O ruído inusitado acordou Matheus. Geralmente, ele acordava por volta das seis e um quarto, mas, naquela manhã, batidas surdas e compassadas lhe anteciparam o despertar. Matheus foi até a janela ver o que acontecia. No terreno baldio do outro lado da rua, um homem solitário usava cavadeira para abrir valas no chão já demarcado. Ao sair para o trabalho, Matheus foi cumprimentar o desconhecido. Logo, fizeram amizade e Conrado, o novo vizinho, contou que havia adquirido o lote e começava a construir sua casa própria para sair do aluguel, o lar, um lugar para ser feliz.
Matheus pegou o carro e seguiu para o escritório e, como sempre fazia, deu carona a Wendell, seu companheiro de trabalho. Passaram-se anos. Enquanto Conrado, que era operário em confecção de roupas, juntava tostões para comprar tijolos e telhas, Wendell construía carreira como executivo de grandes empresas e mudava de endereços alugados em várias cidades para onde era transferido.
Matheus acompanhava as atividades de Conrado enquanto este erguia sua casa. Estava ainda com tijolo aparente, sem reboco, e algumas janelas eram apenas tábuas excedentes das formas da laje. Conrado continuava no mesmo emprego e função, com o mesmo salário, o mesmo orçamento apertado, mal dando pra comer e pros cadernos dos filhos, mas continuava com a mesma disposição, a mesma fé, firme em seu objetivo.
O mundo deu voltas, Wendell fora promovido a gerente, era chefe, tinha carro, cartão de crédito, jantava fora, comprara título de clube de tênis, viajava pro exterior. Mas quanto mais ganhava, mais dinheiro lhe faltava, era como se escalasse parede deslizante, quanto mais subia, mais escorregava. Conrado, no entanto, continuava no mesmo emprego e função, tudo igual. Porém, sua casa agora tinha reboco e pintura, piso cerâmico, mais um quarto, suíte, portas e janelas de madeira, jardim florido, árvore no quintal, portão de ferro, uma beleza. Matheus pôs-se a refletir, a indagar como, com tão pouco, o vizinho tinha chegado a tanto, enquanto Wendell, com tanto, obtivera tão pouco, quase nada de concreto.
Antigo senhorio de Wendell lhe perguntara, um dia, se possuía caderneta de poupança e este respondera que não; se houvesse necessidade, usaria cartão de crédito ou pediria adiantamento na empresa em que trabalhava. O senhorio balançou a cabeça e comentou que provavelmente, ele atrasaria o aluguel, o que não seria bom pra nenhum dos dois, e mais, o que distingue o homem, como animal superior, é capacidade de prevenção contra adversidades, para o que é necessário poupar, economizar: o homem é um animal econômico.
Comparando os dois, Matheus tentou classificar as pessoas quanto à capacidade de ganhar e ter. Possivelmente, haveria quatro classes: 1 - os que não sabem ganhar, nem ter; 2 - os que sabem ganhar, mas não sabem ter; 3 - os que não sabem ganhar, mas sabem ter; 4 - os que sabem ganhar e ter. Matheus colocou Wendell na segunda classe e Conrado na terceira.
Conrado, embora não tivesse talento para se desenvolver profissionalmente, galgar postos, atingir maiores salários, tinha o dom da economia e, principalmente, tinha objetivo firme e mantinha o foco de sua vida no alvo que estabelecera. Pouco a pouco, economizando tostões, aplicando corretamente, pechinchando, fazendo ele mesmo o que era possível fazer sozinho, construiu o sonho de sua família.
Com o tempo, Matheus verificou que a capacidade de Wendell ganhar não era bem isto, mas algo semelhante, a capacidade de crescer profissionalmente, com certeza, de grande valor, principalmente se acompanhada da capacidade de poupar, de manter o ganhou com tanto esforço. Observando bem, constatou que são realmente poucas as pessoas com o dom de ganhar. Menos, ainda as com o dom de ter, de manter, de fazer crescer o que ganham.
Enquanto Wendell esteve em ascensão, tudo correu bem. Mas adversidades ocorrem, a maioria das vezes por causas alheias ao contexto. Assim, quando mudou o controle acionário da empresa em que trabalhava e os antigos executivos foram dispensados, Conrado foi obrigado a constatar, da pior maneira, quanta falta faz uma sólida poupança. Foi então que aprendeu a atitude certa: se ganhar pouco, poupar muito; se ganhar muito, poupar bem e aplicar melhor. Aplicar não é o tema desta crônica, mas vale dizer que quanto mais cedo se inicia uma carteira de investimentos, mais substancial será a renda da aposentadoria.
Saber poupar e investir é tão importante que deveria ser ensinado, desde cedo, nas escolas, porque faz a diferença da velhice: triste e dificultosa ou divertida e confortável.
A seguir: O valor do sorriso. Até lá!
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