“Antigamente os que assistiam ao lado
dos príncipes chamavam-se laterones. E depois, corrompendo-se este vocábulo,
como afirma Marco Varro, chamaram-se latrones. E que seria se assim como se
corrompeu o vocábulo, se corrompessem também os que o mesmo vocábulo significa?”.
Respondo ao padre Antonio Vieira que o condicional não se aplica em terras de
El Rey, nem nas de Maranhão, Bahia e todo o reino do Brasil, valendo o
indicativo, porque corrompe-se o vocábulo e os que este significa: Os que
assistem ao lado dos potentados são todos, ou quase, rematados ladrões.
Vejamos o caso do homem de confiança
máxima de Getúlio, Tenente Gregório Fortunato que, das acomodações do corpo de
segurança ao lado do palácio do Catete, dirigiu uma das maiores redes de
corrupção até então vistas em terras brasileiras. O escândalo chamou-se Mar de
Lama e conduziu Vargas ao suicídio.
Juscelino construiu Brasília,
introduziu a inflação no país e fez a festa dos empreiteiros. Jânio, com seu estrabismo físico e
moral, brandia sua vassoura para varrer os corruptos, enquanto vivia à custa de
magnatas. Em troco de que? Ao enfrentar a oposição no Congresso, deu um
chilique e renunciou na certeza de que o povo o reconduziria como ditador.
Errou e disparou a serie de crises que culminou com a derrubada de seu vice,
João Goulart.
O esquema de Gregório Fortunato
resuscitou após o plebiscito que confirmou Jango na presidência e as autarquias
financiavam pelegos. Para quem não sabe o que é isto, pelego é o manto de pelo
de carneiro que o gaucho coloca por cima da sela para amaciar a andadura do
cavalo e, por analogia, o sindicalista que se deixa montar pelo político ao
qual serve. Exatamente como CUT e Força Sindical, pelegos modernos, se portam
perante Lula. Portanto, as práticas do peleguismo lulista remontam às origens
do Estado Novo e passam pelo queremismo.
O Governo Militar se erigiu sob a
égide do combate ao comunismo e á corrupção, com o consentimento e até aplausos
da população. Era para durar dois anos, limpar a casa e devolver o poder aos
políticos civis. Costa e Silva entendeu que os políticos não eram confiáveis e
prorrogou indefinidamente o regime, espalhando majores e coronéis por tudo
quanto era repartição, aparelhando militarmente o Estado brasileiro. A
consequência foi que as vestais militares, encarregadas de limpar e moralizar,
logo tomaram gosto pelo ofício de “laterone” e não só corromperam o vocábulo
como a si próprios, tornando generalizada e exponenciando a ladroagem.
A partir do Estado Novo, quando
comecei a me conscientizar das coisas políticas, fui testemunha de casos, por
exemplo, para ficar em apenas dois, do genro de ministro que iniciou a
construção de seu palacete em 1944, mas só o concluiu no segundo governo Vargas,
quando seu esquema de financiamento retornou ao poder; ou o do coronel chefe de
uma autarquia que meteu o pé na porta de empresário para exigir pagamento da
propina prometida, mas embolsada pelo vendedor. Sempre foi sabido que os
negócios com governo se faziam mediante propina, costumeiramente de cinco por
cento, chegando a alguns casos a cinquenta na era Sarney. Qualquer um que tenha
a mínima noção de composição de custos pode imaginar a impossibilidade da
prestação do serviço neste nível de propinagem.
Vamos passar ao largo do governo
Sarney com sua superinflação, a maior das corrupções, para o deixar a cargo das
pungentes denúncias de Collor, o Caçador de Marajás, ele próprio caçado pela
juventude e cassado pelo Congresso. Mas não há como esquecer o “laterone” PC Faria,
o Fortunato do Collor.
O escândalo collorista foi tamanho
que quase supera o Mar de Lama, mas teve o dom de conscientizar a sociedade e
colocar um pouco de vergonha no governo Itamar, não tanta que acabasse com a
ladroagem, porém o suficiente para manter bem escondidas da mídia as bandalhas
e canalhices que nos subterrâneos se praticavam.
Ah! Chegaram os Tucanos e a ladroagem
se manteve em níveis, digamos, normais, ou seja, que não incomodavam demais a
população conformada com a tradição da roubalheira e sem tempo para se
indignar. Mas o Tucano-chefe quis porque quis ser reeleito e cooptou o
Congresso quase todo a troco do toma lá dá cá e bagunçou de vez o coreto. O
nível de percepção da roubalheira pelo povo aumentou e destruiu a imagem do
herói do Plano Real. A tucanalhice imperou.
Enquanto isto, Lula era contra a
Constituição de 88, contra a Lei da Responsabilidade Fiscal, contra o Plano
Real, contra o Proer, contra tudo que pusesse ordem na casa, contra tudo que
veio a constituir a base do sucesso relativo da política econômica que herdou e
à qual fora contra. Mas Lula foi a favor, desde seus primórdios sindicalistas,
dos esdrúxulos esquemas de financiamento de seus sindicatos e do partido
político que criou a seu serviço.
“Pô, Oswaldo, tem que arrecadar como
faz o Celso Daniel. Você quer que a gente ganhe a eleição como?” Com esta
indagação, revelada na CPI do mensalão, Lula, em 1998, acompanhado por seu
principal “laterone”, José Dirceu, impunha a Oswaldo Dias, prefeito de
Mauá, o exemplo de Celso Daniel, prefeito de Santo André, importante arrecadador
para o Partido dos Trabalhadores através do esquema da CEPEM – Consultoria para
Empresas e Municípios, criada para financiar o PT com fundos ilegais de
prefeituras petistas. Como se sabe, Celso Daniel foi assassinado em 2002 por
seus próprios “laterones” para acobertar os crimes Petralhas.
O esquema financeiro síndico-petista,
longamente praticado antes da eleição de Lula, foi rapidamente ampliado com o
aparelhamento petista do governo e incorporação de práticas tucanas mineiras de
Marcos Valério. Se Fortunato, com menos acinte, agia assentado no corpo da
guarda fora do palácio do Catete, José Dirceu, mais pernóstico, se acomodou na
própria antessala do presidente Lula. Dalí coordenou o maior esquema de
corrupção jamais visto na história deste país, esquema que persiste na maior
parte, embora o mensalão tenha sido desbaratado. Será que foi?
Os que eram crimes de Sarney, Collor
e FHC passaram a ser para Lula coisinhas sem importância, nem pecadilhos seriam
senão caixa dois de campanha, coisas de aloprados, na expressão dele, como se
não fossem crimes, mas, por seus estranhos critério, justificáveis. Legado que
deixa para Dilma, cujos ministros herdados são expelidos pelo clamor público
enquanto os “laterones” petralhas, com a cara mais deslavada, acusam a opinião
pública do crime de os denunciar. E para nosso espanto, Lula, Dilma e seus
principais “laterones”, inclusive Dirceu, aparecem em eventos públicos a se
apertarem em abraços estreitos e, sorridentes, trocarem beijos afetuosos.
O que podemos dizer desses
presidentes e seus “laterones”? Volto a Antonio Vieira: “São companheiros dos
ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os
consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes;
são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente seus
companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os
mesmos ladrões os levam consigo”.
Que a Lei da Ficha Limpa e a
indignação do povo brasileiro os remeta todos aos confins do ostracismo, pelo
menos com direitos políticos cassados, senão empalados no próprio Código Penal.