(Continuação)
O pássaro que piava
durante todo o alvorecer emite de novo seu canto persistente e monotônico;
daqui a pouco ele para; fim da tarde voltará a piar. Meu olhar perdido vaga
pelas copas das árvores da Mata Atlântica diante de minha janela e estanca na
silhueta da montanha a uma distância que me parece alcançável com as mãos. E me
vem a nostalgia dos horizontes infinitos de minha Amazônia ribeirinha, do meu
Tapajós querido cuja longínqua margem oposta, a quatro léguas distante, quase
me foge do alcance da vista na lembrança saudosa.
É momento de divagação,
mais do que de reflexão.
De repente, o espírito
vagante volta à realidade, aos duros fatos da vida real, do dia-a-dia das
coisas corriqueiras ou ao dia-sim, dia-não do julgamento do mensalão.
E me ocorre o fato de
que praticamente todos os políticos que estão no poder e muitos dos que fazem
oposição estiveram nas lutas contra o Regime Militar e pela redemocratização do
país.
Pois foram estes
políticos que fizeram a Constituição vigente, que instituíram os poderes que
nos governam, formataram e construíram a nação que temos hoje.
Até quatro semanas atrás
o Supremo Tribunal Federal era repositório de orgulho e esperança de todos
esses políticos. Afinal, praticamente todos os ministros do STF foram nomeados
por aliados pertencentes ao estamento atualmente no poder.
Sarney, hoje aliado de
Lula, nomeou Celso de Mello. Collor, agora também parceiro de Lula, indicou Marco
Aurélio. Lula apontou Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim
Barbosa e Dias Toffoli. E Dilma escolheu Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luiz Fux. Dos
dez ministros com mandato vigente apenas Gilmar Mendes foi apontado pelo atual
oposicionista Fernando Henrique. E Lula ainda nomeara os já aposentados Eros
Grau, Carlos Alberto Menezes Direito e Cezar Peluso.
Assim, se prevalecesse a
fidelidade ao nomeante, Lula, Dilma e seus aliados Sarney e Collor possuiriam
maioria de nove votos contra apenas um no STF. Se assim fosse os indiciados no
processo penal 470, o famoso julgamento do mensalão, os réus que tem recebido
públicas manifestações de afagos e carinhos de Lula e Dilma, estariam muito
tranquilos. Não haveria o que temer e seriam todos absolvidos. Portanto, nada a
reclamar de subserviente Tribunal.
No entanto, na medida em
que os réus vão sendo julgados, a maioria deles condenada e o julgamento se
aproxima de seu ponto culminante, com os principais acusados ameaçados do mesmo
destino, as manifestação depreciativas, desqualificadoras e até ofensivas à
honra dos juízes e á dignidade do Tribunal se tornam cada vez mais intensas e virulentas.
Profissionais do Direito,
escolhidos por Lula e Dilma segundo os mais rigorosos critérios de reputação
ilibada e reconhecido saber jurídico, antes honrados e prestigiados, são agora
achincalhados por votarem de acordo os mesmos parâmetros de honradez e técnica
legal que os tornaram ministros do Supremo Tribunal.
É de se supor que a
escolha fora mal feita, e neste caso os culpados do mau passo são Lula e Dilma,
ou as decisões dos juízes estão corretas e as reclamações são feitas de má-fé
por velhacos inconformados e interessados na impunidade de corruptos e
corruptores. A estes não interessa a moralização da vida pública, que tem um de
seus primordiais esteios na imposição exemplar da Lei.
O julgamento ainda não
terminou. Os protagonistas do escândalo ainda não foram submetidos ao
escrutínio do egrégio colégio de juízes e não se pode prever se serão ou não
condenados.
O que a nação brasileira
espera é que o Supremo Tribunal Federal esteja à altura da missão que a
Constituição lhe confere, ao nível das altas esperanças que a nação brasileira
e seu povo lhe depositam.