23 de fevereiro de 2007

Êxtase das águas

(Bodas do Amazonas com o Tapajós - Encontro das Águas)

 

Sebastião Imbiriba, Santarém 22-02-2007.

 

Escarlate fimbria matinal do Sol

No horizonte verde da floresta imensa,

Fita altos gelos do gigante Andes

E as alvas neves da montanha branca

Despertam o Astro, em ofuscante brilho,

E o fazem erguer-se, enamorado e quente,

Sem cuidar da amada, em seu desejo louco,

Aquece-a tanto, em seu fulgor celeste,

Que a faz chorar em estertor de gozo.

 

São estas lágrimas de paixão ardente

Que escorrem frias no basalto negro,

Sagrado líquido... insensíveis rochas...

Despencam livres... temerário salto!

Encontram logo a planície vasta

Por onde fluem, chorando mágoas

Do infiel amante que se deita avante

Com o Mar da Paz pro amor da noite.

 

As nuvens cinzas, que a tudo assistem,

Têm dó profundo das águas tristes

E também choram torrentes francas,

Aliviando a dor de quem tanto sofre

Por tanto arroubo... tão pouco amor!

 

As duas águas, agora unidas,

De alvas neves e escuras nuvens,

Disparam juntas, rumo d'Atlântico

Cortando matas, mitigam a sede

D'Amazonas nuas buscando pares,

As águas ocres do longo rio

Fluem fogosas, do Tapajós sedentas,

Que logo esposam, em estreito laço

Do matrimônio que não tiveram.

 

Cingem as águas dos grandes rios,

Impetuoso enlace, arrebatados beijos,

Línguas sedentas de encontrar depressa

Ventres abertos, entrâncias fáceis,

Descobrem logo responder com fogo

Avanços loucos de desejo ardente

E se penetram em extasiante ardor,

Completo êxtase, prazer e amor

Que estende e alonga até o fim do mundo

Onde as acolhe... o Oceano... sem fim.

 

Visite: www.imbiriba.blogspot.com

 

 

13 de fevereiro de 2007

De volta à Terra da Felicidade

Sebastiãoo Imbiriba

Nancy e eu passamos setenta e cinco maravilhosos dias em companhia de nossa filha, genro e netos, Valéria, Ricardo, Ícaro, Ivo e Clara, vivendo as delícias de estar em frente ao mar, na praia de Boa Viagem, com pessoas tão amadas e há tanto tempo distantes de nossos olhos e nossos carinhos. E ainda tivemos a felicidade de nossa neta Jaqueline vir do Rio de Janeiro nos brindar com sua alegria e nos matar as saudades.

Muito cedo pela manhã, antes do Sol começar a espiar por cima da África distante, do outro lado do oceano, já estava eu à janela apreciando a beleza dinâmica do vento movendo ondas por sobre os arrecifes, jogando-as contra as areias, em espetáculo de movimento contínuo, não só do mar, mas das folhas dos coqueiros animadas pela brisa constante, das pessoas compenetradas a se exercitarem na pista de Cooper, dos automóveis, raros naquele momento, que começavam o percurso matinal para o trabalho que logo se transformaria em rush, formando tudo um conjunto de sensações prazerosas, inesquecíveis.

Ali ficava eu embevecido, aguardando que dentro em pouco Nancy me convidasse a gozar as delícias das piscinas naturais que se formam de quando em quando por toda a extensão da imensa praia, porque o ambiente ali era todo irrecusável convite à ação, à agitação, ao frevo. Frevo. Em festas contínuas, Recife comemorava cem anos de frevo.

Mas as saudades apertavam. Retornamos. Santarém, ah Santarém... Enquanto vínhamos do aeroporto para casa lembrava-me do que meu pai me dissera há tantos anos quando comentei o quanto esta cidade era grande, dinâmica e bela. Ele amou Santarém com toda sua alma e buscou dar-lhe o melhor de seu espírito operoso e magnânimo, mas num momento de realismo cético disse: "Vais agora ao Rio, na volta compara e me diz o que achas".

Cheguei e logo fui pedir benção a minha mãezinha. Gratificado por ter revisto minha mãe muito amada, macambúzio por vê-la no hospital onde se recupera de mais um problema de um organismo quase centenário, reanimado por sua inquebrantável vontade de viver, caminhava pela cidade, observando-a, com os antigos pensamentos repovoando minha cabeça.

Muito cedo na manhã seguinte, antes do Sol começar a espiar por cima da floresta imensa do outro lado do grande rio, já estava eu à janela apreciando a beleza tranqüila do Tapajós passando diante de mim em sua lenta marcha nupcial com o Amazonas. Não me contive, atravessei a rua e fui à beira-rio, reencontrando rostos conhecidos que me abanavam a mão e me sorriam enquanto passavam em seus compenetrados exercícios matinais. Olhei as águas escuras com seus tons avermelhados típicos das cheias quando o rio lava as árvores dos igapós. Olhei as mangueiras pejadas de frutos quase maduros fazendo a alegria de multidões de periquitos. Olhei o casario familiar, a fachada da casa onde moro e na qual meu pai viveu seus últimos dias. Aqui tudo é tranqüilidade, convite ao pensamento, à reflexão, ao estudo desta terra e da gente que a habita.

Então me dei conta de onde realmente estou. Não há outro lugar onde queira estar. Pois que aqui é meu lugar, o lugar ao qual pertenço, a terra que amo, o povo a quem amo, Santarém, a Terra da Felicidade.

7 de fevereiro de 2007

O exaustivo charme do turismo*

Sebastiao Imbiriba
O turismo é tão encantador, divertido e restaurador que se tornou a maior industria mundial, tanto em volume de transações financeiras quanto no número de pessoas nela envolvidas profissionalmente e mais inda nas que praticam essa charmosa atividade. Para os que viajam por lazer ou a negócios e aproveitam para fazer turismo, que vão a lugares interessantes, exóticos ou passeiam nas proximidades e até mesmo dentro das cidades onde vivem é tudo divertimento, alegria, prazer, quem sabe, contrição, nos eventos religiosos ou esforço físico, nas excursões esportivas.

Há de tudo, porque turismo se pratica de muitas formas e utilizando os mais diversos pretextos, dos festivais gastronômicos e de chope ou vinho aos carnavais e micaretas, de praias e pântanos às montanhas e corredeiras, de congressos médicos e de outras profissões aos leilões de arte, antiguidade e gado, dos campos de nudismo as desfiles de moda, dos concertos musicais às apresentações de dança, drama e comédia. É sempre tudo muito divertido, no sentido de festejar ou de divergir da rotina. Este aspecto de diversão geral dá a impressão de que turismo é tudo festa, só festa.

Engano. Nada mais sério, absorvente e árduo para os profissionais do turismo, desde a camareira que arruma os quartos no hotel modesto ao comandante do grande transoceânico de altíssimo luxo, dos atendentes na central de informações e reservas aos empresários das redes hoteleiras e grandes operadoras mundiais. E, enquanto os turistas se preparam para suas excursões, se divertem ou descansam do divertimento o trabalhador do turismo labuta ativa e exaustivamente. A montagem de uma feira é um pandemônio de atividades múltiplas acontecendo ao mesmo tempo. Enquanto técnicos em eletricidade, telecomunicações e informática estendem cabos, instalam luzes e montam equipamentos, outros operários edificam estandes, pintam e assentam alcatifas. Ai é a vez dos recepcionistas, modelos e manequins, dos vendedores e executivos recepcionarem os visitantes.

Muito antes, no entanto, arquitetos, engenheiros, mestres de obras e operários da construção trabalharam na edificação de hotéis, centros de convenções, parques de diversão, museus, teatros e facilidades públicas como estações de ônibus e trens, portos, aeroportos e uma infinidade de outros equipamentos. É incrível a quantidade de papel impresso dedicado ao turismo, revistas, jornais, cadernos encartados, folhetos e cartazes. Jornalismo especializado em turismo é importante ramo da profissão dedicado a reportagens e documentários destinados à mídia impressa e televisiva.

Estes aspectos do turismo, quase sempre desapercebidos do público e do próprio turista ainda não revelam a seriedade com que se realiza essa grande festa universal. A impressão que o público tem é de que há uma certa displicência associada ao divertimento. É outro engano. Nenhum outro negócio se faz com tanta seriedade e, no entanto, apenas de boca, sem documentação como os negócios de turismo. Em primeiro lugar, as pessoas se conhecem e as feiras e congressos do ramo turístico servem exatamente para isto. Na realidade, as agências de viagem e operadoras mais ativas estão sempre nas mesmas feiras, representadas pelas mesmas pessoas, com alguma variação e pouca renovação. Embora o número de jovens seja muito grande, é importante o contingente dos veteranos que vão e voltam com as mudanças nos negócios, nas empresas ou na política. Desta forma, os profissionais do ramo se conhecem pessoalmente e as notícias se propagam boca a boca com enorme celeridade.

De modo geral, as transações se realizam por meio eletrônico. Carta, teletipo e fax são coisas do passado. Usa-se intensivamente o telefone e a Internet. Negócios grandes e pequenos se fazem com um simples telefonema ou e-mail e raramente falham. Vamos ver um exemplo, caso real, acontecido no Marajó. Uma família portuguesa, grupo de oito pessoas, comprou em agência de Lisboa uma excursão ao Brasil, por Fortaleza, Belém e Marajó. Por algum motivo, o chefe do grupo desgostou do hotel em Fortaleza e a partir de então acumulou ressentimentos por onde passou. Enquanto os demais se divertiam, ele se aborrecia e, ao chegar à fazenda no Marajó, típico turismo rural com búfalos e frito do vaqueiro, o prato mais autêntico da grande ilha, o chefe do clã achou que as acomodações não ofereciam o luxo que ele esperava. Não somente reclamou aos donos da fazenda como à agência lisboeta informando que não pagaria a excursão. Ora, a fazenda em questão fora filmada pelo canal Futura como exemplo de caso bem sucedido de turismo rural, além de merecer elogios de hospedes que por ali passaram. A reclamação era infundada e injusta. Até hoje os donos da fazenda não sabem se o português pagou ou não sua conta à agência de origem. Apesar de não haver qualquer documento escrito, nem da agência portuguesa para a operadora de São Paulo, nem desta para a agência receptiva de Belém ou desta para a os proprietários da fazenda, o fato é que, sem discussões, a fatura foi paga apenas com o tempo necessário para agentes e operadora se certificarem de que não havia cabimento na reclamação, de que se tratava de idiossincrasia e não de venda de gato por lebre.

Muitos bilhões de dólares circulam pelo mundo do turismo sem troca de documentos de papel, uma prova de que o melhor comércio se faz com ética e competência.

* Érica Cínara Santos Silva teve a gentileza de reproduzir este artigo em um grupo do Yahoo! Relendo-o, resolvi acrescentar algumas palavras ao final para republicá-lo aqui. À Érica Cínara meus agradecimentos.

3 de fevereiro de 2007

O potencial energético do Tapajós

Sebastião Imbiriba*

Apesar de pouco inovador, o PAC – Programa de Aceleração da Economia lançado pelo Governo Federal possui a excelente qualidade de englobar num grande projeto nacional todos os antigos projetos longamente ansiados por comunidades na totalidade do país. Sendo projeto nacional, reduz consideravelmente as oposições e os entraves de toda sorte que têm impossibilitado a realização de sonhos antigos, entre os quais, para nós o mais importante, a construção da rodovia Cuiabá-Santarém.

No que diz respeito à geração de energia elétrica pelo aproveitamento de potenciais hídricos, o mais perto de se realizar, embora com fortíssimo antagonismo ideológico pseudo-social ambientalista, seria Belo Monte. Agora vemos abrir-se a perspectiva de São Luiz do Tapajós, trazendo para mais perto das populações às margens deste belíssimo rio a perspectiva de forte injeção de recursos na economia local com a geração de milhares de novos empregos.

É inegável a necessidade que tem nosso país de grande aumento da capacidade geradora de eletricidade para atender intensas demandas do crescimento econômico que se antevê para os próximos meses e anos. Os alertas ecológicos contra-indicam o uso de combustíveis fósseis e, mesmo, qualquer forma de produção de eletricidade por meio de combustão, mesmo que de renováveis. O custo-benefício da hidroeletricidade é insuperável.

O programa do governo aponta a participação da iniciativa privada e a diminuição dos entraves ambientais como fatores dinamizadores da realização de projetos de pequeno, médio e grande porte. Agora mesmo, se anuncia a formação de parceria público-privada do governo federal com a maior empreiteira do país para realização do inventário hidroelétrico do rio Tapajós, no qual se antevê a construção de barragens e eclusas totalizado potencial superior a onze mil megawatts, cinqüenta por cento maior do que Tucurui.

Exatamente a construção de barragens com eclusas permitirá a concretização de outro sonho regional e nacional, a hidrovia Teles Pires-Tapajós, alcançando os contrafortes que separam por poucas dezenas de quilômetros as bacias do Prata e do Amazonas, o que nos permite esperar que seja possível desobstruir o caminho e estabelecer um canal interligando Buenos Aires a Belém. Com isto, Santarém se tornaria importante centro comercial continental.

Tais projetos apontam todos - rodovia, hidrovia, energia abundante - promissores horizontes para nossa terra e nossa gente. Compete a nós trabalhar sem descanso para que tudo isto se torne realidade.

*Articulista amazônico.
*Artigo publicado em O Estado do Tapajós, jornal diário de Santarém, Pará, onde Autor (75) escreve sobre temas de interesse geral, principalmente amazônicos.

2 de fevereiro de 2007

Letters from Danmark - Letter 1

Sebastião Imbiriba*

This article is the first of a series relating the impressions of a Brazilian Author, during his two months stay in Denmark, about the life in this Country, the character of its citizens, their dayly routine, the culture, the art, the family life, as well as about the Brazilians who live and work there, integrate into and contribute to its society.
The Author, Sebastiao Gil de Lalor Imbiriba (75), born and resident in Santarém on the Tapajós and the Amazon - both rivers meet jus in front - is a retiresd business executive with international experience, and writes poetry and newspapers articles on Amazonic and Human subjects. simbiriba@gmail.com

First impressions of Danmark

Here am I, in Copenhagen, trying to uncover ways for transmiting my experiences and emotions in this most charming country. I search for something interesting, deserving to be recorded. I begin with the nordic mythology, in whose Valhalla, the scandinavian Mount Olympus, the more beautiful and sensual of the goddesses, (Freja in Danish, Freya in English, Fráia in Portuguese), protects the love, the fertility, the abundance. And I cite this deity because I do not resist to the beauty of the verses, and traversing diligently the dictionary of an unknown language, I pour into Portuguese the Danish national anthem first stanza: "Adorável pátria nossa / De verdejantes florestas / Enseadas e campos ondulados / Enlaçados pelo grande mar azul / Esta é a velha Dinamarca / Eterno lar da bela Fráia".

If my first Danish emotions were poetics it is because this nation possess admirable culture that express itself in the architecture, the streets, lakes and channels, parks and gardens, schools, universities, libraries, theaters, museums, and mainly its people. Whoever has an interest on these matters has here plenty to do. Denmark has extraordinary artists, the painter P. S. Krøyer and the sculptor Bertel Thorvaldsen, for example, and also has one of the world glories of the literature. Who already did not passed by sorrows and joys reading a short story by Hans Christian Anderson? His birth bicentenary was commemorated in 2005.

"Well far away, where the water is so blue as regards beautiful flower of the corn and the water is clear as crystal, the ocean is much, much deep…" So begins one of the most beautiful stories by Hans Christian. So famous and so beautiful story that inspired several other important works of art including the lively drawing by Walt Disney, the John Neumeier ballet presented in first world hearing in April 15, 2005 in the Copenhagen Opera Theater and one of the most expressive symbols of this beautiful city, the precious sculpture by Edvard Eriksen, the Small Mermaid.

Carl Jacobsen, fascinated by Ellen Price, first dancer of the Royal Theater, upon watching to the first ballet "The Litle Mermaid" asked to his friend sculptor Edvard Eriksen to transform in reality this triple inspiration: the H. C. Andersen short story protagonist, the ballet based on her and the dancer that interpreted her. The work of Eriksen was inaugurated in 1913 and the Small Mermaid has excited millions of admirers that visit it, touch it, caress and kiss it ever since.

I yield my homage to the patron Carl Jacobsen, holder of the Carlsberg brewery and one of the Denmark's richest men of his epoch. It was him who erected, acquired the collection and donated to the city and to the World the beautiful museum Ny Carlsberg Glyptotek, with important Greek, Etruscan, Roman and Egyptian archaeological pieces, impressive collection of mummies and pharaonic sarcophagi. Did not only I have the pleasure of touch and embrace to Small Mermaid, as of traverse and appreciate the collections of the Glyptotek.

There is no lack of Museums in Copenhagen and one of the best enjoyments of mine was visiting the small and precious museum of the Hirschsprung Collection (Den Hirschsprungske Samling) where we can find some of the most important works of the 1800 to 1850 period in Copenhagen, the Dane Golden Age, including the oils "Woman facing the mirror" by C. W. Eckersberg and the "Portrait of Frederik Sødring" by Købke. The exhibition parlors include furniture of the epoch, many of them by the artists own authorship. The works that impressed me best were those by Peder Severin Krøyer, from a more recent epoch. His oils reveal incredible capacity of creative reality interpretation, with deep feelings and impressive technique. Krøyer travelled extensively through the Europe and was influenced by Impressionists with the stature of Monet, Degas, Renoir and Manet. In the final decades of the nineteenth century, Skagen, a small fishermen town in Danish North, whose sea color, clean air and small white dunes produced special brightness, and attracted nordic painters in endless numbers.

P. S. Krøyer who remained there during the months from the end of spring to the fall's beginning became the informal leader of that so much talented artistic universe. I possess, at home, in Santarém on the Tapajós, reproductions of works by Krøyer, therefore I already knew about this extraordinary artist production. It was an intense pleasure of mine to appreciate straightly the works propper. Rare and priceless emotion, and I expect not unique, because there is much, really a lot more of it to do, to see, learn and appreciate in this so charming, civilized and receptive country.

* Artigo publicado em O Estado do Tapajós, jornal diário de Santarém, Pará, onde Autor (75) escreve sobre temas de interesse geral, principalmente amazônicos.

Ouvir e Conciliar

Sebastião Imbiriba* 

Vivemos em um mundo de conveniências particulares, cada um de nós com as próprias, das quais relutamos em nos afastar. Felizmente, na maioria, tais interesses são coerentes, todos na mesma direção e sentido, conduzindo à cooperação, ao trabalho conjunto pelo "interesse-comum".

Assim é entre tribos mais primitivas, nas quais os indivíduos conjugam seus esforços na pesca, caça, agricultura ou pastoreio, de modo a que todos se alimentem e se protejam, até se defendam.

Quando, entre a comunidade, surgem interesses divergentes que não se resolvam entre os querelantes, terceira parte quase sempre necessária em qualquer conciliação, líder, chefe, cacique ou o conselho dos anciãos interfere mediando, conciliando, corrigindo, até extinguindo a causa dos problemas, quer pela expulsão ou execução dos culpados.

Este processo evita o surgimento de criminalidade nesses meios sociais.  É por esta forma que povos mais primitivos vivem em harmonia dentro das respectivas comunidades. Não fora assim e estaríamos todos extintos antes que chegar à civilização de nossos dias.

No meio do percurso civilizatório, no entanto, na medida em que tribos mais aguerridas e prepotentes se julgaram com precedência na utilização de recursos naturais estáticos e declinantes ou direito de posse sobre bens acumulados por outros povos os conflitos armados se transformaram no terror constante da humanidade, as guerras.

Os conceitos de liberdade e tolerância surgidas com o Iluminismo, aliados ao cansaço da mortandade bárbara e inútil das guerras religiosas decorrentes da Reforma, levaram os povos europeus e norte-americanos à tolerância religiosa que evoluiu para a tolerância política e comportamental dos dias de hoje.

Os acordos da siderurgia e do carvão pós Segunda Grande Guerra conciliaram interesses econômicos transnacionais de forma tão bem sucedida que evoluíram para a União Europeia e influenciaram a criação de diversos outros grupos de interação econômica.

Os interesses econômicos nacionais passaram a integrar sistemas sinérgicos transnacionais. Europa, América do Norte, Japão, Austrália e Nova Zelândia compõem sistema social altamente evoluído, no qual a conciliação de interesses se realiza por processos negociais e onde as liberdades e a tolerância são predominantes, mesmo, o que é normal, quando haja possibilidade de aperfeiçoamento.

Brasil é paradigma de tolerância. China e Índia evoluem no caminho correto. O mundo moderno se transforma paulatinamente numa grande aldeia globalizada na qual os conflitos de interesses tendem a ser resolvidos pela primitiva forma tribal de conciliar, agora aperfeiçoada por novos conceitos filosóficos, éticos e morais, daí a institucionalização de meios de conciliação e julgamento, desde o mais simples arbitramentos entre particulares, passando por órgãos de conciliação e julgamento nos estados nacionais, até à Organização das Nações Unidas e seus diversos instrumentos negociais e jurisdicionais. 

 A grande dificuldade reside na intolerância e nos preconceitos que perduram, mesmo em países desenvolvidos, principalmente nas populações de nações subdesenvolvidas da América Latina, África e Ásia, principalmente, mas não só nas de convicção islâmica, cuja cultura as impede de entender as grandiosas vantagens da troca do fundamentalismo fanático e irracional pela prática das liberdades e da tolerância. Estes povos são, no mais das vezes, chefiados por líderes demagógicos que colocam seus próprios interesses pessoais acima do interesse de suas nações.

Há dois caminhos para que a Humanidade viva em uma aldeia pacífica e harmônica, a primeira seria o da neutralização do malfeitor. Este é o caso das intervenções bem sucedidas na Guerra do Golfo e na antiga Iugoslávia. É também o caso da infeliz guerra que infelicita o Iraque. Tais procedimentos são penosos, eticamente condenáveis e, como vimos no Vietnam e agora no Iraque propensas à derrota.

O outro caminho é o da negociação para o que é necessária infinda paciência no ouvir. Ouvir para entender não apenas os interesses explícitos, mas os recônditos e até os inconfessáveis e encontrar maneiras de que as partes se satisfaçam. Assim será possível conviver em paz.

Os mais civilizados e capazes precisam ouvir para conciliar. 

* Artigo publicado em O Estado do Tapajós, jornal diário de Santarém, Pará, onde Autor (75) escreve sobre temas de interesse geral, principalmente amazônicos.

1 de fevereiro de 2007

O Conceito de Interesse Público

Sebastiao Imbiriba*

Os grandes projetos, obras e serviços necessários ao desenvolvimento do Brasil e, em particular, da Amazônia, tais como, estrada Cuiabá-Santarém, eclusas de Tucurui, hidroelétrica de Belo Monte, hidrovia do Tapajós, e tantas outras, estão ou serão travadas em questões judiciais ou procedimentos burocráticos que, se não forem eles mesmos concebidos para impedir o desenvolvimento, paxorrentamente tentam evitar o emperramento judicial.

A razão é que os conceitos de "interesse público", "utilidade pública", "bem comum" e "bem-estar social" não são suficientemente claros. No entanto, um, alguns ou todos eles, indicam a necessidade daqueles projetos.

Vejamos o primeiro deles. Interesse público é o princípio orientador do direito administrativo. Quando há lacuna normativa, são os princípios que instruem o pensamento do julgador. Embora a expressão "supremacia do interesse público" seja freqüentemente declarada base do sistema jurídico, principalmente do administrativo, de modo geral, as obras de doutrina são omissas na conceituação de "interesse público" como princípio do Direito.

Encontramos, por exemplo, in Curso de Direito Administrativo (Ed. Malheiros), do ilustre professor Celso Antonio Bandeira de Melo, a seguinte conceituação de que interesse público: "o interesse do todo, nada mais é do que uma forma, um aspecto, uma função qualificada do interesse das partes, ou seja, não há como se conceber que o interesse público seja contraposto e antinômico ao interesse privado, caso assim fosse, teríamos que rever imediatamente nossa concepção do que seja a função administrativa. O interesse público, portanto, nada mais é do que uma dimensão, uma determinada expressão dos direitos individuais, vista sob um prisma coletivo".

Em meu humilde entender, esta e outras conceituações continuam a ser imprecisas, insuficientes, inadequadas. Atrevo-me, portanto, a enunciar minha própria definição: "Interesse público é a qualidade da coisa essencial ou relevante à realização ou manutenção do bem-estar e desenvolvimento da sociedade ou parte preponderante desta e que, ao mesmo tempo, seja ética, eqüitativa, imparcial, honesta e organizada, aloque eficazmente os recursos e seja eficiente na diminuição dos custos sistêmicos".

Tal definição nos coloca diante de parâmetros mais objetivos que permitiriam melhor entendimento dos fins a que se destinam aquelas obras, principalmente quando se apresentem aparentes conflitos de interesses ou de dimensões de interesses. Por exemplo: a comparação entre os interesses do todo da economia e do povo da nação brasileira, relativos à geração de energia elétrica e o necessário deslocamento de populações marginais à futura represa ou a submersão da floresta contida em sua área, poderia revelar a enormidade dos benefícios da obra diante da exigüidade dos transtornos a serem devidamente compensados...

Diante destes portentosos dilemas é que tenho me dedicado à reflexão sobre aqueles basilares conceitos. Ficarei muito feliz se outros articulistas dissertarem sobre o tema, contribuindo com melhores luzes sobre os princípios elencados.

* Artigo publicado em O Estado do Tapajós, jornal diário de Santarém, Pará, onde Autor (75) escreve sobre temas de interesse geral, principalmente amazônicos.