Em 22 de abri de 2015, a Petrobras publicou seus balanços contábeis
dos trimestres terceiro e quarto de 2014, em cima da hora, depois de meses de
delongas, para não incorrer em falta perante órgãos controladores de mercado de
valores no Brasil e nos Estado Unidos. O default acarretaria possível cobrança
antecipada de todos vencimentos futuros dos débitos da empresa, o que
extinguiria sua capacidade funcional.
Estou certo de que a contabilidade da Petrobras e a empresa
auditora apresentaram balanço correto do ponto de vista contábil, tendo em
vista os números concretos de que dispunham, mas não mostram a verdade que só
se revela quando se consideram as reais circunstâncias em que se realizam
projetos e aquisições nessa empresa.
Ainda mais, esse balanço não retrata a realidade da corrupção
que grassa nas entranhas da Petrobras e de todas as empresas e repartições
públicas de nosso país, prática já a muito açoitada nos discursos de Padre
Antônio Vieira e que perdura até nossos dias, cada vez mais sofisticada, mais
refinada e mais perversa.
O atraso se deveu às dificuldades da Petrobras em se enquadrar
nas rigorosas normas da empresa de auditoria, contratada para dar credibilidade
aos balanços contábeis perante o mercado e às agencias controladoras, bem como
em avaliar prejuízos decorrentes de queda do preço do petróleo, erros de
projeto e execução de obras importantes, e de corrupção estimada em três por
cento dos custos das contratações denunciadas na Operação Lava-a-Jato.
Em resumo, foram contabilizados 10
bilhões de reais em perdas por queda nos preços do barril de petróleo; 3
bilhões no Complexo de Suape; mais de 9 bilhões na Refinaria Abreu e Lima;
quase 22 bilhões no Comperj; acima de 6 bilhões em sobre preço da corrupção. A
soma chega a 44,34 bilhões de reais.
Não disponho dos dados que instruíram
o balanço da empresa. Cabe-me analisá-lo com olhar do bom senso. Daí decorrem
as seguintes conclusões:
1.
Queda do preço do petróleo - Aqui há
várias implicações:
a.
A rentabilidade da exploração do
pré-sal pela Petrobras fica seriamente abalada, suas refinarias perdem
justificativa econômica, o serviço de sua enorme dívida assume grandes
proporções em seu fluxo de caixa, toda a estrutura econômico-financeira de seu
plano de negócios tem que ser reavaliada, a empresa perde capacidade de
investimento e atrasa o pagamento de seus fornecedores, cessam os dividendos
aos acionistas, inclusive ao maior deles o Tesouro Nacional, diminuem os
pagamentos de impostos e royalties aos governos federal, estaduais e
municipais, toda a economia nacional é afetada;
b.
Por outro lado, o imenso poder de
geração de caixa do monopólio da Petrobras mantem as possibilidades de
recuperação financeira da empresa que, se bem administrada poderá superar as
presentes dificuldades;
c.
No Mundo todo, empresas produtoras de
petróleo têm seus lucros e planos de investimentos seriamente afetados;
d.
Todos os países importadores são
consideravelmente beneficiados;
e.
Arábia Saudita e Emirados do Golfo
Pérsico diminuem consideravelmente a concorrência de outros países produtores e
do gás e óleo do xisto nos Estados Unidos;
f.
A ameaça de corte do suprimento de
gás russo à Europa é especialmente aliviada, o que faz diminuir a pressão
política de Putin sobre a Ucrânia;
g.
A balança de pagamentos externos de Iran,
Iraque e Venezuela são duramente afetados, o que também tem consequências
geopolíticas,
h.
A renda do petróleo de campos
dominados pelo Estado Islâmico, vendido no mercado negro, diminui consideravelmente;
i.
Estados Unidos é o grande beneficiado,
sua balança comercial é bastante aliviada, e passa a exercer maior poder de
pressão sobre a Rússia, no caso da Ucrânia e do Iran no da energia atômica;
2.
Erros em
projetos e execução de obras - Este item é
extremamente preocupante, talvez até mais do que a corrupção:
a.
O planejamento da empresa se apoia em
modelos matemáticos que instruem o julgamento dos técnicos responsáveis pelos
projetos, se os algoritmos estiverem errados, o output do computador será
aceito como verdadeiro;
b.
No final, há sempre uma decisão humana
a ser aprovada em nível de gerencial e pela Diretoria ou pelo Conselho Diretor,
se o modelo matemático é inadequado ou há erro humano, ou os dois, as
consequências podem ser extremamente dispendiosas e até desastrosas;
c.
A refinaria de Pasadena oferece
vários exemplos de decisões erradas e ainda há os projetos Premium I, no
Maranhão, e II no Ceará, abandonados após enormes despesas tornadas inúteis, além
de outros casos que muito provavelmente possam existir;
d.
Apenas nos casos de Suape, Abreu e
Lima e Comperj o rombo foi de 34 bilhões de reais por erros de projeto ou
execução;
e.
Perdas dessa ordem retratam a
inadequação dos métodos da Petrobras e ou insuficiência de seus técnicos e administradores,
ou seja, aquilo que era o orgulho nacional, o alto conceito do corpo funcional
da Petrobras fica seriamente abalado;
f.
Mas o erro fundamental não está no
pessoal permanente da empresa, mas na ingerência política que divide a
administração da Petrobras em feudos onde interesses pessoais e partidários corroem
e sugam seus recursos financeiros e morais, é isto que gera descaso,
displicência e descompromisso;
3. Corrupção I
– Só 6 bilhões? Difícil de acreditar:
a. Esses 6
bilhões correspondem a três por cento dos contratos denunciados, a contabilidade
é muito simples, se a empresa aumenta o preço para pagar propina, há que
considerar os custos da execução da propina;
b. Nos casos
típicos de negociação com instituições públicas, o fornecedor é achacado duas
vezes: pelo responsável contratante, para obter o contrato, e pelo cacique do
órgão pagador para receber o pagamento;
c. No caso do petrolão,
há um terceiro complicador, o operador do partido político “dono” da diretoria
contratante;
d. Vamos listar
alguns itens que vêm à lembrança de alguém, leigo no assunto, mas não cego nem
surdo:
i. Previsão para
imposto de renda devido ao aumento da receita referente à propina;
ii. Compra de
notas fiscais fajutas para justificar a despesa;
iii. Contratação de
“laranja” que assuma os riscos da entrega da propina;
iv. Despesas
operacionais da negociação da propina, almoços, jantares, hotéis, etc.;
4. Corrupção II
– A
Petrobras elabora proposta interna como se fora um dos concorrentes, compara
esta proposta com as dos fornecedores e adquire a proposta de melhor custo
benefício que se mantenha na faixa entre -15% e +20%, isto é, entre 85% e 120%
do preço de referência;
a. Então, há duas hipóteses:
i. Preços típicos
em caso de livre concorrência entre licitantes - Os concorrentes desconhecem os
preços uns dos outros e elaboram suas propostas com o melhor custo-benefício e ao
menor preço de que sejam capazes, isto coloca a média dos preços concorrentes
próximos do nível mínimo, digamos 90%;
ii. Preços cobrados
quando não há concorrência devido a cartel – Os concorrentes combinam os preços
e escolhem um vencedor, isto coloca a média dos preços próximos do nível
superior, digamos 115%;
b. No caso de
livre concorrência a Petrobras pagaria em torno de 90% do preço de referência,
mas com o cartel paga 115%, um preço 25% maior;
c. Se o rombo
indicado é de 6 bilhões em propinas de 3 por cento, então a Petrobras pagou 204
bilhões, quando poderia ter pago apenas 160 bilhões;
d. Na realidade o
rombo da corrupção não foi de 6 bilhões, mas de quase 45 bilhões de reais;
e. E isto apenas
nos casos denunciados até agora, muito embora tenhamos tudo para acreditar que
haja muito por descobrir;
f. Isto é
dinheiro mais do que suficiente para pagar as propinas exigidas pelos partidos
até agora citados no Lava-a-Jato, PT, PP e PMDB, e dar lambuja a todos os
demais partidos só para as empreiteiras não ficarem mal com ninguém;
g. Diante desses
45 bi, os 6 bi são migalhas.
Apesar de todas as adversidades presentes, a nação brasileira e
sua maior empresa recuperarão o caminho da prosperidade e do desenvolvimento.
Estamos em um processo histórico, lento, paulatino, cheio de
tropeços, mas progressivo de aperfeiçoamento de nossa República. Esse processo
se iniciou com a redemocratização, prosseguiu com a Constituição e suas
múltiplas emendas. Continua com a criação dos Conselhos da Justiça e do
Ministério Público, da promulgação de diversas leis como a da Responsabilidade
Fiscal, da Transparência, da Ficha Limpa, e muitas outras.
Esse aperfeiçoamento se revela na independência do funcionamento
do Congresso Nacional, do Banco Central, da Polícia Federal, do Ministério
Público e da Justiça. O Tribunal de Contas da União começa a tomar atitudes
para fazer cumprir corretamente a Lei da Responsabilidade Fiscal, muito bom
sinal.
O Mensalão foi um marco nesse avanço, mas houve mais, os casos
do Cachoeira, dos Correios, a cassação do Collor, dos Anões, do Demóstenes, do
Vargas e de tantos outros. Este escândalo do Lava-a-Jato ou Petrolão, é o mais
importante em termos financeiros, mas não é o único em curso, nem o último a
ser revelado, muitos outros virão.
Este é o processo de limpeza da República Brasileira, de
purgação de seus pecados, de catarse purificadora pela qual temos que passar
até que cheguemos ao estágio necessário de funcionamento correto e digno da
vida nacional. Estágio em que o cidadão se respeita e é respeitado.