7 de junho de 2022

OITENTA ANOS DE CURIOSIDADE

Santarém do Tapajós, 04/06/2011

Sebastiao Imbiriba

Hoje, completo oitenta anos de vida, oito décadas desde que nasci. É um bocado de vida, não que esteja satisfeito, quero muito mais. Beatriz, minha mãe, chegou pertinho dos cem e prima Sophia se foi faltando apenas dezenove dias para completar um século. Quero chegar por aí e até quebrar a barreira dos cem. Mas já estou no lucro. Dê qualquer forma, oitenta anos são um bocado de tempo.

Ainda mais, se pensarmos em como a Humanidade evoluiu. Primeiro, quanto à escala de vida: quando eu era criança, o tempo esperado de vida humana média não passava dos quarenta e cinco anos, isso sem contar a mortandade por guerras, fomes e doenças. Hoje, se vive em média setenta e cinco anos. Depois: pela intensidade e quantidade do conhecimento e dos acontecimentos.

Na minha infância ainda se viajava de navio, semanas para chegar do Rio a Santarém, sem contar a espera pela saída. Além disto, a informação que você deseja e que antes não se encontrava nem nas melhores bibliotecas, hoje está a segundos do clique de seu mouse. Fatos são comunicados e decididos, de um lado a outros do Mundo, em minutos, quando antes necessitavam meses.

Oito décadas de vida, portanto, mais do que tempo, é templo de reflexão, onde se sorvem lições, se medita sobre elas e, talvez, se as repassa a eventuais discentes.

Depois das atribulações de saúde do ano anterior, quando passei meses em várias internações hospitalares por motivos diversos, inclusive delicada cirurgia vascular, do que me recupero a contento, o raiar de uma nova década de vida enche o espírito de esperanças, de ânimo e de indagações: O que fiz da vida que percorri? O que farei da vida que me resta?

À vida me fez. Muito do que sou, herdei genética, moral e culturalmente de meus antepassados. As características físicas, a ética, a abertura para o conhecimento, jeito de ser e lições que recebi de pai e mãe, e que estes herdaram dos seus. Por gerações anteriores, tudo vem desta origem. Mas isto é apenas a base sobre a qual se constrói a vida.

É inegável a aleatoriedade da sorte nos encontros que conformam nossos destinos. Este é fator importante. Mas daí para a frente é nossa responsabilidade, depende de interesse e comprometimento a vida que construímos, a profissão que escolhemos, o amor que merecemos.

Tenho defeitos de sobra, sei que existem e me desgostam profundamente, mas não me preocupo tanto assim com eles, nem seria eu que os revelaria. Há qualidades, no entanto, que me proporcionam grande satisfação. A primeira é a curiosidade, a segunda a persistência.

Curiosidade. Sempre fui curioso, era assim aos dois anos de idade, e contínuo assim aos oitenta, sou perguntador, o que é isto, por que aquilo? Vou atrás da informação, quero saber tudo nos mínimos detalhes.

Houve tempo em que passava horas em bibliotecas e enciclopédias eram consultadas a cada momento, hoje está quase tudo na Internet, mais fácil, mais rápido, às vezes até mais completo.

Meu pai me dizia: “Toda ciência do mundo está nos livros”. Então eu lia muito. Hoje eu digo: “Falta pouco para que quase toda ciência do mundo esteja na Internet”. Então navego muito.

Persistência. Reconheço, não sou inteligente, demoro muito para entender, é uma dificuldade enorme. Por isso mesmo, tenho que ser persistente, insistir, estudar e reestudar, desenvolver exercícios, ler e reler, até que, por fim, uma tênue luzinha de entendimento aparece e o conhecimento desabrocha e ilumina.

Ágora tenho que lutar com mais uma dificuldade, a memória me foge, ambas, a antiga e a recente. Oh meu Deus, quem é mesmo que introduziu o aristotelismo na escolástica, Agostinho ou Tomás de Aquino? O lado oposto sobre a hipotenusa é seno ou cosseno? Coço a cabeça, tento relembrar de coisas que aprendi há sessenta, setenta anos atrás. Mas isto é questão de tempo, minutos, daqui a pouco a informação salta à lembrança.

O pior é tentar relembrar fatos recentes: “Muito prazer seu João. Como é mesmo seu nome?” Valha-me Deus. Tenho que prestar atenção redobrada, usar artifícios de memorização, anotar, o que nem sempre é possível. Mas que fazer quando os dois únicos neurônios de que disponho não querem mais se encontrar?

Mas isto não me amedronta, continuo a ser curioso, a querer aprender cada vez mais e persisto com maior intensidade. Com parcos resultados, é verdade, mas, de qualquer forma, alguma coisinha aprendo ao longo da vida. O problema é que, apesar do pouco que sei, não posso utilizar todo o pequeno conhecimento de que disponho.

Tão pouco saber, tão pouco utilizado. Profunda e frustrante sensação de desperdício, inutilidade. Por que, para que, tanta ânsia por saber, tanto sacrifício em aprender, com capacidade de fazer tão diminuta? Se os jovens se bastam e pouco se interessam pelo que, eventualmente, eu conheça e possa ser de utilidade para eles; se acomodados não desejam nem fazer, nem saber?

Ah, como eu gostaria de ser como Sophia[1], a Mestra! O anseio por discípulos é insuportável que eternizem estas divagações. Um tiquinho assim de desânimo tenta me acomodar. Então a curiosidade se envereda por outro caminho e me leva a outras explorações. E é aí que descubro: o único conhecimento que realmente interessa é a ciência da felicidade e do amor.

 



[1] Minha prima Sophia, mestra emérita de incontáveis gerações.