Este título,
para ser mais coerente, deveria ser “Limites da Perspectiva de Karl Marx”,
porquanto não me atrevo a apontar erros nas teorias desse filósofo, assim como
não o faria nas de Isaac Newton. Ambos se fundamentaram no conhecimento de suas
épocas para desenvolver as próprias hipóteses, algumas das quais vigentes ainda
hoje, outras apenas aplicáveis em casos especiais, mas não em outros e,
finalmente, as que se tornaram obsoletas.
A formação
cultural de Karl Marx - de seu nascimento em Tréveris (1818), até a obtenção do
doutorado em Filosofia em Berlim (1841) - se processou no período de
implantação das ideias do Congresso de Viena consolidadas no Tratado de Paris:
reorganização geopolítica da Europa, colonização dos demais continentes,
restauração das monarquias pré-napoleônicas e aliança da burguesia
internacional. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial se espalhava pelo
continente europeu e nos estados ianques da Nova Inglaterra. Os três estados -
nobreza, clero e povo - desapareceram dando lugar a duas classes: burguesia e
proletariado.
Foi esta a
paisagem econômica e sociológica existente durante o desenvolvimento da visão
de mundo de Karl Marx. E foi este o cenário que encontrou ao se refugiar em
Paris (1843) e iniciar, de fato, sua extraordinária produção intelectual,
panorama que perdurou por toda sua vida.
A perspectiva
de Karl Marx lhe permitia enxergar a sociedade dividida em duas classes pela
posse ou destituição de dois predicados: renda e meios de produção. Para ele
são estes fatores, senão únicos, os predominantes no destino das pessoas e nações.
Qualquer mudança nessa estrutura solidamente estratificada se torna impossível
a menos que transtornada por revolução sangrenta. Além disto, Marx propõe que a
mais valia seja expropriação do valor do trabalho e que religião seja
alienante.
Para não
estender demais o tema, convidemos outro pensador de igual estatura
intelectual, Max Weber, e sua tese de que, em ambiente de liberdade, as classes
se definem também por outros fatores, inclusive e algumas vezes
predominantemente conforme as virtudes, talentos e habilidades individuais, com
recompensas correspondentes em renda e status, formando tecido social mais variado,
flexível e muito menos rígido.
Ao observarmos
as sociedades do século XXI, reconhecemos panoramas muito mais parecidos com o
descrito por Weber do que o proposto por Marx. Enquanto este acredita que o
proletário é completamente cerceado pelas condições impostas pelo burguês, o
outro reconhece a capacidade do indivíduo influir em seu destino pelo exercício
de suas capacidades, talento e determinação, e propõe a existência de maior
número de classes e a mobilidade interclasses em função de características
individuais.
O moderno e
democrático estado de direito permite o surgimento de múltiplas manifestações
da sociedade civil organizada, do livre embate de interesses entre os diversos
grupos sociais, e dispõe de meios para dirimir pacificamente os conflitos.
É certo que a
religião católica atribui pecado à riqueza, mas a moral protestante, que
atribui virtude ao trabalho e á prosperidade, explicitada por Weber como sendo
indutora da diligência na busca da melhoria de condições de vida, renda e
status, contradiz o mau conceito que Karl Marx atribui generalizadamente à
religião.
Não há dúvida
de que o capitalista retém parte do valor da mercadoria processada pelo
conjunto constituído por meios de produção e trabalho assalariado. Karl Marx
chama a isto de mais valia a trata como se fosse o maior dos males que afligem
a Humanidade.
No entanto, podemos
comparar lucro, ou mais valia, com o tributo arrecadado pelo Estado, parte do
qual cobre o custeio da máquina governamental e parte se destina a investimento
para satisfação de necessidades futuras da sociedade. O orçamento estatal cobre
as mais diversas despesas, desde encargos educacionais até o custeio de obras suntuárias, como palácios, carruagens e aviões
reais, presidenciais e de seus “laterones” ou “nomenklatura”, sem contar o que
se esvai por caminhos da burocracia, incompetência, desídia e corrupção.
O lucro, por
sua vez, é remuneração do capital e investimento em aprimoramento e expansão
dos empreendimentos, com importante função de fornecimento de mais, melhores e
mais baratos produtos, além da fundamental geração de emprego e renda.
Ambos, Estado
e empreendedor privado, são semelhantes e exercem importantes funções sociais
benéficas a todas as classes.
Ao longo da
História do Conhecimento, teses surgem, evoluem e fenecem. Uma ou outra se
torna marco milenar enquanto as demais se esvaem como fumaça passageira. Certas
proposições de Karl Marx continuam com maior ou menor validade, enquanto outras
se diluem em suas próprias contradições e erros de perspectiva.
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