Dos males, o menor
A
Comissão da Verdade está desenvolvendo o importante trabalho de
desvendar os segredos das masmorras da Ditadura Militar, fruto do ódio,
do amadorismo, da má formação profissional ou do mau caráter dos agentes
do governo encarregados de controlar e reprimir seus inimigos. Estes
erros - prisões, torturas e mortes - cometidos em nome do Estado, são
absolutamente injustificáveis e a memória nacional deve ser alertada
para que tais crimes não se repitam.
Os erros da Ditadura Militar e a
própria ditadura são detestáveis. No entanto, devemos considerar as
circunstâncias que provocaram o golpe militar que antecedeu o
estabelecimento da ditadura.
Esse golpe aconteceu em 31 de março de
1964. Em fevereiro desse ano, fui visitar um major, que cursava a
Escola de Estado Maior do Exército. Eu o conhecera quando ele era
tenente e foi ele que me introduziu à poesia de Omar Khayyam e à
doutrina de Carl Marx. Durante a visita que lhe fiz no apartamento
funcional que ocupava na Praia Vermelha, ele me assegurou que setores
militares de extrema esquerda, entre os quais ele se incluía junto com
alguns poucos generais, e facções comunistas civis treinadas na Rússia,
China e Cuba, tomariam o poder dentro de poucos meses. O grupo era
rarefeito nos altos escalões das Forças Armadas, por isso a necessidade
de subverter a hierarquia militar, passando o comando aos sargentos. Foi
a ultima vez que o vi ou tomei conhecimento de sua existência, mas sai
de lá certo de que os comunistas estariam no poder antes de junho
daquele ano. Eles manteriam Jango na fachada por algum tempo, mas
dominariam política e militarmente o país e, logo, estabeleceriam a
ditadura do proletariado.
Aquela era a época em que a Guerra Fria
estava em seu auge, com grande expansão da doutrina comunista na Ásia,
África e América Latina, e a recente crise dos mísseis soviéticos em
Cuba. Rússia e China, de um lado, treinando, financiando e armado forças
subversivas por toda parte, e Estados Unidos, da mesma forma,
treinando, financiando e armando seus simpatizantes e aliados. A
Democracia e os interesses nacionais dos países alvos pouco contavam ou
importavam diante dos interesses das grandes potências. O Brasil era
apenas mais uma marionete nesse grande jogo geopolítico disputado por
Moscou e Washington, e aqui havia fantoches manipulados por ambos os
atores. Se Khrushchev não tivesse retraído o financiamento soviético às
revoluções em andamento na América Latina, após o fiasco da crise dos
mísseis de 1962, inclusive o apoio a Prestes e ao PCB, talvez o golpe
preparado pelos comunistas tivesse tomado corpo.
De qualquer forma,
Brizola com seus Grupos dos Onze, Francisco Julião e Luiz Carlos Prestes
treinando seus partidários em Cuba e recebendo armas da Rússia, assim
como muitos outros grupos, alguns em consonância com o PCB, outros
agindo por conta própria se preparavam para a revolução e a tomada do
poder pela força ou pelo golpe de estado.
Por outro lado, facções
anticomunistas, lideradas intempestivamente pelo general Olímpio Mourão
Filho, tomaram a iniciativa, e venceram simplesmente porque João Goulart
não encontrou um só general que se opusesse às tropas que desciam de
Juiz de Fora. Sem apoio, Jango pegou o primeiro avião e deixou o governo
a um triunvirato militar.
Se o golpe militar foi um mal, pelo menos
evitou mal maior, e o grau de perversidade entre um mal e outro pode
ser medido pela simples comparação entre fatalidades provocadas por um e
outro. O regime militar brasileiro matou pouco menos de 400 pessoas. O
regime cubano de Fidel e Guevara fuzilou pouco menos de 4.000. Além
disto, a ditadura brasileira se declarou em abertura lenta gradual e
progressiva, ao ponto de o último ditador declarar que haveria abertura
ou “prendo e arrebento”, decretar anistia geral e irrestrita, e permitir
que um governo civil, para cuja escolha não interferiu, o sucedesse
pacificamente. Enquanto isto a ditadura comunista cubana perdura até
hoje e sem perspectivas de abertura de qualquer natureza.
Pagamos preço horrível. Mas estamos livres de ditadura ainda mais terrível.
Dos males, o menor.
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