7 de outubro de 2005

Uma Reforma Política para o Brasil 2010

Sebastiao Imbiriba*

“Democratizar é garantir direitos das minorias"


Se espanhóis não podem acreditar nas promessas de campanha do Partido Socialista e brasileiros descobrem que o programa do PT jamais seria dogma de fé, quem vai acreditar em programas e ideologias destes ou de qualquer outro partido?

Os partidos políticos viverão em função de suas próprias existências, sem utilidade para a vida nacional e para o desenvolvimento do país.

... uma verdadeira reforma política e, mesmo, uma alteração na legislação eleitoral deveria ser debatida em audiências públicas em cada comunidade, distrito, município e estado da federação antes de ser submetido a plebiscito.

... as normas eleitorais são da maior importância numa democracia. São essas leis que regulam a escolha dos representantes do povo e protegem as minorias.


O Autor propõe que continuem a existir os partidos ideológicos e os demais pequenos partidos, por que são estes os que permitem, de fato, melhor representatividade às diversas correntes de opinião e interesses e, na exata medida em que o façam corretamente, poderão se revelar os grandes partidos do futuro.


Resumo
A Comissão de Reforma Política da Câmara dos Deputados prepara tenebroso atentado à democracia, à representatividade e aos direitos das minorias. O autor expõe as sinistras intenções de auto perpetuação do estamento político dominante e lança proposições que acredita poderem aperfeiçoar a democracia, a liberdade, a representatividade popular, ao mesmo tempo em que permitem melhorar a postura ética de eleitos e eleitores.

Tais proposições incluem:
criação de distritos eleitorais e de uma instância eleitoral inferior ao municipal;
voto distrital majoritário para todos os cargos eletivos exceto para metade da Câmara Federal a qual seria escolhida por listas preordenadas em voto de legenda;
redução dos mandatos de senadores para seis anos com votação a cada dois anos.




Direito das minorias

A forma mais fundamental de democracia é o voto universal plebiscitário pelo qual cada cidadão propõe, fiscaliza e julga as questões de Estado, pessoalmente, sem intermedição. A representação política foi criada pela impossibilidade de se reunirem todos os eleitores devido a circunstancias geográficas, climáticas e econômicas. O representante político é um intermediário, atravessador, que pode ser muito útil e muitas vezes indispensável ao exercício da democracia, mas que, necessariamente, diminui as prerrogativas democráticas do representado e, muitas vezes, se aproveita de sua boa-fé para o iludir e prejudicar.

Os preceitos mais fundamentais dos regimes democráticos são a garantia dos direitos individuais e a representação política das minorias. A menor minoria é o indivíduo. Seus direitos devem ser assegurados e exercidos livremente. Daí a noção de Direito do Indivíduo e Direitos Humanos. Costuma-se falar de direitos coletivos. Direito coletivo é ficção criada para justificar ideologias coletivistas. O coletivo não sente e não sofre a injustiça; quem sente e sofre é o indivíduo, cada um deles que compõem o coletivo. Quando se diz que uma instituição, uma empresa, por exemplo, teve lucro ou prejuízo, na realidade, quem teve seu patrimônio alterado foi o acionista, o proprietário e, se uma instituição for julgada culpada de delito contra pessoa, o fisco ou o meio ambiente, quem finalmente paga a multa e vai para a cadeia é o indivíduo responsável por ela. É impossível condenar à prisão e encarcerar a instituição, pessoa jurídica; quem vai para a cadeia é a pessoa física, o indivíduo.

Portanto, embora para os estabelecer e melhor defender os cidadãos se agrupem conforme seus interesses comuns, estabeleçam associações as mais diversas, inclusive partidos políticos, todos procurando promover e defender os interesses particulares das diversas parcelas da sociedade, direitos e prerrogativas, em última análise, são sempre pessoais.

A Humanidade percorreu longo caminho de embates, sofrimentos e sacrifícios para definir direitos das pessoas, desde os filósofos gregos da antiguidade, aos enciclopedistas do século XVIII, à Declaração de Independência das treze colônias americanas, à Constituição dos Estados Unidos da América e suas emendas da Bill of Rights, à Declaração dos Direitos do Homem na Revolução Francesa, aos ensinamentos e ao exemplar pacifismo ativo de Gandhi, até às paradas de “orgulho gay”, consolidando, cada vez mais, os direitos naturais, políticos, econômicos, trabalhistas, de consumidor, sociais, civis e sexuais. No processo, incontáveis heróis ofereceram suas posses, seus amores, suas vidas.

O surgimento de partidos políticos organizados no Brasil aconteceu apenas a partir de 1831 no período da Regência Trina com liberais (chimangos, que apoiavam o governo), liberais exaltados (farroupilhas, que a ele se opunham) e restauradores (que pretendiam o retorno de Pedro I). Mais tarde, o Partido Liberal, sucessor dos progressistas que apoiaram Feijó até sua renúncia e o Partido Conservador, que congregara os opositores ao liberalismo do regente único, constituíram a dualidade política que se revezou no poder e governou o Império até a proclamação da República.
Quem quer que tenha passado os olhos pela história pátria se convencerá de que esses partidos representaram exclusivamente os interesses das elites, em detrimento do resto do povo, dos escravos, dos trabalhadores, da incipiente classe média, dos cidadãos sem posses ou rendas, das mulheres e de todos os demais segmentos da sociedade, excetuada a minoria que se revezava no poder. Na República Velha não foi diferente. A revolução pseudo liberalizadora de 1930 resultou na Ditadura Vargas que, por um lado, exercitava política trabalhista nos moldes do fascismo italiano enquanto encabrestava sindicatos operários e patronais e, por outro, promovia os interesses da parcela das elites antes prejudicada pela política “café com leite”.

O pós-guerra trouxe ares liberalizantes que logo se transformaram na farsante social-democracia do PSD, no falso libertarismo udenista, no peleguismo petebista e no fechamento do PCB cuja única razão de ser eram os interesses da União Soviética. Os partidos que resultaram da dicotomia artificial imposta pelo regime militar desaguaram no painel partidário que hoje envergonha nossa pátria.

Sem entrar no mérito de caráter, competência, comportamento ético e postura republicana de qualquer destas pessoas, o autor se pergunta a quem o PMDB do Pará representa senão a Jader Barbalho? A quem o PFL da Bahia representa senão a Antonio Carlos Magalhães? A quem o PT nacional representa senão a Luiz Inácio Lula da Silva? A quem o PP de São Paulo representa senão a Paulo Salim Maluf? A quem o PFL e o PMDB do Maranhão representam senão a Jose Ribamar Sarney? A quem representa o PMDB do Distrito Federal senão a Joaquim Roriz? E continuaria a perguntar e perguntar sem encontrar partido que represente o povo desta nação. Porque os partidos são estruturados para perpetuar seus coronéis no comando de currais eleitorais sobre os quais se posicionam para as barganhas políticas, troca de cargos e interesses financeiros, controle de contratos com empreiteiras, fornecedores de materiais, serviços e publicidade.




O projeto infame

Os inimigos da Humanidade estão sempre à espreita e, furtivamente, traiçoeiramente, atentam contra a cidadania, a liberdade, a democracia, a representatividade das minorias e do cidadão. A Câmara Federal prepara casuística ficção jurídica denominada “Reforma Política”, composta de “lista preordenada”, “cláusula de barreira”, “federação de partidos” e “financiamento público exclusivo de campanha eleitoral”, com evidente intenção de eliminar os pequenos partidos. Políticos mal intencionados pretendem enfiar tal aberração goela-dentro de atônito eleitorado acostumado a e sempre desejoso de votar em pessoas de carne e osso e nunca em quimeras denominadas “partidos políticos”, tanto assim que votos de legenda não passam de cinco por cento do total em todas as eleições. Depois de tentarem, por diversas vezes, impor exóticos regimes parlamentaristas ao povo brasileiro, idealistas utópicos alienados, articuladores maquiavélicos e políticos corruptos tentam nos impingir essa famigerada reforma política. Acredito que a nação brasileira não deve continuar a infeliz prática de eternizar no poder camarilhas corruptas e ineficazes, como se pretende com o projeto de reforma política em curso na Câmara Federal.


Um dos fatores que desigualam os diferentes segmentos da cidadania é o econômico, principalmente nas disputas eleitorais, nas quais os que dispõem de maiores recursos - financeiros, de estrutura organizacional, apoio da mídia, etc. - se posicionam com grande vantagem sobre os demais, mormente sobre os que não dispõem de qualquer recurso. Exatamente por isto, a legislação eleitoral prevê formas legais de financiamento de campanhas eleitorais, prazos de abandono de cargos públicos e de atuação na mídia, etc. Apesar disto, tem havido sempre profundo desrespeito à legislação e abuso na busca e uso de recursos de financiamento das campanhas eleitorais. Certamente, tais ilegalidades devem ser prevenidas, coibidas e punidas.


O caminho mais certo e curto para isto seria a punição exemplar dos infratores, uma vez que o exemplo é e será sempre o meio mais eficaz de manter a melhor equalização entre os candidatos a cargos eletivos. E aqui está uma das mais importantes funções das minorias que, quando prejudicadas, procuram o apoio da mídia para revelar os crimes e acusar os criminosos.


Argumenta-se com o gasto, que se considera absurdo, de hipotéticos nove bilhões de reais, nas campanhas eleitorais dos candidatos aos diversos cargos em disputa durante as eleições de 2002, para justificar projeto de lei em curso na Comissão de Reforma Política da Câmara dos Deputados, praticamente sem conhecimento da sociedade, cujo único propósito é eternizar no poder seus atuais detentores. Tal projeto de lei, impulsionado pelo próprio Presidente da República, não passa de novo golpe de um parlamento casuístico, desmoralizado e, pelo que diz a mídia, corrupto.

Analisemos esta farsa que estabelece:
a - financiamento público das campanhas eleitorais com recursos exclusivos previstos no Orçamento da União rateado conforme o tamanho dos partidos;
b - listas preordenadas de candidatos a cargos legislativos, votando o eleitor na lista e não no candidato;
c - federações partidárias, que substituem as coligações, para congregar pequenos partidos ideológicos que, de outra forma, seriam eliminados;
d - cláusula de barreira para dificultar a troca de partidos.

Pela estreiteza da pauta que, por exemplo, não contempla o voto distrital, vemos tratar-se de tudo, menos de “reforma política”.


O projeto pretende alocar no Orçamento da União cerca de sete reais por eleitor para as eleições gerais de 2006, o que daria um total de menos de novecentos milhões de reais. Resta saber o que é de fato real, se a estimativa do absurdo de nove bilhões gastos em 2002 ou a possibilidade de se fazer campanha em 2006 com apenas um décimo dessa importância. A disparidade dos números indica profunda distorção para um lado ou outro e o eleitor fica sem saber qual seja, de fato, o pior. Argumentam os proponentes do projeto que a instituição das listas preordenadas, por serem poucas, dará condições à Justiça Eleitoral de auditar as contas de campanha, coisa que pelo esquema atual seria impossível por serem muito os candidatos, cada qual com sua contabilidade de financiamento individual, além disto, o controle seria através dos partidos, incentivando a participação da sociedade que exigiria prestação de contas de seus representantes. Este argumento é uma falácia, porquanto o controle pode ser perfeitamente realizado por amostragem para dar certeza estatística, da mesma forma como a Receita Federal verídica declarações de imposto de redá e a Controladoria da União afere contas municipais, ambas com resultados aceitáveis.


Nenhum país adota o financiamento exclusivo e, portanto, não há exemplos de suas conseqüências e sua efetividade. O financiamento público exclusivo e a lista preordenada, não somente, não impedirão, por si sós, o financiamento privado das campanhas eleitorais, como introduzirão viés impeditivo da renovação política nacional, mantendo os caciques no poder e dificultando o aparecimento de novas lideranças. Caso o financiamento público exclusivo, a lista preordenada e a cláusula de barreira tivessem sido adotados há vinte anos, PSDB e PT possivelmente não teriam adquirido a expressão político-eleitoral que hoje têm e nem chegado ao poder; enquanto isto, o PMDB provavelmente teria se tornado gigantesco. É que o financiamento exclusivo aloca aos partidos recursos proporcionais aos votos das últimas eleições, fazendo com que os grande se tornem maiores, os médios encolham e os pequenos desapareçam.


O projeto em curso institui lista preordenada, a ordem de precedência dos candidatos escolhidos pelo partido, imposta aos eleitores que votarão apenas na sigla e não nos candidatos individualmente. O candidato no topo da lista será eleito se quociente eleitoral do partido for suficiente, sendo os demais candidatos eleitos enquanto houver saldo de votos. Haverá vários critérios para escolha dos participantes na lista, entre os quais, o prazo de filiação partidária, havendo propostas de prazos de dois, três e quatro anos para que um novo filiado possa se candidatar a figurar na lista preordenada.


O objetivo dos proponentes do projeto de lei é que o eleitor, em lugar de votar em nome de sua livre escolha, vote na lista escolhida pelo partido, supondo que estará votando na ideologia ou programa do partido. Aqui está outra falácia. O Partido Socialista de Felipe Gonzáles fez campanha ultra-radical de esquerda e os eleitores espanhóis acreditaram que teriam um governo socialista. No entanto, já nos primeiros meses de governo o presidente (primeiro ministro) Gonzáles era chamado de neoliberal pela política que adotou obediente ao “Consenso de Washington”. Da mesma forma, a ideologia socialista da história do PT foi abandonada e o programa de campanha do candidato Lula relegado pelo presidente eleito. Segundo denúncias correntes na mídia, para completo desencanto de seus correligionários e constrangimento de toda a sociedade, para estabelecer base de apoio no Congresso o PT adota os mesmos e até piores esquemas de corrupção de que acusava outros partidos. Se espanhóis não podem acreditar nas promessas de campanha do Partido Socialista e brasileiros descobrem que o programa do PT jamais seria dogma de fé, quem vai acreditar em programas e ideologias destes ou de qualquer outro partido? A falácia dos proponentes da “Reforma Política” fica assim completamente desmascarada.


Ideal seria que se pudesse introduzir democracia interna nos partidos, obrigando a que as convenções definam os candidatos por pré-candidaturas e votos igualitários de todos os afiliados. A dificuldade reside no limite da lei em interferir nos assuntos de foro interno dos partidos. Os propositores do projeto pressupõem democracia interna nos partidos políticos, o que ninguém de bom senso acredita, uma vez que partidos políticos, em toda parte, no mundo todo, são dominados ou possuem forte predomínio de seus caciques e medalhões. Ninguém depositaria fé nas chances de um novo afiliado do PSDB, por mais brilhante e competente que fosse, se tivesse que competir por um lugar na lista preordenada com um Fernando Henrique, um José Serra ou outros próceres de peso semelhante.


É perfeitamente justo que líderes de um partido, seus fundadores e puxadores de votos tenham lugar proeminente. O problema é que, se o sistema atual já preserva as cúpulas dos partidos, o sistema proposto os eterniza e impede a renovação tão preciosa ao regime democrático. Ocorrerá o mesmo que no regime militar, com governadores e Congresso encabrestados, sufocando as mais promissoras lideranças, mantendo o estamento político dominante desde quando substituiu a “república café com leite” elevado ao poder pela revolução de 1930. A esse estamento incorporou-se novo elemento suficientemente hábil para manobrar e crescer durante o regime militar, o Partido dos Trabalhadores. Tal estamento prepondera no cenário nacional.


Outra inovação proposta no projeto de lei é a federação partidária, sucedânea de coligação partidária, artifício que permite agrupamento de pequenos partidos que devem permanecer interligados pelo prazo mínimo de três anos. A federação formaria, com candidatos de suas diversas tendências, lista preordenada única validada pelo total de votos que o conjunto dos partidos federados tenha obtido nas últimas eleições e financiada proporcionalmente a essa votação. A federação partidária teria por finalidade garantir que pequenos partidos com forte viés ideológico possam sobre-existir diante das restrições criadas pelos critérios de concessão de financiamento público exclusivo que, como vimos, privilegia os grandes partidos.


Fica difícil imaginar interagindo harmonicamente numa federação partidos criados a partir de cisões, voluntárias ou forçadas, de agremiações como o PT, PCB, PCdoB e outros, dentro dos quais minorias não se sentiam suficientemente bem representadas ao ponto de serem forçadas a formar novos partidos. Se o objetivo casuístico for o de proteger partidos ideológicos, resta a dificuldade de definir qual partido seja ou não ideológico e, até mesmo, o que seja ideologia ou qual ideologia mereça ser preservada e em benefício de quem. Os pequenos, denominados pejorativamente “partidos de aluguel”, não deixam de ter suas ideologias particulares o que é privilégio do regime democrático e deve ser protegido sob pena de colocar em risco os próprios conceitos de cidadania e democracia, simplesmente porque ninguém pode se arvorar ao direito de prejulgar quem quer que seja no quesito de liberdade de pensamento e de perseguir o interesse próprio, ou seja, de buscar a felicidade, na forma que melhor julgar dentro da Lei.


Por fim, o projeto institui a cláusula de barreira, conjunto de preceitos destinados a dificultar a troca de partido por eleito em outra agremiação, incluindo desde prazos de filiação mínimos de dois a quatro anos para dar ao novo afiliado o direito de pleitear sua inscrição na lista preordenada, até a perda do mandato eletivo de quem troque de partido. De fato, a troca de partido fica inviabilizada de tal modo que mesmo por razões extremamente válidas, como as éticas, por exemplo, os partidos ficam estratificados, impossibilitados de corresponderem às dinâmicas demandas da sociedade. Os partidos políticos viverão em função de suas próprias existências, sem utilidade para a vida nacional e para o desenvolvimento do país.


Um outro projeto de lei propõe a coincidência das eleições de modo que passaríamos a ter eleições apenas a cada quatro anos. Embora isto possa resultar em pequena economia para o erário público, tal vantagem não compensa duas importantíssimas virtudes da realização de eleições de dois em dois anos, qual sejam:

aa - o papel educativo e moralizador da freqüente atenção da sociedade e do eleitor sobre a coisa pública;
b - a diminuição do risco de que um líder carismático eleito em avalanche de votos se aposse do poder em todos os níveis sem que eleições municipais dois anos após possa colocar em cheque suas idiossincrasias e suas pretensões ditatoriais absolutistas.

O Brasil não precisa de nenhum Hugo Chaves infernizando a vida nacional.




Uma reforma decente

Se o projeto em andamento na Comissão de Reforma Política da Câmara dos Deputados é antidemocrático por cercear a representação das minorias políticas, teríamos que ter alternativas que aperfeiçoem a prática política brasileira e é disto que trataremos daqui por diante.


Primeiro, uma verdadeira reforma política e, mesmo, uma alteração na legislação eleitoral deveria ser debatida em audiências públicas em cada comunidade, distrito, município e estado da federação antes de ser submetido a plebiscito. Na realidade, as normas eleitorais são da maior importância numa democracia. São essas leis que regulam a escolha dos representantes do povo e protegem as minorias. Infelizmente, nem mesmo as alterações na Constituição Federal requerem realização de audiências públicas esclarecedoras ou de plebiscito, instrumentos legitimadores absolutos e indispensáveis.


Em segundo lugar, é necessário proceder a uma distribuição territorial distrital do eleitorado tendo todos os distritos o mesmo número de eleitores com mínimas variações que possam ocorrer entre das eleições, sendo, após cada eleição, re-alinhados conforme as variações demográficas eleitorais. Desta forma, estados populosos como São Paulo e Minas teriam muito maior número de distritos do que os de população mais rarefeita como o Amazonas, restabelecendo a verdade e justiça representativa nas casas de representação proporcional, como sejam a Câmara Federal, as Assembléias Estaduais, as Câmaras Municipais e os Conselhos Comunitários aqui propostos.


Os estados não teriam mais um número mínimo de deputados federais, mas seriam representados tão exatamente quanto possível na proporção dos respectivos eleitorados. Da mesma forma, por exemplo, a Assembléia Estadual de São Paulo teria número maior de deputados estaduais do que a do Amazonas, sempre com o mesmo quociente eleitoral. Assim, teríamos as igualdades:

a - um eleitor igual a um voto;
b - um representante eleito igual a um número constante de votos.

Dentro dessa redistribuição territorial distrital, seriam instituídos os Conselhos Comunitários ou de Vila de forma que as questões locais possam se discutidas no próprio âmbito comunitário. Esta seria uma forma de institucionalizar governança exercida informalmente por determinadas organizações não governamentais que se auto delegam o papel de Estado sem regulação legal nem legitimação eleitoral.


Para exemplificar, os coeficientes eleitorais poderiam ser: 500 mil votos para eleger um deputado federal, 250 mil para deputado estadual, 25 mil para vereador e cinco mil para conselheiro comunitário. Tais números devem levar em conta os levantamentos censitários mais recentes e a praxe adotada no Brasil e em outros países democráticos para se estabelecer o número de representantes. Os atuais quinhentos e poucos deputados federais parecem ser adequados para correta representação das diversas correntes de pensamento político brasileiras e o mesmo parece ocorrer com as assembléias estaduais e as câmaras municipais. Restaria apenas definir a constituição numérica dos Conselhos Comunitários.


A votação para a totalidade dos conselheiros, vereadores, deputados estaduais e metade dos deputados federais seria por voto distrital majoritário, cada partido apresentando candidatos em dobro do número de cargos em disputa, permitindo que o maior número de tendências políticas e minorias possa se apresentar ao voto popular, de maneira direta, junto ao eleitor, possibilitando estreito relacionamento pessoal entre eleitor e candidato, facilitando a que cada eleitor apresentar sua candidatura se o desejar e, com isto, aumentar a efetiva participação do povo no processo democrático.


A outra metade dos deputados federais seria eleita por voto de legenda, com os membros da lista preordenada indicada por convenção partidária conforme o estatuto de cada partido, fazendo com que os políticos de maior prestígio, mesmo sem eleitorado pessoal, possam se apoiar no bom conceito e apelo eleitoral de seu partido. Por um lado, o voto distrital majoritário, moralizador na medida da postura ética tanto do candidato quanto do eleitor, permite o surgimento de novas lideranças, ajudando a renovar os quadros políticos. Por outra parte, o voto de legenda em listas preordenadas dá estabilidade à linha de pensamento dominante no partido, à sua plataforma programática e mesmo à sua ideologia, além de prestigiar suas lideranças mais expressivas, comprovadas pela militância ou pelos embates em pleitos majoritários distritais.


Presidente, governadores e senadores continuariam a ser escolhidos e votados como se faz atualmente, com exceção do mandato do senador que seria de seis anos, com eleição a cada dois anos, renovando um terço do Senado Federal a cada eleição. Desta forma, em uma eleição, o senador seria eleito junto com prefeitos e, na seguinte, junto com o presidente, o que seria um perfeito compromisso entre a renovação das lideranças, o equilíbrio político e estabilidade das instituições democráticas.


Ainda se pode considerar a oportunidade de alterar a composição federativa, criando novos estados e municípios ou reduzindo-os, se for o caso para melhor administração da coisa pública e melhor o equilíbrio representativo. Um país de alto conceito na pratica da democracia e dos direitos humanos, a Dinamarca, recentemente diminuiu o número de municípios para tornar mais eficientes as administrações locais. Este pode ser o caso em algumas regiões brasileiras em que há inúmeros municípios com pequeno território e parca população. O contrário ocorre em outras regiões em que grandes distâncias e falta de comunicação e transporte dificultam a administração. Mas este é tema para novas reflexões.


Como vimos, ideologias são ficções usadas apenas como engodo eleitoral. Ideologias cumpriram papel histórico, ajudaram a desenvolver direitos sociais e econômicos. No entanto, provavelmente, causaram muito mais sofrimentos do que benefícios à Humanidade. O autor e outros pensadores acreditam que o desenvolvimento dos direitos econômicos e sociais, alavancados pela ideologia, poderiam avançar da mesma forma que outras formas de direito, com embates, sim, como na Revolução Americana, na Francesa (antes do Terror), na luta por direitos humanos de Martin Luther King e pelos direitos nacionais e políticos do Mahatma Gandhi, mas com muito menos terrorismo, menos assassinatos e menos hecatombes.


Do ponto de vista humanístico, dos direitos humanos, não há distinção entre socialismo e fascismo, entre comunismo e nazismo. Todos foram extremamente cruéis e exterminaram vidas sem conta. Para o autor, portanto, é contra-senso defender ideologias, todas sempre tendentes a transformar seus seguidores em donos absolutos da verdade ao ponto de se tornarem fanáticos, terroristas e assassinos.


Proponentes do projeto de “Reforma Política” em curso alegam faltar ideologias e programas aos partidos, chamam de nanicos e de aluguel os pequenos partidos, o que, de modo geral, é opinião corrente entre os formadores de opinião. É tempo de refletir mais um pouco. O Autor propõe que continuem a existir os partidos ideológicos e os demais pequenos partidos, por que são estes os que permitem, de fato, melhor representatividade às diversas correntes de opinião e interesses e, na exata medida em que o façam corretamente, poderão se revelar os grandes partidos do futuro.

O papel da ideologia acabou. Esta é a nova era dos Direitos Humanos, da Democracia, da Liberdade.”

* Artigo publicado em 7 de outubro de 2005 nO Estado do Tapajós, jornal diário de Santarém, Pará, onde Autor (75) escreve sobre temas de interesse geral, principalmente amazônicos.

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