12 de julho de 2016

Objetividade e Paz


Originalmente publicado em Jornal de Santarém 02/11/2001
Há alguns anos, em acalorados debates sobre temas políticos, minhas amadas Thereza Lúcia e Luciana, filha e neta, respectivamente, me encurralaram com o ardor da juventude e idealismo apoiado em enormes conhecimentos nas áreas da literatura, filosofia, sociologia, política, etc., de onde extraíram petardos que acachaparam minha pobre ignorância. Tal veemência me pareceu, por vezes, próxima do dogmatismo intransigente e fiquei a ponderar se eu próprio não poderia estar assumindo posição radical, inflexível, xiita. Recordando os fatos, lembrei-me do esquema que aqui reproduzo.


A curva a cima, reproduzida de The Act of Creation, by Arthur Koestler, Arkana, London, 1984, pg. 332, posiciona diversas áreas do conhecimento segundo os respectivos graus de objetividade. Quanto maior a objetividade de uma matéria, maior sua verificabilidade. Isto é, melhor pode ela ser comprovada por métodos matemáticos e, portanto, maior a certeza. Por outro lado, quanto menor a objetividade, maior a componente emocional, maior a dificuldade em exprimi-la por meio de equações e, portanto, maior a incerteza. As ciências denominadas exatas são as de maior grau de objetividade, verificabilidade e certeza. Arthur Koestler discorre sobre o tema com grande precisão lógica, profundidade científica e beleza literária.

Muitas vezes eu me apanho sendo mais incisivo e mais dogmático do que o dever de cortesia me permite. Eu gostaria de ser mais isento, mais equânime, mais objetivo e, em consequência, mais justo.

Por isso, fiz para mim mesmo um jogo que volto a praticar sempre que o remorso me apanha. Na tentativa de ganhar um pouco mais de certeza e clareza nos meus pensamentos, tento acomodar, na curva acima, conforme os respectivos graus de objetividade, alguns documentos, personalidades,  ramos do conhecimento, e atividades da seguinte lista: Agricultura, Artigos que Leandro Konder e Roberto Campos, Comércio, Constituição da República Federativa do Brasil, Constituição dos Estados Unidos da América, Declaração da Independência dos EUA, Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa, Direito Civil, Direito Criminal, Economia-política, Finanças, Física, Indústria, Manifesto Comunista de Karl Max, Platão, Propaganda política na TV, Sócrates, Stephen W. Hawking.

A lista pode variar. O jogo consiste, por exemplo, em comparar o grau de certeza, a confiança que podemos depositar na informação contida em um exame de ressonância magnética computadorizada e a notícia de que a Cobra Grande de Óbidos acabou de engolir uma canoa de pescadores e todos os seus ocupantes. Há gente que acreditará mais nesta estória do que no exame médico. Qual o grau de objetividade encontrável em textos de Leandro Konder e de Roberto Campos?

A releitura dos documentos citados é parte do exercício. Acredito que, após este pequeno jogo, será possível que passemos a julgar certas posturas de pensamento e opinião, religião, ideologia, política - todas fortemente apaixonantes, prenhas de dogmatismo irascível - conforme a relatividade dessas matérias e seus conteúdos de subjetividade e emotividade.

Pessoas cultas, bem informadas, honestas, de boa-fé, oriundas de mesmos estratos étnicos e sociais, formadas nas mesmas universidades, exercendo as mesmas profissões, em tudo e por tudo semelhantes, podem ter posições ideológicas e preferências políticas antagônicas que defendem intransigentemente até à morte. Isto sem considerar ambições de poder quase sempre inseparáveis de motivações ideológicas.

A humanidade é atavicamente expansionista. Este é um assunto a ser analisado especificamente, em outro lugar, mas a história é rica de exemplos: medo-persas, greco-macedônios, romanos, mongóis, etc. No século XX, desgraçadamente, ideologias foram subordinadas por imperialismos atávicos: o socialismo nacionalista, pela necessidade de espaço vital da raça pura teutônica; o socialismo internacional, pelo expansionismo eslavo, herdeiro de Gengis Kahn. Ideologias usadas como pretexto, como pano de frente. O Corão e a Bíblia, da mesma forma, têm servido para escravizar povos sem conta. A cada momento, sob disfarces diversos, encontramos belas ideias a serviço de ambições pessoais e coletivas, do dogmatismo, do fanatismo. 

A humanidade em nada está sendo diferente neste limiar de novo século e novo milênio.
Espero que saibamos perceber isto e espero que saibamos retirar as paixões de nossas convicções. Se isto implica em trocar um pouco do idealismo por um tanto de ceticismo, teremos algum benefício na maior tolerância, na melhor convivência, na aceitação do jogo democrático. Dessa forma, estaremos, talvez, contribuindo para um mundo mais esclarecido, mais tolerante. Teremos um pouco de paz.

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