9 de agosto de 2010

Gazeta na Praça do Centenário

Sebastião Imbiriba*
      Depois do grande conflito mundial, quando o movimento da Guerra da Borracha já havia cessado e as plantações de juta começavam a ganhar impulso, era muito calma a vida em Santarém. A serenidade se interrompia esporadicamente pela chegada do navio do Lloyd Brasileiro, do Catalina da Panair ou do senador Magalhães Barata desembarcando do Aquidabã para enquadrar severamente seus correligionários mocorongos. No ano do primeiro centenário da elevação de Santarém à categoria de cidade, a comoção maior aconteceu e em algumas inaugurações importantes: Escola Técnica de Comércio do Baixo Amazonas Rodrigues dos Santos, dirigida pela Professora Sophia, a 16 de março; do Instituto Batista de Santarém, obra do Pastor Sóstenes, em 15 de outubro e, no mesmo dia, 24 de outubro de 1948, da Rádio Clube de Santarém e da Praça do Centenário.
      Esta praça foi construída entre as avenidas 24 de Outubro e Silvério Sirotheau Corrêa, no bairro da Aldeia. Seu projeto construtivo foi concebido pelo artista santareno Manoel Maria de Macedo Gentil, o Xixito, que depois viria a ser vereador e, por fim, assassinado pelo irmão do prefeito, por desentendimento com a irmã deste, devido à alegada recusa da regularização de concessão de terreno municipal que ele defendia em favor de correligionário.
      O Largo do São Raimundo, como era chamado, foi ornamentado, em seu centro, por um índio, obra de João Fona. Ao lado da estátua, uma estrofe de poema de Castro Alves. Estes ornamentos, juntamente com dois canhões, além de canteiros, alamedas e bancos, faziam a decoração da praça. Os canhões pertenceriam à Fortaleza do Tapajós, onde nunca estiveram por terem sido relegados e esquecidos por cerca de um século no leito da Rua Galdino Veloso.
      A foto ao lado mostra, sentadas, Nancy Ayres, Selma Cardoso e Letícia Colares; em pé, Yolanda Ayres Gentil e Leila Figueira. Eram amigas inseparáveis e alunas bem comportadas do Colégio Santa Clara. Umas cursavam o segundo ano do ginásio, outras, já o terceiro. A atitude de bom comportamento delas era elogiado pela mestra de disciplina, a severa irmã Balbina, que as considerava e apresentava como exemplo a ser seguido pelas demais alunas.
      A inauguração do Largo de São Raimundo era motivo de comentários em todos os círculos da cidade e não podia deixar de ser entre as alunas do Santa Clara. Um professor havia faltado naquela manhã e as meninas estavam ansiosas por conhecer a Praça do Centenário. Ainda mais, porque Yolanda, cujo genitor projetara a praça mas não a levara à inauguração, desejava intensamente conhecer a obra do pai. Em lugar de nada fazerem, sem aula, resolveram sair do colégio para matar a curiosidade e retornar em tempo para a próxima aula. Gorjeando como passarinhos, as cinco rumaram para a nova praça.
      Estavam as meninas conversando animadamente, sentadas nos bancos da praça, quando uma delas avistou a batina franciscana saindo da igreja de São Raimundo. “Ai! Meu Deus, frei Isidoro nos viu”, disse uma delas. Num relance, todas se voltaram para a igreja. Parado no átrio, em silêncio e com ar carrancudo, o frade mostrou a palma da mão e a balançou pra frente e pra trás na direção das alunas do conceituado colégio feminino que ele julgara estar gazeteando. Em seguida, sem dizer palavra, saiu caminhando rapidamente.
      As meninas permaneceram por instantes discutindo o que fazer para evitar o severo castigo que certamente viria. Resolveram voltar às pressas ao colégio. Chegaram esbaforidas, apenas para encontrar irmã Balbina, de braços cruzados, na entrada, à espera delas. “Sim senhoritas”, começou a freira, passando um sabão completo nas fujonas antes que estas pudessem, ao menos, começar a se explicarem. Mas o castigo ficou apenas na advertência e as amigas seguiram, desconfiadas e silenciosas, a caminho da próxima aula.
      Prova irrefutável da gazeta flagrada por frei Isidoro, a foto foi tirada por um lambe-lambe que aproveitava o atrativo da praça para levantar uns trocados.
*Cidadão amazônico

Um comentário:

Eduardo Gentil disse...

Olá, me chamo Eduardo Gentil e sou neto de Yolanda Gentil. A moça em questão na história. Venho pesquisando toda a origem da minha família no Pará e gostaria de saber como você soube dessa história? Com quem eu falo? Algum email para contato?
Obrigado.