3 de fevereiro de 2009

A Grande Crise de 2008 - Origens

Há quase sete anos, em junho de 2002, no tópico intitulado "Não compre dólar", parte de crônica publicada em jornal desta cidade, exortei os leitores a não comprar dólar. Reproduzo aqui trechos do artigo. "Por mais de um século, dólares têm saído dos Estados Unidos da América para comprar coisas e financiar projetos e viagens. Esses dólares permanecem fora dos EUA. A massa monetária externa é muito maior do que a interna. O excesso de dólares correntes no mercado mundial é enorme". ... "quando essa dinheirama começar a perder credibilidade, vai ser um Deus nos acuda. Ninguém vai querer reter moeda podre. Será a derrocada da maior potência que o Mundo já viu".

"Todas as nações serão afetadas. A crise será muito maior do que a de 1929. Quando os dólares retornarem, a inflação nos EUA será astronômica. O poder de compra dos EUA cairá quase a zero e o maior importador mundial não comprará mais nada. As demais nações não terão para quem vender seus excedentes. Todos os países entrarão em profunda recessão e esta persistirá por mais de uma década".

Quando os Estados Unidos saíram da Recessão de 1929 e da Segunda Grande Guerra eram o país mais rico e poderoso do Mundo, e com interesses econômicos e políticos globais. Confiantes nesse poderio militar e financeiro, gastaram rios de dinheiro com o Plano Marshall, que reergueu a Europa e a salvou do Comunismo, com a ocupação e desenvolvimento da economia japonesa, com as guerras da Coréia e do Vietnam, e principalmente com a corrida armamentista da Guerra Fria.

Agora é o sorvedouro de recursos das guerras do Afeganistão e do Iraque. A União Soviética não possuía a mesma base econômica para acompanhar o arsenal militar americano e entregou os pontos. Os Estados Unidos venceram, mas sua economia estava minada, principalmente a partir das crises do petróleo da década de 1970 que inverteram o balanço financeiro das contas externas. Simultaneamente, seus industriais, em lugar de tornar mais eficazes seus métodos e processos produtivos, passaram a investir no terceiro mundo em busca dos baixos salários que tornariam seus produtos mais competitivos, embora deixando os operários americanos sem ter o que fazer. Com os investimentos foram também as tecnologias que os ágeis empreendedores do terceiro mundo souberam copiar e, muitas vezes, superar. Daí o sucesso dos tigres Asiáticos, mais uma vez, agravando o viés negativo das contas externas
americanas.

Os Estados Unidos, importando muito mais do que exportando, passaram a viver de crédito, da falsa solidez de sua economia, emitindo dólares e letras do tesouro absorvidos em quantidades cada vez maiores por bancos centrais, investidores e industriais construindo reservas. Era uma situação insustentável. O governo e o povo americanos gastavam muito mais do que ganhavam. A moral foi relaxada e, com ela a disciplina. A leniência se alastrou pela sociedade. As universidades diminuíram o ritmo de produção tecnológica. A eficiência americana se degradou e foi superada por asiáticos e europeus. A ruptura seria inevitável.

Esta foi a leitura de minha bola de cristal particular em 2002. Estamos vendo agora que não apenas os Estados Unidos abarrotaram o resto do Mundo com os dólares das transações comerciais e títulos do tesouro, dos empréstimos do governo americano. Uma outra espécie de moeda, criada pelo sistema de financiamento habitacional, os "derivativos" dos títulos hipotecários, sem conhecimento ou controle pelo Federal Reserve Bank, se tornaram a coqueluche dos operadores financeiros no mundo todo.

Numa época de dinheiro abundante e barato, concorrência acirrada e "spreads" apertados, bancos hipotecários só fariam lucros compensadores se os volumes negociados fossem enormes. A ânsia por fechar cada vez mais e maiores negócios forçou os analistas de crédito a baixar além do minimamente aceitável os critérios de concessão de hipotecas, inclusive com várias delas sobre o mesmo imóvel. Daí o boom na construção e as hipotecas múltiplas para aquisição de bens de outra natureza sem qualquer justificativa econômica. Claro, os riscos seriam enormes e, por isso mesmo, algum experto inventou o método de ratear o risco com quem adquirisse "derivativos", em última análise, cotas ideais das hipotecas, pagando prêmios extremamente atrativos a qualquer ganancioso pronto a ganhar muito no imediato e perder tudo no longo prazo. Quando o Fed aumentou os juros básicos, para controlar a inflação, e os mutuários não puderam mais pagar as crescentes prestações dos imóveis, e dos carrões, viagens e piscinas adquiridos com terceiras e quartas hipotecas, o mundo veio abaixo, bancos faliram, ações em bolsas caíram a valores irrisórios, a desgraça se espalhou pelo mundo todo.

O mundo dos negócios, o mercado, tem que cair na real e reaprender a viver de modo economicamente saudável e ético, retornando á produção primária e secundária de bens, onde está a verdadeira riqueza, ao invés de aplicar golpes financeiros na Humanidade. Os agricultores americanos têm que aprender a produzir de verdade e a viver sem subsídios. Os industriais têm que readquirir a inventividade e a capacidade empreendedora. O sistema financeiro tem que aprender algo que nunca soube, seus executivos têm que ser criteriosos e honestos.

Parece que o novo presidente tem algo novo a introduzir no governo americano: Ética. E aqui reside a esperança. Mas é necessário tempo, de um a quatro anos em cada fase, para entender o que aconteceu, descobrir como vencer as dificuldades, testar as teorias até acertar e, finalmente, retornar à prosperidade, agora, então, em bases mais sólidas e duradouras. Até que novos erros sejam cometidos e a Humanidade tenha que sofrer e reaprender tudo de novo.

Vamos ver o que acontece neste processo, que será penoso e lento, no qual o Brasil tem importante papel a exercer. Daqui a seis ou sete anos voltarei ao assunto.

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