28 de julho de 2012

Belém e Tapajós, amor e ódio – III


Tem mais é que separar, mesmo, para que todos sejam felizes para sempre. Estas sábias palavras de meu sobrinho poderiam ter sido concretizadas no plebiscito de outubros de 2011, se as elites do Grão Pará tivessem grandeza de espírito para perceber e praticar o que é justo, magnanimidade para conceder o que nada lhe custa e clarividência para decidir o que seja o melhor para todos.
E o melhor seria cada um pro seu lado, Pará, Carajás e Tapajós, cada qual cuidando de sua vida, realizando sonhos de autonomia, felizes para sempre. Separados mas se amando, porque o amor que existe entre pais e filhos não se extingue quando estes se tornam maiores e independentes. Pelo contrário, o amor aumenta com a chegada dos netos e há entendimento pleno, afeto sincero e puro.
O povo do Oeste do Pará, do Tapajós, sempre amou o povo de Belém, sempre amou as pessoas que vivem em Belém, e sempre amou a cidade de Belém, sua eterna capital, onde muitos estudaram, se formaram, adquiriram profissão, conquistaram amigos, relações de negócios e de família. Belém, a cidade de todo o Pará.
Mas a recíproca nem sempre foi verdadeira. Nativos do Baixo Amazonas, nem sempre, porém muitas vezes, foram e são tratados pelas elites belenenses de cima para baixo, com ares de superioridade, como senhores do Grão Pará condescendo em se relacionar com inferiores merecedores de pouca consideração e respeito.
Esse tipo de relação se revelou por inteiro no plebiscito. O povo do Tapajós veio - cheio de amor e esperança, confiando plenamente em que o povo de Belém se comportasse como irmãos, filhos dos mesmos pais - pedir apoio e benção para se emancipar, seguir seu destino independente, como acontece em qualquer família comum.
A recíproca, no entanto, não foi verdadeira. Agindo da mesma forma perversa com que colonizadores portugueses e espanhóis percorriam sertões aprisionando e escravizando indígenas, as igualmente perversas elites do Grão Pará mantiveram os grilhões com que subjugam os povos do Carajás e Tapajós.
Usando todos os meios de que dispõem - poder político e econômico, poder de persuasão dos grandes jornais, da TV, do Rádio e de artistas comprados a peso de ouro - as elites do Grão Pará convenceram o inocente povo de Belém de que o bem era o mal, divisão era perversão, Carajaenses eram forasteiros indignos roubando riquezas alheias e Tapajoaras bugres ignorantes incapazes de gerir seus próprios destinos.
Enquanto os propagandistas do Tapajós e Carajás apregoavam as virtudes da multiplicação dos Estados, com proposições lógicas e sólidas, as elites do Grão Pará, promotores do NÃO, proclamavam inverdades e apelavam para sentimentos menos nobres: egoísmo, ganância e preconceito, com sua propaganda subjetiva e sentimentalista, ridicularizando e agredindo, até fisicamente, os pacíficos defensores do SIM.
Essa infeliz propaganda do NÃO feriu mortalmente o amor do povo do Tapajós por Belém, o que era afeto se transformou em ressentimento, rancor e até ódio, num desamor se dirige às elites do Grão Pará, mas se reflete, irracionalmente, no povo de Belém.
E, quando esse ressentimento se manifesta em queixas amargas do povo do Tapajós, o povo de Belém se ressente e fica também amargurado. As sementes do ódio estão lançadas. E com tanta mais força quanto mais intensa foi demonstrada a vontade das partes. 3/4 do povo de Belém votaram NÃO. 3/4 dos povos do Tapajós e Carajás votaram SIM. E o povo do Xingu ficou dividido meio a meio.
A divisão está feita. Hoje, sabemos que existem cinco estados perfeitamente delimitados, resultante do plebiscito, Pará, Marajó, Xingu, Carajás e Tapajós. A divisão não se realizou por marco legal. A divisão existe por vontade e sentimento do povo.
Antes, a separação era sonho de patriotas visionários do Tapajós que amavam Belém. Hoje a separação é fato provocado por resentimento e mágoa contra Belém.
O povo do Tapajós amava o Pará, amava Belém. Mas onde havia amor, existe agora rancor e ódio. Um dia, quando a autonomia chegar e a bandeira do Tapajós tremular vibrante na brisa da Liberdade, o afeto antigo ressuscitará, e o amor reinará sobre o triplo Pará.

20 de julho de 2012

Belém e Tapajós, amor e ódio – II



A conversa com os sobrinhos continuava com perguntas agudamente inteligentes que me faziam meditar antes de oferecer resposta. Uma das sobrinhas havia me relatado seu namoro e as complicações que teve por causa dele. É seu único namoro, primeiro romance que o pai, severo e atento, queria proibir, mas a mãe, prudente e sábia, o convenceu de que é melhor a filha namorar com conhecimento e acompanhamento dos pais, do que induzir a jovem a subterfúgios e mentiras. Perguntei à menina, agora com quinze anos, aonde achava que essa relação iria conduzir. Ela respondeu que se tudo corresse como esperado ela e o namorado iriam continuar estudando normalmente, se formariam, casariam, constituiriam seu próprio lar, teriam filhos e netos, e viveriam felizes para sempre.
Lindo. Comovente. Gostei da resposta. Demonstra a boa educação e orientação para a vida que recebe em casa e na escola. Ela e os pais estão de parabéns. Mas perguntei se havia semelhança entre sua própria vida, seus interesses, suas aspirações de desenvolvimento, prosperidade e felicidade, e as aspirações de dois séculos do povo do Baixo Amazonas e do Tapajós por autonomia administrativa, um povo que quer dirigir o próprio destino de acordo com as peculiaridades culturais, étnicas e geográficas da região.
Sim, respondeu ela, acho muito justo que alguém que se desenvolve e adquire personalidade cultural e econômica própria queira e tenha todo o direito de dirigir sua própria vida, assim como eu mesma quero, e outras regiões que se tornaram estados da federação brasileira. Sim, confirmou a bela e inteligente jovem, o Estado do Tapajós tem todo direito de se tornar autônomo e seguir seu próprio destino.
Então perguntei ao irmão da moça, dois anos mais jovem do que ela, o que ele pensava disso tudo, da ânsia de sua irmã e do povo do Tapajós, a um determinado ponto de desenvolvimento, regularem suas próprias vidas. O rapaz, também brilhante, respondeu que não tinha opinião definitivamente formada, que achava que a irmã e o Tapajós estão certos em desejar autonomia em dirigir suas próprias vidas, porém, que poderia haver outras formas de atingir os objetivos, tanto do Tapajós quanto do Carajás, que não fossem pela separação.
Perguntei quais seriam estes meios e ele indagou: Não é o desenvolvimento que vocês querem? Esse desenvolvimento não pode ser mais bem conduzido por um trabalho conjunto, sem separação?
Que excelente pergunta. Mas resposta é simplesmente NÃO! Não queremos o desenvolvimento pelo desenvolvimento, não desejamos um desenvolvimento imposto de cima pra baixo, enfiado por goela adentro, e citei o caso da Orla de Altér do Chão.
Veio uma equipe de Belém com um projeto até razoável e mostrou o que iriam fazer para melhorar o visual da vila. Os moradores disseram não, não era aquilo o que queriam, queriam assim e assado, mas não do jeito que os Arquitetos do Grão Pará mostraram. O pessoal de Belém foi embora e, de repente, veio uma empresa de fora e fez a obra exatamente como no projeto original imposto sem satisfazer, nem no mais ínfimo detalhe, o que os moradores desejavam.
Relembrei fatos anteriores, fatos de desde sempre, de Mendonça Furtado mandando mudar os nomes de todos os lugares, arbitrariamente, sem consultar se os moradores das vilas e aldeias desejavam ou aceitavam novos nomes para seus sítios, se Pauxis queriam se chamar Óbidos, ou Tupaiús, Santarém. E o arrogante interventor Magalhães Barata, desembarcando do Aquidabã no Trapiche de Santarém, distribuindo ralhos e reproches a torto e a direito por todos os que o iam receber, os que o faziam por ofício e os pelo prazer de puxar saco de potentado. Exemplos que se repetem a todo instante, todo o tempo.
Meu sobrinho ficou calado por algum tempo, refletindo, e respondeu: É tio, tem jeito não, tem mais é que separar mesmo para que todos sejam felizes para sempre.

14 de julho de 2012

Belém e Tapajós, amor e ódio - I


Confesso que quando jovem usava da mesma medida moral para todos os casos. Mas essa generalização, de julgar a todos do mesmo jeito, cessou quando conheci aquela que viria a ser minha futura sogra, mulher virtuosa, íntegra, boníssima, mas adepta de outro partido político. Eu me perguntava, como pode tão boa gente ser partidária de tanto mal? Então me apercebi que o mal pode ter um lado bom, um encantamento que atrai pessoas menos atentas à complexidade das coisas e das causas políticas e não se apercebem que o mal convive com o bem.
Esta semana em Santarém, compareci a festiva reunião familiar, irmãos, filhos e sobrinhos vieram de toda parte, inclusive, alguns que vivem em Belém compareceram e tive o prazer de com eles conversar sobre muitas coisas, família, antepassados, romances, estudos, futuras profissões e, não poderia faltar, Estado do Tapajós. Uma das sobrinhas me declarou com ênfase, tio, eu amo Belém! E o mesmo sentimento se repetiu em todos. E eu me perguntava: como podem crianças e adolescentes tão bem educados, ternos e bons amar tanto mal?
Então caí em mim, o mal não está na cidade, nem no povo de Belém. O mal reside em uma coisa chamada “espírito do Grão Pará", algo profundamente enraizado, uma sede de poder, potência e posse, ânsia de se sentir dono de imensos territórios, mania de grandeza. Algo que não é do povo de Belém, mas que domina o pensamento de suas perversas elites, gente que sacrifica seu próprio povo no altar de interesses mesquinhos.
O Estado do Maranhão e Grão Pará se estendia do Piauí aos confins do Rio Negro. Encolheu. Maranhão e Grão Pará se separaram. Depois, Amazonas, Amapá, Rondônia e Roraima, sucessivamente, se emanciparam um por um e, a cada separação, um sentimento de frustação, de perda, um desconsolo inconformado, profunda sensação de causa perdida. As elites não se conformavam.
A par disto, o hábito de sugar sangue e riquezas, o tutano da Amazônia. Belém não se fez por si mesma. Foi feita pela riqueza que extraiu de longínquos rincões, de igarapés e rios, de campos e matas, de bichos e gentes, de povos que se mataram de trabalho e de malária para fazer a grandeza e o luxo das elites da Grande Belém do Grão Pará.
Mais ainda, o hábito de menosprezar as cidades e povos do interior. As elites do Grão Pará consideram gentalha, zé povinho, os povos do Marajó, Tocantins, Xingu, Tapajós, Transamazônica, Trombetas, Baixo-Amazonas, Carajás, Bragança e do Litoral. Para elas, só Belém é Pará, e Pará é Ver-o-Peso, Docas, Praça da República (Largo da Pólvora), Teatro da Paz, Batista Campos, Basílica e Círio de Nazaré. Onde fica Santarém, Altamira, Oriximiná, Marabá, Óbidos, Jacareacanga, enfim onde fica o interior, ninguém sabe.
E o hábito de usurpar. Um secretário do governo de um ex-governador do Pará acompanhou um industrial paulista a Santarém onde este pretendia implantar uma fábrica, importante gerador de empregos e renda para milhares de agricultores familiares da região do Lago Grande do Curuai.
Estavam os dois almoçando quando e secretário instou ao investidor que não instalasse a fábrica em Santarém, mas sim em Belém ou seus arredores, apontando grandes vantagens para essa localização. O industrial olhou espantado para o político, e sua falta de ética, e ponderou que além de preferir localizar seu parque industrial próximo à fonte de matéria prima, já havia assumido compromissos tanto financeiros quanto morais com a região do Tapajós.
Quando uma bomba d’água de Santarém voltava de ser consertada em São Paulo foi instalada em Belém, substituindo outra quebrada no Guamá, deixando o desvalido povo de Santarém sem água por vários meses.
Essa ganância de usurpação, esse desprezo e falta de consideração é típica daquele perverso espírito do Grão Pará.
 (Continua na próxima semana)

4 de julho de 2012

Eleições na OAB


Lei é a coisa mais importante no universo civilizado, não há sociedade organizada no mundo moderno senão sob a égide da Lei. Assim, é óbvio que instituições que tem a Lei como objeto sejam de vital importância nas estruturas de governança das nações, quer porque formulam, ou porque aplicam as leis. No primeiro caso, temos o Congresso, gerador das leis, no segundo, seus ministradores, Judiciário, Ministério e Defensoria Públicos, Polícia e, não menos importante, Advocacia.
Tão importante é a Advocacia que esta profissão é a única expressamente instituída constitucionalmente. Embora seja regulamentada pela própria Constituição, por leis e pelos estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil, e tenha alto grau de auto-regulamentação, sua relevância, fundamental para a harmonia da sociedade, expõe esse ofício ao escrutínio público. O povo, por si próprio, por órgãos apropriados, pela imprensa e por outros meios tem todo direito de fiscalizar e exigir correto desempenho das profissões de alto interesse público, entre estas, a Advocacia.
Se o cidadão comum não pode influir diretamente na atuação da OAB, uma vez que o voto em suas eleições é privilégio de membros inscritos e adimplentes, tem pelo menos o direito de acompanhar seu desempenho e de exprimir opinião a respeito, sobretudo quando se aproxima o processo eleitoral da Ordem.
E do mais absoluto interesse de todo e cada um dos cidadãos brasileiros que essa profissão seja exercida sob os mais elevados padrões de eficiência, transparência, moral e ética, tal como se requer, igualmente, do Judiciário e do Ministério Público. O cidadão comum espera e tem todo direito de exigir que o exercício da advocacia seja, acima de tudo, profissão honrada.
O órgão estruturante e disciplinador da Advocacia é a Ordem dos Advogados do Brasil, cujo nome reflete sua grandeza e seu escopo. A Ordem impõe ordem ao ofício. A Ordem é dos Advogados. Mas, sobretudo, a Ordem é do Brasil. Portanto, dos brasileiros. Sendo, assim, dos brasileiros, de todos os brasileiros, não pode ser de alguns, não pode ser de uns poucos que por desventura dela se apoderem, não pode ser de um partido político, não pode ser de alguma religião, nem ideologia que não seja o serviço da Lei.
A OAB é órgão politico por excelência, mas não pode, ou pelo menos não deveria fazer política partidária. A OAB que o Brasil quer é a OAB que toma partido das grandes questões nacionais, mas não toma partido de partidos. A OAB, órgão constitucionalizado, deve manter-se no alto nível da Constituição da República Federativa do Brasil, acima de partidos políticos, acima da personalização das causas, acima de interesses individualistas.
Por isso, é necessário que a Ordem esteja sempre em ordem. Em ordem com seus princípios fundamentais, em ordem com as grandes causas nacionais, em ordem com a dignidade que lhe é exigida pela nação brasileira.
A Ordem não pode deixar apagar o brilho com o qual continuamente refulge ao olhar de um povo que sempre a admirou. Esse fogo se extinguirá se a OAB se submeter servilmente a causas menos nobres, se se deixar cooptar e for aparelhada por partidos políticos ou por interesses midiáticos. A OAB tem que manter o rumo certo, manter perfeitamente translúcidos seus procedimentos internos e externos, tem que garantir e reforçar a confiança e o crédito que o provo brasileiro lhe concede, e merecidamente, por seu passado de honradez, dignidade e prestação de relevantes serviços públicos.
O povo brasileiro está atento às eleições nacionais e estaduais da OAB que ocorrerão em novembro deste ano e espera que os advogados do Brasil correspondam as suas esperanças e mantenham acessa a chama da Honra e da Ordem.