Exposição de Arte
Brasileira do Tapajós
Sebastião
Imbiriba
Artigo
publicados em O Estado do Tapajós de
O Projeto
A Exposição de Arte
Brasileira do Tapajós é um projeto de longo alcance objetivando o
desenvolvimento de Santarém e todo o Oeste do Pará através de um movimento
estético identificador de nossa região, de nossa cultura, de nosso povo, tendo
como consequência a transformação desta região em destino turístico-cultural
capaz de absorver grandes contingentes de mão de obra e criar importantes
negócios promotores do desenvolvimento econômico e social.
A Exposição de Arte
Brasileira do Tapajós é uma coleção de obras de arte, tanto trabalhos atuais
baseados em peças arqueológicas quanto as próprias peças originais, a ser
apresentada ao público europeu a partir de novembro de 2006 em Copenhague,
Dinamarca e, em 2007 ao público brasileiro. A nova estética a ser apresentada
consiste na aplicação de grafismos da cerâmica Tapajó pré-colombiana em obras
de artes atuais como forma de as identificar como “Arte Santarém” ou “Arte Tapajó”.
A exposição será composta de:
1 - Vasos arqueológicos da
coleção do Museu João Fona de Santarém, do Museu Emílio Goeldi e da
Universidade de São Paulo, se possível, representativos da cultura Tapajó;
2 - Réplicas atuais de
cerâmica original;
3 - Peças de arte atuais,
figurativas representando velhas lendas amazônicas produzidas em diversos meios
como colagem de materiais da floresta em óleo sobre tela, joalheria, talha em
madeira e outras formas de expressão artística, bem como, estilizações e
alegorias dos motivos da cerâmica Tapajó.
Os objetivos do projeto
são:
1 - Promover a criação e
divulgar uma estética identificadora da arte produzida na região de influência dos
antigos tapajó, os rios Tapajós, Trombetas e Baixo Amazonas, e seus afluentes;
2 - Aperfeiçoar a cultura artística,
a estética e a técnica dos artistas e artesãos dessa região;
3 - Melhorar a renda dos
artistas e artesãos envolvidos no projeto através da divulgação e apoio às
vendas dos objetos de arte produzidos;
4 - Elevar os indicadores
sociais e econômicos das famílias dos artistas e, consequentemente de toda a
sociedade.
O escopo do projeto
abrange:
1 - Arregimentação,
motivação e treinamento dos artistas (início de 2006);
2 - Concurso de Seleção das
obras a serem incluídas na exposição (junho de 2006);
3 - Exposição (novembro
2006) na Dinamarca, escolhida pela grande simpatia que este país tem pelo
Brasil e pelos contatos estabelecidos pelo idealizador do projeto com Sr. Finn
Andersen, Gerente Geral do Instituto Dinamarquês de Cultura e Sra. Libusé Muller,
proprietária da Galleri SHAMBALA de Copenhague;
4 - Exposição itinerante
por universidades e centros culturais brasileiros (no correr de 2007);
5 - Palestras concomitantes
com as exposições;
6 - Relações públicas e
divulgação através de entrevistas coletivas, notas à imprensa, publicidade na
mídia eletrônica e impressa;
7 - Curatela e seguro para
os objetos arqueológicos cedidos por museus.
Justificativa cultural
A justificativa histórica,
arqueológica e artística tem origens em vários fatos e circunstâncias desde os
primórdios de nossa história e da pré-história. Em carta de 1637, durante sua
expedição pelo rio Amazonas, num exercício de exagero imaginativo, o explorador
português Bento da Costa afirmava que “se do ar deixassem cair uma agulha, há
de dar em cabeça de índio e não no solo”. Tentava ele indicar a enormidade da
população indígena que àquela época povoava as margens do grande rio de que
fora o primeiro explorador lusitano a navegar até seus confins. Estima-se hoje
que a população daquele tempo possa ter atingido mais de sete milhões de
indivíduos, aproximadamente a atual população conjunta dos Estados do Amazonas
e Pará.
Exageros à parte, pesquisas
arqueológicas realizadas a partir da década de 1980 indicam ter havido dois
povos amazônicos pré-colombianos mais avançados, tecnológica e artisticamente,
do que seus contemporâneos e mesmo que seus descendentes da época do
descobrimento. Estes povos foram os Marajoara e os Tapajó. Há vestígios
comprovados, de ambos os povos, datados dos primeiros séculos da era cristã. Os
marajoaras desapareceram, inexplicavelmente, por volta do ano 1300. Seus
domínios, as ilhas do arquipélago do Marajó, foram posteriormente ocupados por
gente de outra origem, os Aruaque.
Os Tapajó parecem ter
chegado ao Baixo Amazonas já em seu melhor estágio cultural e, ao longo do
tempo, perderam conhecimento e se moldaram em outras etnias, como Mundurucu,
Wai-wai e Pauxi, alguns dos quais permanecem até nossos dias. É nesse estágio
de regressão cultural que foram catequizados por missionários jesuítas
comandados pelo padre Felipe Bettendorf.
A memória desses dois
grandes povos foi quase totalmente apagada pela ação do tempo, da selva, do
vandalismo do colonizador e do preconceito do catequista. Dos Marajoaras
restaram potes de cerâmica utilitária magnificamente decorada. Do legado Tapajó
herdamos utensílios de pedra polida e cerâmica produzida com finalidade
principalmente estética, objetos de arte refinada, altamente elaborada.
A nação Tupaiu, Tapajó, tapajoara,
tapajônica ou, ainda, santarena, como queiram, parece ter sido, se não um
império no senso próprio do vocábulo, pelo menos, o domínio de um povo
hegemônico central sobre etnias periféricas situadas até a mais de trezentos
quilômetros de Santarém, estendendo-se acima e abaixo pelo Baixo Amazonas,
Trombetas e Tapajós, como indicam os achados arqueológicos em sítios espalhados
por toda essa região. Um relato da existência deste “império” foi feito em 1662
pelo português Maurício Heriarte ao descrever sua expedição ao Amazonas.
Há notícias, certamente exageradas ao extremo, de
movimentos bélicos de grandes proporções envolvendo muitas dezenas de milhares
de guerreiros do povo Tapajó, o que, consideradas as dificuldades logísticas de
seu estágio de civilização, seria uma impossibilidade, principalmente quando se
movimentassem em expedições por grandes distâncias. No entanto, os Tapajó eram
certamente os mais aguerridos dos povos da Amazônia, envenenavam suas flechas
com curare e suas mulheres participavam das campanhas, talvez até
Mas, se a arte da guerra
pode ter sido marca da civilização tapajó, não há dúvida de que a da cerâmica
tenha sido seu maior apanágio e é isto que veremos a seguir.
A Cerâmica Tapajó
Vaso de cariátides Frederico Barata, um dos
mais ilustres intelectuais de Santarém - jornalista, escritor, arqueólogo -
desenvolveu trabalho de grande importância recolhendo peças de cerâmica Tapajó,
descrevendo-as, analisando-as, coletando sua morfologia e seus grafismos,
procedendo à análise estilística dessa arte ao mesmo tempo tão sofisticada e tão
simples. É tal o valor de sua obra que, embora realizada de forma empírica e
com poucos recursos, serve como fundamento bastante e necessário a todos os
trabalhos acadêmicos, os de bacharelado assim como os de mestrado e doutorado,
que se realizam sobre a arte do povo Tapajó. Frederico Barata esgotou a
essência do assunto. |
Os dois principais tipos de
vasos, o de gargalo e o de cariátides[i]
tinham aplicações diferentes. O primeiro, certamente, servia para depósito de
líquidos ou cinzas, pois que todos os deste tipo encontrados intactos continham
uma destas substâncias, enquanto que em nenhum dos de cariátides jamais foi
encontrado vestígio de qualquer material. As cinzas seriam as dos mortos. Os
líquidos seriam vinhos com algum teor alcoólico derivados do milho ou do
arroz-bravo. Fala-se da possibilidade de que existissem bebidas alucinógenas,
mas disto não parece haver comprovação entre o povo Tapajó.
A principal forma de
expressão da arte Tapajó é a cerâmica, tanto na forma de vasos quanto de ídolos.
Por seu estilo e técnica é cerâmica única na Amazônia. De pequenas dimensões,
não ultrapassam os trinta centímetros quer na altura ou na largura. Os ídolos
cerâmicos têm dimensões ainda menores.
O “vaso de cariátides” é um
cálice raso montado sobre pedestal de menor diâmetro, em forma de carretel,
tendo este, em sua parte mediana, três bustos de figuras femininas. O vaso é
decorado com grafismos de tal precisão geométrica que os módulos gráficos
percorrem toda a circunferência sem que haja alteração de suas proporções para
que suas extremidades se encontrem perfeitamente. O cálice é decorado com
figuras ântropo ou zoomorfos.
O “vaso de gargalo” é
constituído de um bojo encimado por um estreito e curto gargalo, sua única
abertura, sobreposto a um pedestal; a peça é decorada com cabeças e caudas de
lagartos ou pássaros aplicados ao bojo, como se este fosse o corpo do animal.
O “vaso de carenagem” é
mais simples e tem seu bojo circular dividido em gomos que sobressaem do
diâmetro normal, formando as carenagens que lhe dão o nome e beleza.
Tanto os vasos quanto os
ídolos eram profusamente adornados com motivos riscados ou
É muito provável que
aqueles povos antigos produzissem outras formas de arte, cestaria, por exemplo,
ou tecelagem de redes, cocares e outros adornos de penas,
Os atuais artistas
ceramistas do Marajó souberam incorporar a herança estética recebida dos
antepassados e elaborar sobre ela, criando um estilo muito particular que lhes
dá identidade e os torna imediatamente reconhecidos. O mesmo não ocorreu com os
artistas de Santarém. Talvez por ser um centro de tráfego mercantil intenso e
sofra toda sorte de influências das mais diferentes origens, sua arte tenha se
tornado mais cosmopolita e, portanto, menos identificável. Esta falta de
identidade, a ausência de um estilo particular, exclusivo de fazer arte, pode
ser resolvida, exatamente por estarmos criando, desenvolvendo, formando e
conformando uma cultura artística que seja nossa, a Arte Santarém ou a Nova
Arte Tapajó, uma estética própria que a torne conhecida e reconhecida,
facilmente identificável pelos apreciadores de arte em todo mundo.
O que os artistas que se
engajam nesta busca por novos horizontes artísticos estão fazendo não é mera
cópia da expressão artística dos antigos Tapajó. Temos aqui um movimento estético
criativo que toma emprestado a herança arqueológica para construir em cima e
além dela, inovando, inventando, acrescentando, contribuindo. Mesmo porque, não
se restringe à cerâmica, aventura-se por todas as formas de expressão em que o
espírito humano possa vislumbrar oportunidades de se exaltar e transcender. É
claro que o começo surge nas artes plásticas e prosseguirá por algum tempo
pelas artes manuais, mas nada impede que, no seu amadurecimento, possa
percorrer os caminhos da literatura e da música.
Haverá um dia em que
artesãos e artistas da região do Tapajós, tendo ultrapassado a fase da
iniciação e, depois, a do engajamento, quem sabe do proselitismo, possam viver
a plenitude da criação e traduzir em obras de livre inspiração o sentimento
atávico, o espírito redivivo, eternamente moderno e vibrante, dos antigos
Tapajó. Teremos então atingido a plenitude da criação de uma escola nossa, de
uma estilística própria, nossa, exclusivamente nossa, a “Arte Tapajó”.
A Exposição de Arte
Brasileira do Tapajós é um projeto que vai tomando corpo à medida em que
contatos vão sendo estabelecidos e novas contribuições são agregadas, como é o
caso dos entendimentos em reuniões que o idealizador do projeto manteve com o
Gerente Geral do Instituto Dinamarquês de Cultura, Sr. Finn Andersen, a
proprietária da Galleri SHAMBALA de Copenhague, Sra. Libusé Muller, o
Secretário Especial de Estado da Promoção Social, Gerson Peres, com o
Secretário Executivo de Cultura, Paulo Chaves Fernandes, com a Coordenadora de
Comunicação e Extensão do Museu Paraense Emílio Goeldi, Luiza Hussak van
Velthem, a Coordenadora do Ministério da Cultura e do IPHAN, Milene Lauande.
Logo após os primeiros
contatos realizados na Dinamarca, o Idealizador comunicou por e-mail à Prefeita
de Santarém, Maria do Carmo e ao Coordenador de Cultura Roberto Vinholte, por
intermédio da professora Terezinha Amorim os entendimentos estabelecidos e
solicitou o apoio indispensável da Prefeitura Municipal de Santarém.
A Exposição de Arte
Brasileira do Tapajós é um projeto com extraordinário alcance estratégico, mas
está apenas em seu início e muito há por fazer. Há necessidade da participação
dos artistas e de todos os que, de uma forma ou outra estão envolvidos com o
desenvolvimento cultural e social de nossa terra.
Comentário em 2020:
Logo após publicar esse
artigo, o Autor foi submetido a duas cirurgias, em Belém do Grão Pará, o que o
obrigou a mais de um ano de convalescência, sem dar continuidade ao projeto,
cuja oportunidade se perdeu, embora suas premissas continuem válidas.
[i] Cariátide [Do gr. Karyátides,
pelo lat. Caryatides.]
Substantivo feminino.
1.Figura humana, geralmente feminina, esculpida em fachadas de edifícios da
Grécia antiga com a função de suporte de cornija ou arquitrave: “Na platibanda
de friso ladrilhado, que duas cariátides de gesso amparavam e
guarneciam, um par bisbilhoteiro de janelinhas em guilhotina” (Josué Montelo, A
Décima Noite, p. 1). [Cf. telamão.] – Dicionário Aurélio
Um comentário:
Arte indígena é sempre bem vinda pelo teor cultural e histórico. Nos remete aos nativos que sofridamente extintos nos deixaram legados que hoje fazem a diversão e demagogia de seu mérito. De toda forma, lembrá-los talvez impeça que o que ainda resta da cultura indígena seja valorizada, respeitada e protegida. Parabéns ao autor do texto.
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