26 de fevereiro de 2008

O papel estratégico do Imposto sobre Exportação

No artigo intitulado “Agregando Valor às Exportações”, aqui publicado há quatro semanas, não mencionei que o Código Tributário Nacional estabelece o Imposto sobre a Exportação. Volto ao tema para esclarecer alguns pontos que ficaram obscuros e suscitaram indagações de leitores.

Reproduzo aqui o artigo 23º do CTN, Lei 5.172, pertinente a esse tributo: ”O imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional”.

Esse imposto é competência exclusiva União (Art. 153, alínea II da Constituição Federal) que o utiliza em raríssimos casos, acompanhando o procedimento de outras nações, com vistas a desonerar os produtos exportáveis e melhor competir no mercado internacional.

Nos “raríssimos casos”, acima indicados, certamente se deveriam incluir as matérias primas e todos os produto com baixo índice de valor agregado pelo beneficiamento e pela manufatura. Este é o caso, por exemplo, da bauxita, em menor grau da alumina e, menos ainda, do alumínio em lingotes, cada um destes com maior incorporação de mão de obra, capital, tecnologia e insumos diversos, inclusive energia. A exportação destes bens, em cada uma de suas fases produtivas, deveria incorrer em alíquotas diferenciadas do Imposto sobre Exportação para tornar a verticalização industrial cada vez mais atrativa, de preferência quando realizada na região de produção primária.

Outro caso a chamar a atenção é a exportação de gado em pé para alguns paises como Líbano e Venezuela. É claro que esta operação é vantajosa para o Estado do Pará, falto de alternativas, cujo gado não atende as exigências do mercado nacional, muito menos as da União Européia. No entanto, Quando se exporta rês viva, junto vai também o couro, portanto o país receptor alimenta não somente sua própria indústria de carnes - abatedouros e fábricas de embutidos - como a de couros.- curtumes, calçados e vestuário. Assim é, também, com muitos outros produtos, entre os quais, o minério de ferro, a soja, o café e muito mais.

Sempre que um produto é exportado “in natura” temos um caso a ser analisado para verificar a conveniência de variar a alíquota do Imposto sobre Exportação no sentido de equilibrar as vantagens para o país. A Câmara de Comércio Exterior – CEMEX seria o órgão executor natural dessa política de equilíbrio e bom senso cujos objetivos, algumas vezes opostos, seriam: melhorar a competitividade brasileira e incentivar a verticalização e a incorporação de valor aos produtos exportados.

A recente proposta de reforma tributária enviada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional busca a simplificação tributária pela diminuição do número dos impostos, taxas.e contribuições. Tal objetivo é correto, a providência é necessária. No entanto, o Imposto de Importação assim como o de Exportação devem ser mantidos por serem de fácil aplicabilidade na implementação de políticas de governo.

Afinal de contas, se é preferível exportar um milhão de dólares de matéria prima a não exportar nada, também é certo ser muito melhor exportar o mesmo milhão em produtos prontos para o consumidor final, aviões, por exemplo. Quando se exporta minério, o que fica é um enorme buraco. Foi o que aconteceu com o fim da exploração da ICOMI, deixando um grande vazio no Amapá. Mas quando se exportam aviões, aqui ficam os salários de operários especializados e engenheiros qualificados, que aqui consomem e aqui pagam impostos compensadores, que aqui criam empregos para tantos jovens talentosos ainda na universidade.

A função dos Impostos de Importação e Exportação, longe de ser arrecadadora, é de regulação, de ajuste fino de nosso comércio exterior. Esses tributos podem ser fatores importantes de incentivo à verticalização de nossa produção, aumento do emprego interno, desenvolvimento de nossa capacidade tecnológica e elevação do Brasil a potencia econômica mundial.

 

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24 de fevereiro de 2008

A volta do boom do ouro?

O ciclo do ouro no Oeste do Pará trouxe muita prosperidade para a região e deixou enorme vazio econômico quando terminou. A par disto, alguns problemas sociais e agressões ao meio ambiente, principalmente o envenenamento dos rios pelo uso do mercúrio.

O que aconteceria se no correr dos próximos anos ocorresse um novo boom do ouro nesta região? Podemos prever as conseqüências, boas e más? Que medidas preventivas deveriam ser antecipadas para prevenir os males e aumentar os benefícios?

Em meados de janeiro de 1980 o preço do ouro no mercado mundial atingiu o máximo histórico de US$ 2,210.00 por onça troy ou, convertido ao sistema métrico, US$ 70.97 por grama (Uma onça troy é equivalente a aproximadamente 31,1 gramas. 32,15 onças troy = 1 quilograma).

A partir desse pico, o preço internacional caiu abaixo de quatrocentos dólares e hoje se situa em torno de mil dólares por onça troy, ou seja, na época do boom do ouro em Santarém, o preço internacional chegou a R$ 125,00 a grama, ao câmbio de hoje porém sem descontar a inflação em dólar. Atualmente se situa em torno de R$ 55,00 por grama. O preço do grama no mercado de varejo local anda por volta de R$ 50,00. Mantidas as proporções, se dobrar o valor do ouro no mercado internacional, o preço no varejo de Santarém poderia atingir R$ 100,00 por cada grama.

O que faria o preço dobrar, talvez triplicar? Bem, desde 2001 o preço do ouro vem aumentando na média anual de quase trinta por cento, porém, este ano, a China, que jamais havia comercializado ouro no mercado aberto começou a fazê-lo em bolsa de contratos de futuros em quantidades acima de um quilograma por operação, que os compradores podem fechar com pagamentos de apenas sete por cento do valor do contrato.

A produção chinesa tem crescido nos últimos anos e em 2008 esse país pode se tornar o maior produtor mundial, saltando por cima da Austrália, da África do Sul e do atual número um, os Estados Unidos. Além disto, em 2007 a China ultrapassou os Estados Unidos como maior consumidor mundial.

Embora A China seja um país pobre, na relação per capita, as classes média e rica chinesas constituem um grupo equivalente a quase a população brasileira inteira. Basta imaginar o potencial econômico que isto representa para visualizar o que pode acontecer no mercado mundial de ouro. Além disto, a rápida desvalorização do dólar, devido ao crônico déficit americano, está induzindo muitos investidores globalizados a saírem das moedas para investir em metais preciosos.

Mas o que tudo isto tem a ver com nossos interesses locais? Pura e simplesmente, a atração que a explosão do preço pode provocar, geraria uma corrida ao ouro com grandes conseqüências para nossa região.

A primeira delas, seria uma corrida aos garimpos de aluvião, difícil de controlar, mesmo com grande esforço policial. Teríamos grandes contingentes de garimpeiros pululando em toda a Amazônia. A segunda, seria o boom econômico trazido por essa corrida, fazendo com que o comércio e os recém empregados apóiem os interesses dos garimpeiros. Finalmente, a poluição extensiva de nossos rios e a destruição das matas pela mineração desordenada.

Devemos ficar atentos à evolução do preço mundial do ouro, tanto para nos prepararmos para aproveitar a prosperidade decorrente da nova corrida ao ouro, quanto para prevenir os males que acompanham sua exploração desordenada.

 

O finlandês que fugiu do frio.

Tanja (pronuncia-se Tânia) abriu a porta do quarto e disse: “Vamos lá, seu malandro, ta um dia maravilhoso, a neve está só trinta centímetros, a gente limpa a neve do caminho, vai pra sauna e então dá um mergulho no lago. A água deve estar ótima a uns dois ou três graus”.

Miko olhou pra irmã e disse: “Birrrr... Não tem mais o que fazer? Vá chutar trilho!” Virou pro outro lado e tapou os ouvidos com as mãos. Miko não gosta do frio e está de saco cheio da vida monótona de Helsinque. Anda pensando em aventuras.

Passado algum tempo, Miko Häkkinen (o nome é fictício) abriu os olhos, olhou para o teto e pensou: “O que eu vou fazer? Não agüento mais essa droga de frio. Tenho que dar um jeito na minha vida”. Então tomou uma decisão: “Vou pra Amazônia dar uns palpites e ensinar aqueles caboclos e selvagens como se deve viver. Lá não tem neve, tem mosquitos, mas pelo menos fico longe deste frio de lascar”. Pegou o celular, digitou, fez a reserva, puxou o cartão de crédito, ditou o número e no dia seguinte embarcou para o Brasil. Agora está por aqui alardeando sabedoria de vida.

Socorrinho balançou a rede e disse: “Vamos lá, seu malandro, ta um dia maravilhoso, a gente dá um mergulho no igarapé e vê se flecha um pacu, quem sabe uma pirapitinga. Depois vai apanhar açaí que a mãe disse que acabou. No caminho procura algum cupuaçu madurinho”. Dorivalson, que todos conhecem por Dori, levantou, pegou a zagaia, um paneiro e saiu tagarelando alegremente com a irmã. Atravessaram o seringal a caminho do igarapé.

Dori nunca pensou em dar palpite na vida de outras pessoas, muito menos finlandeses, italianos e outros gringos. Nem sabe que existe um país chamado Finlândia. Onde Dori vive não tem neve nem frio. Dori também não tem maiores preocupações, nem cartão de crédito, nunca andou de avião. A diferença entre Miko e Dori é muito maior do que isto. Ao contrário de Miko, Dori não tem quarto só para ele, dorme junto com o resto da família no ambiente único da palhoça. A renda per capita anual do povo de Miko é de quarenta mil dólares, a de Dori é de apenas mil e duzentos. Miko tem treze anos de estudos, sem contar creche, jardim de infância, pré-escola. Dori é analfabeto, não sabe ler, embora saiba contar dinheiro e fazer troco. Miko tem assistência médica completa paga pelo governo, Dori nunca viu um dentista. Os parentes de Miko vivem além dos oitenta anos, o pai de Dori morreu com trinta e cinco.

Pelas estatísticas internacionais, a classificação do PIB de 229 paises, conforme o poder de compra das respectivas moedas, coloca a Finlândia em qüinquagésimo quinto lugar, com quase cento e noventa bilhões de dólares, menos de trinta décimos por cento do PIB mundial. O Brasil é muito maior, em território, população e renda total; está em décimo primeiro lugar, com perto de um trilhão oitocentos e quarenta bilhões de dólares, equivalentes a quase três por cento do PIB total da Humanidade. Mas quando as coisas são medidas per capita, inverte tudo, a Finlândia fica em vigésimo e o Brasil em septuagésimo sétimo lugar. As coisas pioram quando comparamos os indicadores de desenvolvimento humano dos dois paises. Aqui a Finlândia está em décimo primeiro lugar, enquanto o Brasil cai para o septuagésimo, último entre os mais desenvolvidos. Se considerarmos apenas os indicadores da região onde Dori vive, a coisa aparece realmente ruim, como de fato é na vida real.

A preocupação de Dori é melhorar de vida, a de Miko é salvar o Planeta. Miko pretende que Dori continue do jeito que está. Miko sabe que se Dori tiver dinheiro na mão, isto é, se tiver emprego e renda, vai ser mais um consumidor a contribuir para esgotar recursos não renováveis. Isto não interessa aos financiadores de Miko. Por isso, Miko faz de tudo pra convencer Dori a se manter feliz, ignorante e pobre, a troco de alguns donativos. Estão fazendo com Dori o mesmo que os colonizadores fizeram com os indígenas, levavam o ouro em troca de espelhinhos. Dori fica feliz em receber a esmola. Miko ganha bônus de seus patrões.

Miko é um cara bacana, cursou ótima universidade, tem bons patrocinadores interessados em estagnar a Amazônia à espera do tempo certo para vir aqui tomar posse do que pertence a Dori. Dori não sabe, mas está sofrendo lavagem cerebral, está sendo alienado e condicionado a pensar e agir conforme a conveniência de gente que ele nem sabe que existe. Miko não se importa se o sonho de Dori é ter vida tão boa e plena quanto qualquer finlandês, canadense ou neozelandês, poder algum dia acordar, consciente, e escolher seu destino, decidir os rumos de sua própria vida. Dori é apenas um peão, um joguete no enorme tabuleiro de interesses das grandes potências.

 

6 de fevereiro de 2008

O SUS de Maria do Carmo

      O título deste artigo poderia ser "O SUS de Emmanuel" se o objetivo fosse particularizar a responsabilidade local ou "O SUS de Lula" se buscássemos o responsável geral. Neste caso, falaríamos ao vazio sem atingir o ouvido desejado, no outro, minhas boas intenções poderiam ser mal recebidas por um amigo a quem respeito e estimo. Considero amigos Dr. Emanuel Silva e sua esposa, Dra. Francimeire, mas por Maria tenho particular simpatia e afeição; considero recíprocos tais sentimentos e sei que ela possui maior sensibilidade política. Por isto mesmo, o título acima.

      Já tive dor de dente em Nova Iorque e minha mulher foi hospitalizada em Miami. Fomos muito bem cuidados, porem as contas foram enormes. Já em Copenhague, recorri ao "médico de família" do bairro Orsteboro. Mesmo sendo estrangeiro, não houve qualquer empecilho, agendei consulta por telefone e fui atendido, com hora marcada, por um médico atencioso e gentil, tudo falado em inglês, numa consulta de mais de trinta minutos, com anamnese extensa e cuidadosa, tudo por conta da Comuna, como por lá eles chamam o município.

      No Recife, precisei restaurar uma obturação, marquei consulta (pessoalmente) no Posto de Saúde da Prefeitura em Boa Viagem e fui atendido no dia seguinte. D'outra feita, no mesmo Posto, fui recebido por uma Dermatologista no mesmo dia em que solicitei a consulta.

      Alguns dizem que no Rio Grande do Norte é melhor porque este estado tem sido governado por mulheres. Faz tempo que não vou lá, não posso afirmar. Os pernambucanos consideram péssimo o serviço do SUS. O serviço do SUS é péssimo no país todo e sabemos todos disto, mas em alguns lugares é muito pior do que em outros. Incluo Santarém neste caso e o que digo aqui o faço na esperança de que, algum dia, venha a ser como nos países nórdicos. Já debocharam desta minha aspiração. Dizem que as coisas no Brasil são assim mesmo e que não tem conserto. Não acredito neste fatalismo derrotista. Por isso mesmo, não me conformo.

      Não me conformo em esperar desconfortavelmente por mais cinco horas para ser atendido por um médico que me despacha em menos de três minutos. Não somente a mim, que me considero em boa forma, mas a tantos idosos e pessoas muito doentes, padecendo e penando.

      Nem falo do horror do Pronto Socorro. Se você, leitor, for ao Posto de Saúde Santa Clara às sete da manhã, não encontrará mais pacientes nem médico. O horário foi antecipado sem divulgação, apesar do importante dispêndio da Prefeitura em publicidade. O médico começa a atender às seis da manhã. Às sei e quarenta vai embora tendo despachado dezesseis pacientes, média de dois minutos e meio por consulta. Não sei se alguém pode chamar isto de medicina. Para mim é ofensa ao cidadão. Não há necessidade de conhecimento específico, basta um pouco de estatística para saber que a probabilidade de erro de diagnóstico é enorme.

      Se nos esforçarmos um pouquinho só, entenderemos que muito pode ser melhorado começando, é claro, pelo início: marcação de consultas. Consultas deveriam ser agendadas, pelos já cadastrados no SUS, via Internet ou telefone. Se o paciente já passou por avaliação do Clínico Geral e foi encaminhado a um especialista, novas consultas não deveriam depender de novo encaminhamento. Se alguém sofre de glaucoma e deve consultar o oftalmologista a cada seis meses, porque não ir direto ao seu médico e agendar a consulta? Porque percorrer todo um caminho inútil e demorado?

      As coisas podem e deveriam ser claras, há necessidade de um roteiro para o paciente se encontrar e saber a onde se dirigir. Tal roteiro deveria estar no portal da Prefeitura, de onde poderia ser impresso, assim como em avisos nos postos de saúde. Ao contrário, o que encontramos nas paredes são arrogantes e ofensivos avisos de que não se pode desacatar funcionários, ou seja, o cidadão tem que ser submisso e não pode reclamar de maus tratos, sob as penas da Lei.

      A informatização do serviço certamente tornaria tudo muito mais simples e mais eficiente, liberando pessoal para outras tarefas mais importantes.

      Na inauguração do Mirante, conversei com Dr. Everaldo sobre o Centro de Convenções de que Santarém necessita. Everaldo me surpreendeu apontando algumas opções viáveis, revelando estar atento e antecipando os problemas. Talvez, nesta questão de informatização dos serviços médicos, Everaldo disponha de algumas soluções igualmente inteligentes. Faço votos que sim. A informatização aumenta a eficiência, a ordem, a rapidez do atendimento.

      Talvez nem Maria e sua família, nem Lula, nem Emmanuel precisam recorrer ao SUS em pé de igualdade com os demais cidadãos. Talvez eu não precise recorrer ao SUS. Mas este não é o problema. A questão é que todos, sem exceção, tem direito a atendimento de qualidade pelo SUS. Alem disto, tanto Lula, quanto Maria e Emmanuel deveriam recorrer ao SUS, de vez em quando, para saber como é humilhante, degradante, penoso e deficiente o serviço médico que propiciam ao povo.