Sebastiao Imbiriba*
Museus me fascinam. Desde criança, quando meus pais me conduziram ao Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro - onde as cinco toneladas negras do meteorito Bendengó e as múmias egípcias em seus sarcófagos coloridos me marcaram indelevelmente a lembrança - museus fazem parte de minha vida. Onde quer que vá, é o que procuro por primeiro. Tenho a felicidade de conhecer vários, no Brasil, América do Norte, na Europa. Alguns me impressionaram vivamente.
Estamos, minha mulher e eu, no Recife, aonde viemos para as festividades natalinas com a filha, genro e netos, de quem há algum tempo sofríamos saudades. Foi num dos passeios com a família que tive a felicidade de ser agradavelmente surpreendido pelo acervo, localização, paisagismo e arquitetura de museu do qual não tinha notícia.
Quando jovem, em mil novecentos e cinqüenta, se não me engano, acompanhei meu pai em visita à cerâmica dos Brennand, onde ele encomendara baixela especialmente decorada com seu monograma. Percorremos a fábrica, ele conversando com o proprietário, eu maravilhado com o processo de transformação do branco caulim em delicada porcelana. Agora, mais de meio século depois, encontrava-me na mesma região do Recife, na Várzea, ao lado de uma poderosa fábrica de vidros do mesmo grupo econômico, onde elegantíssima alameda de jovens palmeiras imperiais nos conduzia ao portal do Instituto Ricardo Brennand.
O jovem Ricardo era ainda rapazola quando o pai o presenteou com um canivete. A este, o latente colecionador acrescentou outros e, com o passar do tempo, o hábito se transformou em marca de sua personalidade. A coleção de canivetes expandiu-se com armas e armaduras, humanas, eqüinas e até canina, provenientes das Américas, África, Europa e Ásia, abrigados num dos prédios do Instituto, o Castelo São João, construído, como todo o conjunto arquitetônico, no estilo Tudor.
Gosto e cultura do colecionador evoluíram, o interesse por artefatos bélicos manteve-se, aperfeiçoou-se, revelando extremo bom gosto, mas o escopo da coleção cresceu, permitindo a entrada de maravilhosos Gobelins do século XVIII reproduzindo cenas pernambucanas, retratadas um século antes, durante o governo de Nassau, pelo holandês Albert Eckhout. Há também tapeçarias de Flandres e d'Aubusson com cenas guerreiras e bíblicas. Além destas peças, inúmeras pinturas a óleo, estatuária, móveis, outros artefatos e poteria de formidável valor artístico.
Uma das salas da pinacoteca contém quarenta e duas reproduções em cera de figuras humanas, na escala natural, dispostas em cena de tribunal, na qual cerca de doze juizes, constrangidos pela presença do jovem rei Luiz XIV, acompanhado do mosqueteiro D'Artagnan, condenam à prisão perpétua o ex-tesoureiro real Nicolas Fouquet. Luiz XIV recém assumira o poder de fato em 1661, embora herdasse o trono em 1643 e desejava vingar-se do amante de sua mãe, Ana d'Áustria, o recém-falecido primeiro ministro, cardeal italiano Giulio Mazarino. O ódio do rei se voltara contra o protegido de Mazarino e é este ambiente psicológico que a cena retrata com grande força dramática.
A principal sala da pinacoteca apresenta “Frans Post e o Brasil Holandês na Coleção do Instituto Ricardo Brennand”, aberta ao público em abril de 2003 e ainda em exposição, marcando as comemorações dos 400 anos de Johann Moritz von Nassau-Siegen. Este é um conjunto de obras do século XVII adquiridas pelo colecionador ao longo de vários anos, composto por tapeçarias, documentos, livros, objetos e moedas referentes ao Brasil holandês, incluindo 15 telas do pintor Frans Post, membro do grupo de artistas, escritores e cientistas trazidos a Pernambuco pelo conde João Maurício. A mostra contém ainda documentos, manuscritos e auto-retratos de Maurício de Nassau.
Todo esse acervo, o ambiente que o abriga e o espírito que o preside ajudam a iluminar a vida cultural de Pernambuco e do Brasil. Real encantamento.
* Artigo publicado em O Estado do Tapajós, jornal diário de Santarém, Pará, onde Autor (75) escreve sobre temas de interesse geral, principalmente amazônicos.
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