Considerando
certas reações a opiniões emitidas em redes sociais e mesmo em colóquios
familiares eu e Nancy convidamos à reflexão sobre diferenças de opinião e
desencantos com a situação econômica, política e social local e global. Vamos
primeiro a estes.
Eu
tinha oito ano quando li, nas manchetes de jornal, notícias da invasão da
Polônia pelo exército germânico e a declaração de guerra de França e Inglaterra
à Alemanha. No cinco anos seguintes acompanhei o desenrolar das batalhas pelo
Mundo todo, vi meu pai ir aos Estados Unidos fazer curso preparatório para se
incorporar à Força Expedicionária Brasileira que iria lutar na Itália (ele só
não foi combater porque o Ministro da Guerra, General Dutra, o vetou dizendo:
“o que vais fazer na guerra deixando mulher e oito filhos?”). Nessa hecatombe
morreram mais de cinquenta milhões de seres humanos, entre civis e militares, e
o desfecho da mortandade e da guerra se deu com duas bombas atômicas ceifando
mais de duzentas mil pessoas, cada uma. Isto, fora os que foram dizimados em
campos de concentração. De 1930 a 1945 o Brasil esteve sob o jugo ditatorial de
Getúlio Vargas e seu carrasco Filinto Muller que, assim como o regime militar
de 1964 a 1979, prendeu arbitrariamente, torturou e assassinou adversários
políticos.
Portanto,
nestes meus oitenta e nove anos, fui contemporâneo dos mais terríveis acontecimentos.
Ainda hoje ocorrem em lugares como Síria e Afeganistão, mas nada que se compare
a holocaustos e bombas atômicas. E o Brasil está muito longe disto.
Durante
todo o período pós-guerra tenho assistido o Mundo mudar para melhor. A escassez de alimentos e a fome grassaram em
Bangladesh, Ucrânia, China e tantos outros lugares, milhões de pessoas morreram
à míngua. Pouco a pouco a revolução tecnológica na agropecuária gerou superávit
e variedade alimentar de tal forma que o problema não é mais a falta de
alimentos, mas sua má distribuição. Neste aspecto o Mundo está muito melhor.
Antes,
qualquer infecção provocaria a morte e quase todas as doenças careciam de
prevenção e tratamento. Hoje, com antibióticos, vacinas e tantos outros
tratamentos avançados a expectativa de vida da Humanidade, que era de cerca de
45 anos, já supera os 75 na média global. Neste aspecto o Mundo está muito
melhor.
Na
grande maioria dos países há grande esforço em busca de educação de alto nível
libertando suas populações da escravidão da ignorância e da pobreza. Devido a
isto, muitas nações pobres e sem recursos naturais se tornaram prósperas e
atuantes no comércio mundial. Neste aspecto o Mundo está muito melhor.
Todos
os países civilizados, os mais ricos e mais igualitários, adotam regimes
político-econômicos que usam a eficácia de mercados moderadamente regulados para
criar a riqueza que distribuem através de serviços sociais. Neste aspecto o
Mundo está muito melhor.
No
imediato pós-guerra, a maioria das nações era governada por ditadores ou estava
submetida a potências colonialistas. O colonialismo acabou e quase todos os
países são democráticos, alguns mais imperfeitos que outros, mas os direitos
humanos são hoje muito mais respeitados. Neste aspecto o Mundo está muito
melhor.
O
Brasil, após a Constituição de 1988, é um país democrático. Com imperfeições,
temos que reconhecer, mas possui instituições republicanas fortes. Apesar do
desemprego ainda afligir mais de onze milhões de nossos trabalhadores, segundo
o FMI, em termos de poder de compra, a renda anual média per capta dos brasileiros
em 2015 era de 15,615 dólares americanos, o da China 14,107 e a mundial 15,638,
o que não nos coloca entre os mais ricos e nem no rol dos mais pobres. É
incontestável que parcela considerável dos brasileiros gostaria de transformações
rápidas, de grandes mudanças para um lado ou para outro conforme a visão política-ideológica
de cada um, mas é igualmente certo que isto não afeta o senso de alegria de
nosso povo, que demonstra “não estar nem ai” para política ou políticos, ou
apesar deles. É só assistir o “nunca dantes visto neste país” incontável número
de brincantes no mais democrático dos carnavais que são o dos blocos populares,
os novo e os tradicionais. Neste aspecto o Brasil está tão ruim ou tão bom quanto
o resto do Mundo.
Se
o Mundo está muito melhor e o Brasil está a par com ele, não há justificativa
para desânimo ou raia, nem lamento ou pessimismo, porque esta é excelente
oportunidade de nos juntarmos todos em busca do aperfeiçoamento de nossa
civilização.
Tratemos
agora do fator político-ideológico nas relações interpessoais, principalmente
no seio familiar. Há fatores que exacerbam as emoções quando se discute
política, ou mesmo outros temas como religião ou esportes. Todos esses fatores
são impossíveis de comprovação
cientifica, sendo meras crenças pessoais. A Humanidade tem sofrido
imensos horrores provocados por crenças e preconceitos políticos e religiosos,
milhões de seres humanos matam e morrem por uma divindade, um ídolo, um
príncipe, uma ideia, uma fé. Alexandre e Napoleão jamais souberam os nomes dos
soldados que os idolatravam ao extremo de dar suas vidas por eles. Os líderes
atuais também não sabem de nossa existência como indivíduos, de nós que nos
irritamos, agredimos e cortamos relações com nossos entes mais queridos, mais
amados, aos quais devemos deferência e consideração, simplesmente por termos
opiniões diferentes a respeito desses ídolos de pés de barro, todos eles
simples seres humanos sujeitos a falhas como todos nós. Não vale a pena.
O
pior de tudo é, quando no afã de defender nossos ídolos ou ideologias e atacar
os alheios, passamos a agredir a dignidade da pessoa com quem dialogamos. Em
lugar de manter o debate no plano das ideias, transpomos os limites da troca
civilizada de opinião e baixamos o nível ao ponto de liberar e exibir os piores
monstros do recôndito de nossa alma. Não vale a pena.
Muitas
vezes, seres humanos imperfeitos que somos, arrogantemente exigimos perfeição
de nossos parentes e amigos e mais ainda de seus líderes e ídolos, não admitimos
preconceitos e exigimos linguajar politicamente correto, colocando peias na
condição humana nossa e deles, negando-nos e a eles a leniência de humanamente
cometer pecadilhos veniais. Não vale apena.
Reporto-me
a dois grandes líderes que muito admiro, Gandhi e sua doutrina pacifista, e a
Jesus que pregou o amor e ensinou que são bem aventurados os mansos de coração.
A Humanidade precisa disto, de amor e mansidão, serenidade, espírito aberto e
sorridente para as diferenças. Porque somos nós que construímos a civilização
na qual desejamos conviver.
2 comentários:
Admirável reflexão. De fato, as paixões cegam, as ideologias dividem, na vida social e pessoal. Entretanto, o mundo não está muito melhor no aspecto respeito à dignidade humana, à alteridade, à ética. Mil vezes o mimimi politicamente correto, morro por essa escolha, ao escárnio e à vilania que nos ferem no fundamento feminino, no fundamento igualdade cidadã, no fundamento étnico, religioso,ambiental.
Concordo que tivemos avanços, o problema é quando estes avanços são ameaçados com discursos de extremo mau gosto e retrocesso, fomento a todo tipo de preconceito, aliado a violência. Há coisas inegociáveis e que precisam ser combatidas, mesmo que venha de alguém que amamos. Manter o nível da linguagem é dever, nem sempre vigilante de nossa parte. Podemos melhorar neste sentido.
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