Na fase mais intensa da Guerra Fria, em 1966, estando na Califórnia, visitei um jovem casal que percorrera a Amazônia em viagem de férias no ano anterior. John e Mary residiam em Manhatan Beach, cidade satélite de Los Angeles. Sentei-me à esquerda do diretor de recursos humanos da companhia telefônica, empresa de severas regras tradicionais e, ele mesmo, um patriota radical que presidia o jantar e era o pai de John. Na conversa, mencionei a vida comunitária dos cristãos primitivos, o que foi interpretado como defesa do comunismo e causou reação violenta do senhor à cabeceira da mesa, o que deixou a todos muito constrangidos.
Após o jantar, o casal procurou amenizar o desconforto e John indagou quem e por que, em minha opinião, sairia vencedor da Guerra Fria. Respondi que, certamente, os Estados Unidos seriam vitoriosos pelo simples fato de que, na América, onde há liberdade e o governo é democrático, os cidadãos são livres e empreendedores, enquanto que, na Rússia, o povo sempre vivera subjugado e com iniciativa atrofiada pela burocracia. A liberdade carrega o germe da renovação e da correção de rumos, enquanto a ditadura conduz à estratificação e deterioração moral irreversíveis a não ser por um colapso ou ruptura violenta.
Menos de trinta anos depois minha profecia se concretizou.
A América não é um paraíso de paz eterna. Pelo contrário, é caldeirão de interesses contrapostos a disputar posições que, às vezes, chegam a brutais agressões dos opressores aos que tentam se livrar do jugo. Apesar disto, há mais de duzentos anos a América é uma democracia estável. Exceto pela Guerra de Secessão durante o mandato de Lincoln, que estabeleceu o princípio da indivisibilidade dos Estados Unidos, todas as suas grandes questões tem sido resolvidas institucionalmente pelos poderes constituídos. Os que projetaram a democracia americana construíram não o paraíso dos sonhos, mas o ambiente propício a que interesses de todos os tipos se entrechoquem até que o debate esteja suficiente maduro e, então, a solução surja por uma resolução da Casa
Branca, lei do Congresso, decisão da Suprema Corte ou, mais importante, pelo voto livre e espontâneo dos cidadãos ou pelo ajuste entre as partes.
Os autores da Declaração de Independência afirmam acreditar "que todos os homens são criados iguais, que eles são investidos pelo Criador em certos direitos inalienáveis, entre os quais a Vida, a Liberdade e a busca da felicidade. Que para assegurar estes direitos, os Homens instituem governos que derivam seus justos poderes do consentimento dos governados".
A incongruência desta declaração - ao mesmo tempo sua mensagem de esperança em que o Homem, vivendo em liberdade e sob governo democrático e consentido, pode, progressivamente, aperfeiçoar seu modo de vida - reside no fato de que a maioria de seus signatários eram senhores de escravos. De quatro de julho de 1776, data de sua assinatura, ao dia da posse de Barack Obama, em vinte de janeiro de 2009, decorreram duzentos e trinta e três anos de governo estável presidindo disputas intensas em busca da plenitude dos direitos humanos. O povo americano nunca teve nada concedido, tudo que conseguiu foi obtido em lutas memoráveis e comoventes, como o ano inteiro de boicote às empresas de ônibus discriminatórias liderado por Martin Luther King.
Nestes mais de duzentos anos, todos os demais países sofreram toda sorte de alterações políticas bruscas, muitas vezes violentas, quase sempre por iniciativa de minorias desligadas do povo, quase todas acompanhadas de grande mortandade, a começar pela Revolução Francesa, inspirada na Revolução Americana.
A Declaração de Independência afirma, ainda, e aqui está o embasamento da estabilidade institucional: "A prudência impõe que governos longamente estabelecidos não devam ser mudados por motivos leves e transitórios"... "Mas, quando um longo desencadear de abusos e usurpações"... "escapa a projeto de reduzi-los, é seu dever, é seu direito, despachar tal governo e providenciar novos guardiões de sua segurança futura". Portanto, governantes democráticos sabem que não serão substituídos sem poderoso motivo, porém não podem abusar
indefinidamente da paciência do povo.
O mundo está voltado para a América. A eleição de Barack Obama tem o significado transcendental da restauração das aspirações de liberdade do povo americano, mudança de rumo quando o caminho trilhado contrariava a vontade da maioria, renovação de esperanças de que o trabalho de todos conduza a uma América mais justa, mais igualitária, mais estável economicamente e mais segura para se viver. E o que de bom acontece na América se reflete e inspira o mundo.
A posse de Barack Obama na presidência dos Estados Unidos da América é o fecho extraordinário de uma grande série de lutas de muitos líderes, como Abraham Lincoln e Martin Luther King, é o recomeço da República, é o reviver do sonho, é o renascer da Liberdade.
Um comentário:
vc é demais!!! Sua coragem e sabedoria me enchem de orgulho. uma cidadã brasileira saúda a um grande homem - você!
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