir aquele barco.
Ele era o herdeiro de tradicional laboratório farmacêutico fabricante do fortificante e estimulador de apetite mais consumido pelas crianças brasileiras daquela época. Um dos principais produtos do laboratório era um óleo de fígado de bacalhau que dependia da importação da matéria prima proveniente da Europa. Durante a guerra, a importação cessara e o laboratório sofreu grandes prejuízos.
O jovem empresário foi para os Estados Unidos, onde havia se formado, e se empregou como faxineiro em uma fábrica de óleo de peixe, matéria prima para a indústria farmacêutica. Sua função lhe permitia percorrer e conhecer toda a fábrica. Como era muito ativo e interessado, foi transferido para a área de processamento onde observou todo o processo industrial e aprendeu que a qualidade do produto dependia da rápida extração e utilização do óleo. Durante ano e meio, passando como imigrante latino pobre, o rico industrial morou em quarto alugado de uma família, próximo à fábrica, para onde ia a pé.
Dominada a tecnologia, passou a supervisionar as obras de transformação da corveta e a instalação, dentro dela, dos equipamentos que encomendara. Ele optara pela fabrica embarcada porque o navio poderia ir até a fonte da matéria prima e processá-la imediatamente, obtendo produto com muito maior qualidade e alto teor de vitaminas A e D. Quando o navio ficou pronto, zarpou para o Nordeste onde contratou pescadores que entregavam a pescaria diretamente a bordo. A viagem até a ilha tinha o propósito de avaliar o potencial de cardumes de cações suficiente para alimentar a fábrica. O barco operou com sucesso por vários anos na costa brasileira, substituindo com óleo de fígado de cação o óleo importado de fígado de bacalhau.
O espírito indagador daquele jovem empreendedor, que aprendeu não apenas o que já era conhecido, mas a avançar e aperfeiçoar o produto, a inovar, se contrapõe ao de outros empresários que, trinta anos depois, desejando iniciar indústria eletrônica, simplesmente, compraram nos Estados Unidos os esquemas dos equipamentos que pretendiam produzir. Eles puderam reproduzir o que já fora criado, mas não adquiriram o conhecimento de como avançar, como criar novos produtos. A concorrência logo os suplantou e a empresa ficou com as prateleiras repletas de obsolescências invendáveis.
É verdade que todo o conhecimento está nos livros. Hoje, quase tudo está na Internet. Adquirir conhecimento é fácil, é quase passivo, basta ao estudioso percorrer as bibliotecas e os livros nelas contidos. Mas, saber a matéria, sem o conhecimento de como aplica-la, conduz ao impasse, à inoperância, à estagnação. Por isso é tão importante o estágio dos estudantes nas empresas, onde, tutorados por quem sabe fazer, aprenderão fazendo. Muitas vezes, a chave para esse tipo de conhecimento se adquire num bate-papo, num intervalo para cafezinho, numa conversa despretensiosa e amigável.
Saber criar é muito diferente de saber copiar e muito mais ainda de saber montar. A indústria montadora da Zona Franca de Manaus, que sobrevive apenas às custas do incentivo fiscal - odiado pela indústria paulista -por todas as virtudes que possa ter e benefícios que possa trazer para Manaus e a Amazônia, muito pouco contribui para a emancipação tecnológica de nosso país. Estamos sempre grandemente dependentes de projetos criados no Japão e peças fabricadas em Taiwan.
Ao contrário, a agroindústria, embasada nas pesquisas de tantos institutos científicos e tecnológicos, entre os quais desponta a EMBRAPA, e na coragem inovadora do empresariado do setor, coloca o Brasil na liderança e garante a segurança alimentar de nosso povo. E tecnologia não compra da prateleira. Samba não se aprende na escola...
Próxima crônica: Aprendendo a ter. Até lá!
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