Quando se debateu a construção da hidrelétrica Belo Monte e
agora se discute a do Tapajós, sempre me vem à mente importante instituição a
serviço do povo do Pará d’Oeste, o Hospital Waldemar Penna com seu importante centro
cirúrgico, e me pergunto: pode ele funcionar sem eletricidade?
Em minha visão, os povos do mundo todo, inclusive as
populações das cidades, das florestas e ribeirinhas da Amazônia merecem o mesmo
tipo de atendimento que recebem os pacientes do Waldemar Penna, um dos hospitais
públicos mais bem administrado do Brasil.
Em 21 de Fevereiro de 1848, Karl
Marx e Friedrich Engels publicaram o Manifesto Comunista que lhes fora
encomendado pelo Partido Comunista Alemão. Ali eles convocam: “Proletarier
aller Länder, vereinigt euch!” ("Proletários de todos os países,
unam-se!" ou "Proletários de todo o mundo, uni-vos!"). Naquele
momento, Marx e Engels conclamam a globalização do proletariado. Pois bem,
hoje, estamos em processo de globalização “global” que inclui não somente
proletários, mas todos os tipos de pessoas, classes, organizações e atividades,
inclusive nossos ribeirinhos e indígenas.
Quando
reflito sobre questões socioeconômicas, não me atenho apenas ao que se
restringe à Amazônia, embora esta seja objeto de meu amor, porque sei que a
miséria e a ignorância estão por toda parte, inclusive em grandes centros
urbanos. É miséria globalizada.
Quando reflito sobre questões
socioeconômicas, não me atenho apenas ao que se restringe à Amazônia, embora
esta seja objeto de meu amor, porque sei que a miséria e a ignorância estão por
toda parte, inclusive em grandes centros urbanos. É miséria globalizada.
Em 1948, numa viagem de
estudos pelo interior do Nordeste, assisti bebês morrendo no colo das mães por
mera desidratação. Na época, nem eu nem as mães sabíamos por que. Hoje eu já
sei, mas muitas mães ainda não sabem que desidratação mata, embora possa ser
superada por simples soro caseiro: uma pitada de sal, três de açúcar, um copo
d’água.
A conclusão que extraio dessa
lição da juventude não é apenas que desidratação seja mortal, mas que
ignorância mata, adoece, empobrece, escraviza. Portanto, o mal maior da Humanidade
é a ignorância. E é contra ela que todos nós temos que lutar.
Quando alguém diz que há
populações que não usam eletricidade nem Internet, na realidade quer dizer que
não tem acesso a esta, não podem utilizar esta importantíssima fonte de energia
para acesso a conhecimento, informação e bem-estar.
Nos últimos anos em que Dr. Waldemar
Penna morou na casa ao lado do solar, hoje demolido e que pertencera à família
de Aderbal (Babá) Correa, onde o ilustre médico estabeleceu a Casa de Saúde São
Sebastião, eu o visitava todas as noites para conversar sobre quase todos os
assuntos. Eu me deleitava com sua verve e sua sabedoria. Pois bem, Dr. Penna se
atualizava todas as noites com as mais recentes novidades da profissão médica usando
a Internet. Esta é invenção muito mais revolucionária do que a prensa de tipos
de Gutenberg. Internet é instrumento indispensável à vida no século XXI.
Décadas atrás, a abertura
para o conhecimento se fazia pela revista Seleções do Rider’s Digest. Ali tomei
conhecimento da Guerra dos Boxers, o que me induziu a frequentar durante anos a
Biblioteca Nacional para ler os doze volumes de “A Study of History” de Arnold
Toynbee. Hoje a introdução, a abertura para o conhecimento é o Google e a obra
toda está disponível em toda parte e a qualquer um na Internet. Só permanece
ignorante e desinformado quem não tem acesso à Internet ou não sabe usá-la.
Dom Manuel I, interessado em
concorrer com o monopólio de Veneza, ordenou a Vasco da Gama que fosse à Índia,
buscar especiarias do Oriente, numa viagem que começou em 8 de julho de 1497,
mas só teve notícias do resultado em 10 de julho de 1499 quando a primeira
caravela retornou a Lisboa, dois anos depois. Em 1858 um telegrama de Bombaim
levava quarenta dias para chegar ao destino, depois de viajar por mar e terra
até a Itália, de onde era retransmitido por cabo para Londres. Em 1865, a
primeira linha telegráfica foi estabelecida entre Londres e Bombaim e as
mensagens passaram a ser imediatas, embora sucintas, em estilo “telegráfico”. Vejam
quão moroso era o processo administrativo, quanto tempo e dificuldade para
tomada de decisões vitais.
Hoje bilhões de textos, sons
e imagens circulam pelo mundo todo através dos diversos meios de comunicação. Minha
consciência não me permite desejar manter povos inteiros no isolamento e na
ignorância, que os escravizam e impedem de tomar decisões rápidas baseadas no
conhecimento e na informação, quando hoje seja extraordinariamente simples
proporcionar acesso a estes preciosos bens: basta um telefone móvel, um tablete
ou laptop e, é claro, eletricidade e Internet.
Estou certo de que no momento
em que essas facilidades estejam disponíveis, os povos do mundo inteiro,
inclusive nossos índios e ribeirinhos, serão livres para decidir seus destinos
por si próprios e não induzidos por tantos aventureiros inescrupulosos, todos
interessados em propagar suas próprias crenças e defender seus próprios objetivos
ou os de quem os financia, quase sempre contrários aos verdadeiros interesses
dos povos subjugados.
Defendo que todos os povos
sejam instruídos, educados e habilitados a usar instrumentos que lhes permitam
apropriar as vantagens do conhecimento e da informação. Esta é a maior e mais
importante prioridade. A partir de certo nível de conhecimento, cada indivíduo
se torna independente de quem o ensine, porque passa a aprender por si próprio.
E isto tem o efeito irreversível de alavancar o desenvolvimento do indivíduo e
da Humanidade toda.
Quando o efeito democrático
deste tipo de educação se faz sentir, três demandas imperiosas aparecem: energia,
Internet e logística. A primeira permite a produção de bens para
satisfazer as demais necessidades; a segunda, o conhecimento e a informação para
produzi-los; a terceira, que tais bens sejam distribuídos por todos e para
todos.
É por essa visão do futuro
que defendo o aproveitamento de toda e qualquer fonte de energia que possa ser
domada e aproveitada: solar, eólica, geotérmica, do hidrogênio, das ondas e
marés, biológica, nuclear (com extremos cuidados), e a mais econômica e ecológica
de todas, a hidrelétrica, inclusive a dos desníveis do Tapajós; igualmente,
todo tipo de transporte: aéreo, ferro-rodoviário, marítimo e fluvial, inclusive
a plena navegabilidade dos rios Tapajós e Teles Pires.
Os danos para o rio, suas
margens e pequenas populações ribeirinhas, decorrentes da hidrelétrica do
Tapajós e suas eclusas, podem ser plenamente reparados ou mitigados e
indenizados. Por outro lado, vejo enormes benefícios para ampla maioria da
sociedade, tanto pela oferta de preciosa energia elétrica, quanto pela plena
navegabilidade dos rios Tapajós e Teles Pires, além das linhas de alta tensão
elétrica serem canais de Internet.
Em um regime democrático, uma
vez reparados e indenizados eventuais prejuízos das minorias, prevalece o interesse
da maioria. Esta é a regra do jogo republicano.
Comunidades educadas e
inseridas no ambiente global independem de ecossistemas restritos, são livres
para voos mais extensos. Comunidades tradicionais dependem tão drasticamente de
seus ecossistemas porque estão escravizadas pela ignorância e são induzidos por
defensores conscientes ou inconscientes, até bem intencionados, de causas
paroquiais, restritas, sem visão de maior escopo, ou mesmo por promotores de
interesses alienígenos. Um exemplo, fora deste contexto, de equívoco de pessoa
correta e bem-intencionada, foi a greve de fome do bispo Dom Luiz Cappio contra
a transposição do São Francisco, obra indispensável que, se fosse concluída a
tempo, teria salvado o Nordeste das grandes agruras da seca dos últimos anos.
Busco arduamente ser
criterioso, política e ideologicamente isento. Penso que estas são visões
pragmáticas, realistas e globais, porque, embora focando prioritariamente os
interesses de longo prazo da nação brasileira, minha compaixão não se restringe
a casos e comunidades isoladas, mas se estende à Humanidade toda.