30 de abril de 2018

Revolução no século XXI - Moral x Violência


Desde há dois mil e trezentos anos o Tao Te Ching, o Livro do Caminho e da Virtude, de Lao Zi, diversos pensadores pregam a paz em contraposição à violência, recomendando extrema prudência no uso das armas, de uso em extrema necessidade de autodefesa. Alguns nem neste caso admitem o uso de força. Em tempos mais recentes, três nomes despontam como líderes da não violência e da solução pacífica dos conflitos: Mandela, Luther King e Gandhi.
Meu objetivo, aqui, é indagar se a força moral é mais eficaz no combate à injustiça e à opressão do que a força das armas e, também, se modernamente, existem métodos e processos que facilitem e alavanquem o ativismo pacífico a obter resultados sólidos e permanentes.
Comecemos pelo embate entre, de um lado, contestadores da guerra do Vietnam que incluiu, sucessivamente, objetores de consciência, hippies, famílias de soldados mortos em combate, jornalistas independentes, a mídia geral e, por fim, a opinião pública e, de outro lado, o todo poderoso complexo militar-industrial dos Estados Unidos, o maior poder existente.
Qual a força deste complexo? Era todo poder do governo dos Estados Unidos, que aplicava a estratégia de autodefesa denominada Teoria Dominó, de John Foster Dulles, pela qual, se um país caísse sob influência da União Soviética, ou dos Estados Unidos, os países vizinhos o seguiriam e, portanto agia, de acordo com a situação, pelo poderio militar, diplomacia ou subversão exercida pela CIA, contra a expansão do comunismo impulsionado por movimento revolucionário globalizante, coordenado pelo Comintern, que controlava os partidos comunistas nos diversos países, e cujos objetivos eram a derrota do capitalismo, a implantação de ditaduras do proletariado nos países que dominasse e a instalação da República Soviética Internacional. Eram duas potências mundiais disputando a hegemonia global.
Pois bem, nos Estados Unidos impera a liberdade de expressão que possibilitou serem reveladas atrocidades cometidas contra a população civil no Vietnam, tanto pelas forças sul-vietnamitas, quantos as dos Estados Unidos, que ofenderam a sensibilidade e a dignidade do povo americano, o que provocou reação interna da opinião pública, tão poderosa, que obrigou o governo a retirar as tropas e todo auxílio financeiro do Vietnam do Sul. Era a força moral dos justos prevalecendo sobre a violência do poder estatal.
Mohandas Gandhi
Na Índia dominada pelo imperialismo inglês, Mohandas Gandhi pregava a Satyagraha, Força da Verdade, filosofia e política de não agressão, resistência pacífica e ativismo desarmado contra a injustiça e a dominação imperial. Era a revolução pacífica, que usava a força moral do injustiçado e explorado contra o cinismo do dominador, não somente onde se praticava a agressão, mas na própria sede do império, onde a opinião pública obrigou o governo a desistir da repressão e aceitar a independência indiana.
O exemplo de Gandhi influenciou tanto a Martin Luther King, em sua campanha pacífica pelos direitos civis da população negra nos Estados Unidos, quanto a Nelson Mandela, após sua libertação, na luta, agora desarmada, pelo fim do apartheid na África do Sul. A força desses três grandes heróis da Humanidade, Gandhi, King e Mandela, residiu em que suas reivindicações foram perfeitamente corretas do ponto de vista moral, suas contestações se voltavam contra opressão injustificável e suas exigências perfeitamente aceitáveis pelo bom senso comum. Por fim, a correção moral da luta dos três se estabeleceu em consenso nas sociedades modernas e culturalmente mais avançadas, de tal forma que os direitos humanos são cada vez mais respeitados e as violações desses direitos cada vez menos toleradas.
Os efeitos da revolução pacífica, desarmada, por meios não violentos se mostram muito mais duráveis, mais efetivos e com muito menos oposição do que, ao contrário, a da revolução violenta, armada, que provoca traumas de longa duração, até incuráveis, o que obriga os vitoriosos do dia a eliminar os membros do antigo regime e possíveis opositores futuros. Mas a história nos mostra que o germe do ressentimento perdura e se revela tão logo surja oportunidade, quando o regime revolucionário se desmoraliza e enfraquece, moralmente desgastado pelo tempo, corrompido pelo poder absoluto, pelas relações interesseiras que se criam no correr de ditaduras de longa duração. Foi exatamente o que ocorreu na União Soviética e é por isso que se esfacelou.
A revolução dos costumes provocada pela pílula anticoncepcional, pelos hippies, o movimento estudantil francês de maio de 1988, os métodos propostos por Gramsci, Bertolt Brecht e Paulo Freire proporcionam poderoso arsenal de armas culturais que permitem desenvolver revolução pacífica, praticamente sem traumas, eficaz e de efeitos duradouros.
O humanista não aceita a revolução armada, violenta, abjetamente genocida.
A revolução armada está ultrapassada. A violência está obsoleta.


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