Marília de Dirceu é o
grande poema de Tomaz Antônio Gonzaga, um dos Inconfidentes Mineiros que, sob o
nome de Dirceu, descreveu em lirismo arcádico seu amor pela paixão de toda a vida,
a mineira Maria Dorotéa Joaquina de
Seixas, de quem fora noivo, a doce
Marília de seus cânticos.
Nada a ver com as sórdidas estórias de dois políticos corruptos e da
atitude de seus partidos diante de incontestes fatos de perversão ética: Demóstenes
e o DEM; Dirceu e o PT.
Não posso dizer que admire ou goste do Partido dos Trabalhadores. Gosto
menos ainda dos Democratas. Ambos, quando se vêm diante de atos de corrupção
cometidos por algum de seu filiados, tomam atitudes simbólicas do aparente comprometimento
com a verdade e com a ética de cada agremiação.
Quando Demóstenes Torres, senador da República, foi desmascarado na CPI
do Cachoeira, seu partido, o DEM, não tergiversou, o expulsou imediatamente de
seus quadros e o abandonou à própria sorte. Significa isto que demais membros
do partido abominem a corrupção? Pode ser, mas acho difícil de acreditar. Para
mim poderia ser demonstração de sentimento que, provavelmente, não existiria.
Mas, pelo menos, foi um gesto de satisfação a seus eleitores. E, nisto,
acertaram.
Assim como o DEM, há outros aglomerados de interesses individuais. Neles,
cada um utiliza o partido para seus próprios fins, as alianças se fazem para
benefício mútuo entre as partes, não há outros compromissos senão com os
próprios negócios, muitos destes claramente escusos. Partidos cujos programas
são peças de ficção irrealizáveis e completamente divorciadas das respectivas práticas
políticas. É o patrimonialismo de nossos políticos desde os tempos de Garcia
d’Ávila.
Partidos ideológicos são geralmente muito pequenos e vociferantes, mas
faltos de real força política, portanto, sem poder. A exceção é o PT onde
abundam ideologias de todas as gamas de esquerda, antagônicas entre si, cuja
única força de coesão é a liderança carismática e hábil de Luiz Inácio Lula da
Silva e seus métodos de custear a conquista do poder.
O Partido dos Trabalhadores possui um programa socializante e
estatizante. Mas este é, também, dissociado de sua prática de governo. Por
exemplo, por mais que combatesse as privatizações, em doze anos de poder não
estatizou de volta um item sequer de tudo o que fora privatizado por FHC. Pelo
contrário, continua transferindo à iniciativa privada tudo o que o governo não
tem capacidade de realizar.
Apesar disto os membros desse partido não apenas creem nos ideais
partidários, acreditam também na pureza de vestal de seus líderes e na total sordidez
de seus adversários, principalmente os do PSDB.
Quando a evidência da perversão de algum de seus correligionários se
apresenta, petistas ficam atônitos, mais ainda quando se revela que a podridão
se alastra por diversas instâncias de governo dominadas pelo PT. Foi o que
aconteceu no episódio do mensalão e outros antes deste.
O mensalão ofereceu oportunidade única ao Partido dos Trabalhadores de purgar
suas delinquências, realizar catarse purificadora, alijar seus quadros os
delituosos, anatemizar seus criminosos.
Bastava que a fala de Lula sobre as culpas do partido fosse sincera, que
repudiasse o caixa dois que praticara, saneasse as delinquências e expelisse os
delinquentes. O PT, embora menor, poderia ter saído do episódio renovado, mas
com autoridade moral e dignidade preservada diante da nação brasileira. Seria
um partido do qual, mesmo não concordando ideologicamente, todos os brasileiros
poderiam se orgulhar.
Mas o PT não podia fazer nada disso. O que destruiu totalmente a
autoridade moral de Lula e de seu partido foi a confissão pública que fez em
Paris da prática do caixa dois sob alegação de que seria prática usual de todos
os partidos. Poderia ter sido de todos, mas nunca do PT, ou este se igualaria
aos demais na prática delituosa. Foi o que aconteceu, e o que Lula admitiu ao
confessar.
A partir daí, Lula e o PT perderam a aura de pureza e dignidade que até
então orgulhosamente ostentavam diante de adversários curtidos na pratica do gozo
pessoal de bens públicos.
O mensalão revelou que, ao contrário dos políticos comuns, assaltantes do
erário público em benefício pessoal, a cúpula do Partido dos Trabalhadores o
fazia institucionalmente. Seus caciques, com toda confiança e cheios de moral,
assaltavam os cofres públicos em benefício da instituição. Era a
institucionalização do crime em nome do ideal.
Isto no princípio, porque, logo, quem roubava para o partido, passou a
roubar para si mesmo, sem diferençar caixa do PT do próprio bolso. E isto vinha
de longe. Pelo que se levantou em sindicâncias policiais e comissões
parlamentares de inquérito - o caso Celso Daniel é apenas pequena amostra - a
pratica se realizaria em praticamente todos os governos municipais e estaduais governados
pelo PT.
O petista comum, sincero, idealista, admirador de Lula, incrédulo como
quem não acredite que Louis Armstrong pisara na Lua, também não poderia crer que
seu partido e seus líderes pudessem cometer os crimes que os colocaria na
cadeia.
Por outro lado, cândidos petistas acreditam piamente que Lula e Dilma sejam
absolutamente tolos e incompetentes ao ponto de nada saberem, nem do mensalão,
nem do petrolão. Acreditam que seja possível a presidentes da república, inteligentes
e hábeis ao ponto de chegarem a tão alto cargo, dispondo de complexos e bem
aparelhados serviços de informação e corregedoria, deixar de ser informados de
tudo o que todos os demais políticos sabiam, pois muitos deles eram os
beneficiários, inclusive os que os rodeavam mais intimamente.
Quando a ficha caiu, perceberam que seus líderes e seu partido estariam tão
pervertidos como os demais. Não haveria diferença. Sim, não haveria diferença
entre PT e PSDB, como não haveria diferença entre Lula e FHC. Seria tudo igual.
Mas há uma diferença fundamental. Assim como a mãe reconhece o crime do
filho, mas não deixa de o amar, visita-o na cadeia e o afaga carinhosamente, o
petista de coração não deixa de amar e admirar a quem, por falso ideal, se
sacrificou pelo partido ao cometer crimes e pagar por eles.
Então, não consegue reconhecer a culpa evidente, encontra mil desculpas,
acusa tantos outros e, desveladamente, busca justificar o indesculpável. Só
Freud explica.
É por isso que José Dirceu é tão acarinhado, afagado, admirado e, apesar
de ter faturado dezenas de milhões de reais em consultorias ao cartel do
petrolão, ainda encontra quem, fiel e tolamente, contribua em vaquinha de
novecentos mil contos para pagar a multa que a Justiça lhe impôs. Pobrezinho.
Demóstenes curte o ostracismo. Os democratas, por convicção moral ou
desfaçatez cínica, sabe-se lá qual, o abandonaram.
Dirceu purga pena criminal em presídio da Capital. Mas goza de todo
prestígio, aplauso e consideração de petistas inveterados e renitentes.
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