A História se constrói por fatores econômicos, diretamente ou escondidos atrás de fachadas políticas, militares, religiosas, antropológicas, sociais, culturais e ambientais cujos fundamentos primários são majoritariamente econômicos. Tributos são responsáveis imediatos por importantes transformações e grandes mortandades. Para ilustração, citamos alguns exemplos colhidos nas lembranças de episódios históricos.
A criação do embrião do futuro Parlamento Britânico - e de todos os parlamentos modernos - se originou em uma questão de impostos. Para custear a guerra pela retomada da Normandia, o rei João da Inglaterra impôs sucessivos tributos sobre seus barões que, descontentes, em 1215 marcharam sobre Londres e impuseram ao rei a Magna Carta Libertatum ou, simplesmente, Magna Carta, impedindo o soberano de decretar impostos sem consentimento dos vassalos e, além disto, criando comissão composta por vinte e cinco barões com poderes de reunir-se a critério próprio e desautorizar, pela a força, se necessária, a imposição de taxas pelo rei.
Carlos I da Inglaterra foi decapitado por traição, num processo originado em 1629, por causa da disputa com o Parlamento sobre direitos de tributar.
Uma rebelião que durou décadas de carnificina nas Filipinas, de 1744 a 1829, se originou com a imposição de taxas pelos colonizadores espanhóis.
Todos nós sabemos que, apesar da beleza das idéias iluministas, os motivos reais da eclosão da Revolução Francesa foram a miséria e a imposição ao povo de crescentes tributos, dos quais clero e nobreza eram isentos.
Inconfidência ou Conjuração Mineira foi o movimento pela independência do Brasil ocorrido na capitania de Minas Gerais e gerado pelo descontentamento contra a derrama, cobrança de cota fixa anual de tonelada e meia de ouro, apesar do decrescente esgotamento das jazidas. A ameaça foi sufocada pela coroa portuguesa em 1789.
Chamo agora a atenção para uma peculiaridade do belíssimo processo de criação da democracia mais estável e mais evolutiva já criada pelo gênio humano. O nome que encabeça as assinaturas da Declaração da Independência é o de John Hancock. Depois de varias tentativas infrutíferas em tributar, a coroa britânica impôs às Colônias Americanas um imposto sobre o chá. Como conseqüência, em legitima resistência civil, comerciantes coloniais passaram a contrabandear chá francês e holandês levando exportadores ingleses à falência. O Parlamento contra-atacou reduzindo substancialmente a taxação sobre o chá inglês, tornando-o mais barato que o contrabandeado. Seis navios carregados com o produto foram despachados para a América. É claro que isto contrariou os importadores contrabandistas americanos, que prometeram retaliar. Diante da ameaça, alguns dos navios retornaram aos portos de origem. No entanto, confiantes na proteção das forças britânicas, três deles aportaram em Boston. À noite, disfarçados de índios, colonos brancos abordaram os navios e atiraram ao mar toda carga de chá. A resposta da coroa foi militar e severa. Começava a Revolução Americana e o líder do “Boston Tea Party” era o importador de chá John Hancock. É de grande simbolismo a relevância de sua assinatura naquela Declaração.
Resistência civil é legítima autodefesa exercida por quem se sinta oprimido por indevido e injusto poder do estado. Modernamente, grandes expoentes do exercício da resistência civil foram Gandhi e Luther King. Resistência civil é direito de todo cidadão cujas prerrogativas sejam tolhidas ou suas economias sobrecarregadas de impostos por governantes opressores e injustos.
Estas observações vêm a propósito do incompetente, contraproducente e imprudente atentado ao bom senso cometido pelo governo do Pará ao decretar a antecipação da diferença de ICMS sobre produtos entrantes no estado. Se o que o governo busca é reforçar o caixa esvaído por desperdício, mau planejamento orçamentário e incompetência administrativa, o faz em endereço errado. Além disto, afronta a Constituição e ultrapassa ilegalmente a Lei Federal no que se refere aos contribuintes do Simples.
O imprudente governo brinca infantilmente com fogo, desatento aos precedentes históricos que parece desconhecer. O governo se revela ignorante do fato de que maior afronta se faz ao bolso do que ao sentimento e de que maior reação se faz ao esbulho do dinheiro do que à perda da liberdade. O governo não desconfia de que caboclos podem se tornar cabanos e que comerciantes podem tomar medidas para proteger a sobrevivência de seus negócios ameaçados de morte. E que podem fazer isto tanto por procedimentos fiscais e negociais rotineiros, quanto por atos de resistência civil passiva ou mesmo ativa, dependendo da criatividade, competência e empenho de cada um e do conjunto, do que pode brotar reação em cadeia suficiente para atirar ao chão o combalido tesouro estadual.
Quem não aprende com a História paga o preço da ignorância. Quem ilegalmente impõe tributos chama a si tribulações. Alguns poderosos perderam até a cabeça.
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