21 de janeiro de 2007

Reflexões sobre versos de Shelley

Sebastião Imbiriba*

Há décadas o Recife acompanha com competência e bom gosto o movimento universal de restauração de centros urbanos. Pontes, avenidas e prédios readquirem novas feições, certamente mais gloriosas do que as originais porque apoiadas nas artes de iluminação e paisagismo. Estacionamos na garagem do readequado Paço da Alfândega, que viemos visitar, mas em vez de atravessar a rua pela passarela aérea, descemos aonde se encontra bem provida livraria.

A visita ao Paço fica para depois. A Cultura é uma das melhores livraria do Brasil e ali passamos bom tempo folheando livros. Percorro estantes, olho os títulos, os autores. Um livro em particular me chama a atenção: The Complete Poetical Works of Percy Bysshe Shelley.

Shelley, amigo de Keats, Byron, Tennyson e Yeats, nasceu em 1792 na Inglaterra e estudou em Eton, Oxford, de onde foi afastado por suas idéias (“If the knowledge of a God is the most necessary, why is it not the most evident and the clearest?”). Depois de expulso e deserdado pelo pai, fugiu para a Escócia com Harriet, de dezesseis anos, com quem teve dois filhos e que o abandonou por lhe ter proposto casamento aberto com ex-colega de faculdade. A obra poética de Shelley, algumas vezes líricas, o mais das vezes cética, possui qualidade literária e filosófica.

Abri o livro ao acaso e procurei o título mais próximo. Encontrei o poema Queen Mab, publicado em 1813. Os seguintes versos me prenderam a atenção:


I was an infant when my mother went
To see an atheist burned. She took me there:
The dark-robed priests were met around the pile;
The multitude was gazing silently;
And as the culprit passed with dauntless mien,
Tempered disdain in his unaltering eye,
Mixed with a quiet smile, shone calmly forth:
The thirsty fire crept round his manly limbs;
His resolute eyes were scorched to blindness soon;
His death-pang rent my heart! the insensate mob
Uttered a cry of triumph, and I wept.
"Weep not, child!" cried my mother, "for that man
Has said, There is no God."'

Não resisto a vertê-los:


Eu era criança quando minha mãe foi
Ver queimar um ateu. Levou-me lá.
Sacerdotes de escuros mantos cercavam a pilha;
A multidão fitava em silencio;
Enquanto o culpado passava com destemido ar,
Moderado desdém em seu olhar fixo,
Misturado a quieto sorriso, focava adiante calmamente:
O sedento fogo envolveu seus másculos membros;
Logo, os resolutos olhos foram crestados à cegueira;
Sua dor-morte ocupou meu coração! A insensata turba
Proferiu triunfante grito, e eu chorei.
"Não chora, criança!” soluçou minha mãe, "porque este homem
Falou: não existe Deus ““.

Reflito sobre época, contexto, significados e implicações destes versos, o que me conduz ao conceito de Liberdade, a de crença, a de expressão. O radicalismo das crenças, o poder, a imposição autoritária das normas de conduta, a crendice popular, a aceitação e entusiasmo da turba, tudo isto reafirma a convicção de que não pode haver limites à liberdade de pensar e dizer.

A contrário do fazer, necessariamente relativo à liberdade dos demais membros da sociedade, qualquer restrição à crença e ao dizer conduz a controle crescente, à submissão, ao autoritarismo, à insuportável tirania.

· Articulista amazônico.
· Artigo a ser publicado em 25/01/07 em O Estado do Tapajós, jornal diário de Santarém, Pará, onde Autor (75) escreve sobre temas de interesse geral, principalmente amazônicos.

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